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A autonomia do indivíduo, segundo Paulo Freire, frente à conciliação e à mediação

3 A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO EXTRAJUDICIAIS NUM NOVO

3.2 A conciliação e a mediação extrajudiciais e a construção de uma sociedade

3.2.3 A autonomia do indivíduo, segundo Paulo Freire, frente à conciliação e à mediação

A autonomia do indivíduo é vista por Paulo Freire, com se viu no subcapítulo 1.3, como um processo que se constitui em experiências encadeadas por decisões. Para o autor, a autonomia inicia o seu amadurecimento no ser, no indivíduo. Assim exercício consciente das decisões é uma forma de amadurecimento da liberdade do ser em confronto com a liberdade de outros seres (FREIRE, 2000, p. 119-121).

O confronto das liberdades não se faz sem ética e responsabilidade. E o objetivo do exercício em conjunto de liberdades é defender os direitos perante as autoridades. E a responsabilidade é consequência natural das decisões, portanto faz parte do aprendizado do ato de decidir (FREIRE, 2000, p. 119-120).

A conciliação e a mediação extrajudiciais possuem condições gerais de possibilitar o exercício da autonomia do indivíduo, pois ao optar por escolher resolver o conflito numa autocomposição, coloca-se em confronto com a liberdade da outra parte que também consentiu em participar do procedimento. Ao discutir a lide, ou seja, os problemas que originaram o conflito, as partes exercitam as decisões. Exprimem suas concordâncias e discordâncias. E ao se confrontarem com a liberdade do outro, conscientizam-se dos direitos e deveres de ambos. E nesse movimento, as partes exercitam as próprias decisões e aprendem a assumir a responsabilidade pelos atos.

Nesse sentido, a conciliação e a mediação podem facilitar o caminho na busca pela libertação da dominação, pois numa autocomposição não há hierarquias entre as partes, que estão dispostas a resolver o conflito entre si. E assim, ao mesmo tempo em que se supera a dominação, vive-se a conscientização para a humanização, pois se podem perceber, no confronto de liberdades, as dificuldades alheias.

Entende-se que neste contexto, a mediação é mais adequada, pois é abrangente, já que possibilita às partes um ambiente mais comunicativo que permite a intersubjetividade.

Constata-se que no Brasil, de acordo com a definição postulada sobre mediação, este mecanismo possui características mais férteis para desenvolver a autonomia dos indivíduos como processo, pois neste procedimento não cabe ao terceiro imparcial formular propostas de solução, cabendo-lhe aproximar as partes para que em conjunto elaborem a solução. A autonomia na mediação se torna expressiva e pungente. Já na conciliação, a expressão da autonomia é menor, pois as partes podem receber uma proposta de solução do conciliador.

O âmbito extrajudicial é perfeitamente capaz e muitas vezes mais produtivo do que a esfera judicial na condução tanto da mediação quanto da conciliação, pois há especificidades técnicas sobre a natureza e a utilização destes mecanismos. Nesse sentido Zapparolli e Krähenbühl ilustram que (2012, p. 116),

A ambiência e presença do julgador/validador, na conciliação ou quem o represente, aflora as tentativas de aliança pelas partes e advogados, contaminando a comunicação, levando a estratificação das narrativas e distanciando a expressão dos reais interesses dos conciliandos.

Por óbvio que aos mediadores e conciliadores cabem deter um conhecimento jurídico mínimo, principalmente para o conciliador. Contudo, este aspecto pode ser resolvido com uma formação e qualificação do profissional, que, aliás, necessitará receber uma qualificação multidisciplinar.

Conforme já visto, a utilização dos mecanismos autocompositivos pode auxiliar na conscientização do indivíduo como pessoa que possui direitos e deveres, pois ao pensar e discutir sobre um conflito causado por atos anteriores, o indivíduo pode refazer suas concepções e reavaliar suas ações ao perceber-se inserido em relações de opressão, ora como opressores, ora como oprimidos. Zapparolli e Krähenbühl (2012, p. 104), referem-se a esta ideia com o vocábulo “recontextualizar” com gerador do “redimensionamento das situações”.

Dessa forma, depreende-se, conforme as ideias concebidas por Freire, que o diálogo e a aproximação das partes que os mecanismos autocompositivos podem proporcionar favorecem a humanização. O indivíduo perceber-se a si e ao outro como seres humanos que detêm os mesmos direitos e deveres.

Considera-se que ambos os mecanismos podem contribuir para a construção da autonomia do indivíduo, entretanto, a mediação pode contribuir de forma efetiva para a superação da heteronomia do indivíduo, como propõe Paulo Freire, (vide 1.3), já que facilita ao indivíduo o exercício de sua autonomia.

A superação da heteronomia do indivíduo, no entendimento da presente pesquisa, converte-se em superar uma condição sócio-política e econômica que ocorre de uma forma manipuladora ou paternalista expressa por meio de ações benevolentes, que, nas palavras de Freire (2014, p. 204), são expressas sob “formas assistencialistas, como instrumento de manipulação que servem à conquista”.

Na mediação, em especial, as partes, ao se confrontarem com suas respectivas verdades, crenças, valores e versões em busca de uma solução do conflito, estarão numa posição ativa e não passiva como meros receptores de benesses do Estado, muitas vezes travestida de uma solução judicial que foi pensada por um terceiro imparcial não envolvido no conflito e aguardada ansiosamente pelas partes envolvidas que nem sequer reavaliaram suas concepções e ações, nem tampouco puderam perceber ou pensar sobre as razões alheias.

Assim, a responsabilidade numa situação de heteronomia é delegada ao terceiro que proferiu a decisão. Por isso Freire (2000, p.121) enfatiza que uma “pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade”.

Dessa forma, depreende-se aqui que os mecanismos autocompositivos, em especial a mediação, podem ser instrumentos pedagógicos apropriados e capazes de colaborar para o exercício da autonomia dos indivíduos. Assim, a pedagogia da autonomia pode compor o rol de ideias para a implementação da conciliação e da mediação no Brasil.

Considera-se se aqui que o indivíduo autônomo pode contribuir para a formação de uma sociedade autônoma, pois se entende que a visão freireana vislumbra a construção da autonomia no indivíduo como condição para a formação de nova sociedade, contrária a todas as formas de opressão, já que o indivíduo pode atuar como agente transformador da realidade, que ao conscientizar-se desta, atua em prol de sua transformação. E, complementa-se que, o indivíduo ao assumir-se numa posição ativa e responsável coloca-se, nas palavras de Amartya Sen, numa posição de “adulto responsável incumbido de seu próprio bem-estar, podendo decidir como usar suas capacidades”(SEN, 2000, p. 326-327).

3.2.4 A emancipação e o empoderamento da sociedade inseridas na conciliação e na