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A liberdade e a autonomia na conciliação e na mediação extrajudiciais

3 A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAIS NUM NOVO

3.2 A conciliação e a mediação extrajudiciais e a construção de uma sociedade

3.2.1 A liberdade e a autonomia na conciliação e na mediação extrajudiciais

extrajudiciais; 3.2.3 A autonomia do indivíduo, segundo Paulo Freire, frente à conciliação e à mediação extrajudiciais; 3.2.4 A emancipação e o empoderamento da sociedade inseridas na conciliação e na mediação extrajudiciais; 3.2.5 A conciliação e a mediação na construção de uma sociedade autônoma.

Tal divisão não pretende fragmentar as diretrizes e sim procura auxiliar na análise destas no contexto autocompositivo como resolução de conflitos.

3.2.1 A liberdade e a autonomia na conciliação e na mediação extrajudiciais

Conforme a proposta iniciada por esta pesquisa pretende-se analisar aqui como a conciliação e a mediação no Brasil podem ser utilizadas como instrumentos na construção de uma sociedade autônoma.

Expostas as diretrizes para a construção de uma sociedade autônoma no capítulo 1, iniciar-se-á pela análise sobre pela relação existente entre liberdade e autonomia com base nas reflexões aqui expostas que consideram a autonomia e a liberdade como componentes interligadas. Para Paulo Freire, o marco teórico desta pesquisa, a “autonomia é meio para exercer a liberdade com ética”. E a autonomia é o “poder de decidir” e “aprender a ser”. O “ser” é ser enquanto ser humano (FREIRE, 2000, p. 119).

A conciliação e a mediação possuem significados que se coadunam com o sentido de liberdade e autonomia aqui expostos. Em primeiro lugar porque as partes optam e consentem com a sua participação no procedimento. Isto porque ao decidir participarem de uma autocomposição, as partes estarão dispondo de sua autonomia. E ao formalizarem um acordo, estarão utilizando a autodeterminação, um princípio que embasa a mediação e que, no entendimento deste estudo, é parte da autonomia proposta por Paulo Freire, e assim estará a autonomia sendo exercitada.

Entende-se que na visão de Freire a autonomia conduz a liberdade que por sua vez, permite libertar-se da opressão do homem pelo homem, no sentido de não ser opressor e nem oprimido. E o desvelamento da relação opressora pode possibilitar a conscientização da realidade, a “consciência crítica” que resulta na inserção do ser no mundo como agente transformador da realidade (FREIRE, 2014, p.44 e 83).

Assim denota-se que a autocomposição é um espaço propício para exercitar a não opressão, pois o consentimento, o acordo e principalmente o discordar expondo seus motivos ao outro e o ouvir e considerar o outro, como foi pesquisado, são ações contrárias à opressão. Assim, entende-se que o exercício da liberdade engloba também redefinir concepções e considerar o outro sem imposições ou coerções. Assim, entende-se que o exercício da liberdade engloba também redefinir concepções e considerar o outro sem imposições ou coerções. Nesse sentido Highton e Alvarez explicam que (1999, p.190), “quando há autocomposição, são as próprias partes que ditam a solução ao conflito. Nenhum terceiro toma ou impõe a decisão”.

A liberdade e a autonomia num procedimento autocompositivo podem expressar-se também por meio dos desacordos, pois não significa que ao participar de uma

conciliação ou de uma mediação, o indivíduo tenha que concordar sempre, pois assim não haveria autonomia ou liberdade. A autocomposição não pressupõe necessariamente isso, mas o encontro, o diálogo que se traduzem na aproximação das partes que poderão resultar em acordos ou não, após revisões e reavaliações da situação, que poderão se transformar em vivências para a vida social, além dos muros da autocomposição. Nesse sentido, Grosman explicita que (2011, p. 29), “os participantes podem não mudar suas opiniões nas questões em pauta, mas mudam sua visão sobre si mesmos, sobre os outros e sobre a própria comunidade”. E isto é, no entendimento desta pesquisa, o início da concretização da “criticidade”, proposta por Freire (2000, p. 35).

Assim, conforme já exposto no capítulo 2, há técnicas específicas utilizadas em mediação que permitem ao mediador ajudar as partes a modificarem posicionamentos já definidos.

A conciliação, em particular pelas definições aqui expostas, permite o consentimento e o acordo, embora aqui no Brasil, a conciliação assuma um sentido distinto da mediação na medida em que o terceiro imparcial que conduz o procedimento participa ativamente na elaboração dos acordos, já que lhe compete emitir propostas para a solução do conflito. Entretanto, a conciliação possui o seu valor, pois permite resolver o conflito entre as partes que estão dispostas a uma conversa para reelaborar a situação e compor o conflito. Nesse sentido Zapparolli e Krähenbühl expõem que (2012, p. 105),

Na conciliação pré-processual, em ambientes decisórios, como nos Tribunais, mesmo não judicializada a questão, apesar de preservados os envolvidos do contato direto com o processo ainda não ajuizado e com um julgador, há grande impacto do contexto no redimensionamento dos poderes, na comunicação entre os envolvidos, na violência das narrativas e na disposição para conversar.

No Brasil, a mediação assume uma definição que permite a expressão da autonomia e da liberdade de forma robusta e ampliada, pois o terceiro imparcial que conduz o procedimento não possui a competência para elaborar propostas de soluções, pois isto cabe exclusivamente às partes. Entretanto, para que as partes assumam o que lhes cabe, é necessária orientação no sentido de lhes informar que possuem autonomia para propor acordos, concordar e ou discordar e expor seus motivos e necessidades.

Isto porque se vive em uma cultura predominantemente litigante, sendo que a utilização da mediação ainda é embrionária e a população não está suficientemente informada e consciente sobre uma autocomposição. E, em segundo lugar, porque acredita- se no “medo da liberdade”, ideia exposta por Paulo Freire, como algo concreto. Então as

partes necessitam de um aprendizado no sentido de transformação cultural para que as práticas em mediação frutifiquem e ocorram de acordo com a legislação vigente e com o significado e essência que lhes são próprios.

Assim denota-se, que a utilização da conciliação e da mediação no âmbito extrajudicial é legítima como acesso e efetividade da Justiça e por óbvio que os são também úteis e legítimos quando utilizados na esfera extrajudicial como instrumento a serem explorados visando o desenvolvimento humano, já que se entende serem a liberdade e autonomia condições humanas. E como tal podem ser construídas em outros âmbitos, pois conforme constatado e relatado aqui no capítulo 2, a condução dos trabalhos depende de uma organização multidisciplinar.

Tal constatação pode ser também demonstrada pelo texto presente na Lei n. 13.140/15, a Lei de Mediação (vide 2.3 e 2.4), que enfatiza a competência do mediador como “o condutor do procedimento de comunicação entre as partes, de forma a buscar o consenso e a facilitação para a resolução do conflito”. Assim entende-se que o ambiente autocompositivo não necessita ser exclusivamente jurídico nem tampouco necessariamente judicial. Por isto que se insiste aqui na organização e na regulamentação devidas do processo de qualificação dos mediadores.

E para isto, denota-se que o Estado possui uma função que lhe é precípua e inerente que é o de conduzir os trabalhos autocompositivos tanto na esfera judicial como também e, principalmente, na extrajudicial, de modo a oferecer o tratamento adequado às resoluções de conflitos a fim de que os mecanismos atinjam os objetivos e sejam utilizados não somente como alternativas ao Poder Judiciário, mas como instrumentos a disposição do ser humano visando o seu desenvolvimento.