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A liberdade da pessoa física Liberdades de locomoção e circulação

2. O DIREITO FUNDAMENTAL DE LIBERDADE

2.6. A liberdade da pessoa física Liberdades de locomoção e circulação

Do apontado rol das formas da liberdade, interessa-nos a liberdade da pessoa física

e, mais precisamente, a liberdade de locomoção, prevista no art. 5º, XV, da Constituição

Federal (“é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer

pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”).

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Trata-se da liberdade de deslocação física, que abrange, do ponto de vista positivo,

o direito de se dirigir a qualquer lugar e, do ponto de vista negativo, o direito de evitar

qualquer lugar, incluindo-se o de não ser obrigado a permanecer onde não se deseja.

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Compreende, desta feita, o direito de ir, ficar (= permanecer) e vir, o jus manendi,

ambulandi eundi ultro citroque.

179

Em nosso regime constitucional, a liberdade de locomoção, enquanto

pressuposto

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para o pleno exercício das demais liberdades constitucionalmente

177 Para José Afonso da Silva, a liberdade de circulação “consiste na faculdade de deslocar-se de um ponto a

outro através de uma via pública ou afetada ao uso público” e nada mais é do que manifestação especial da liberdade de locomoção. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014, pp. 238-242). Essa denominação, contudo, não é pacífica. Pontes de Miranda, v.g., se referia unicamente à liberdade de circulação, ao analisar dispositivo similar do regime constitucional anterior (art. 153, § 26: em tempo de paz, qualquer pessoa poderá entrar com seus bens no território nacional, nele permanecer ou dele sair com seus bens, respeitados os preceitos da lei). (PONTES DE MIRANDA, Francisco Antônio. Comentários à constituição de 1967, com a emenda n. 1,

de 1969. 2ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 282, tomo V).

178 BODO, Pieroth; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Trad.: Antônio Francisco de Souza e

Antônio Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 197-198.

179

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 327. Para esse autor, trata-se de um direito impropriamente chamado de “liberdade de locomoção”, por também compreender o direito de permanecer. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Antônio.

Comentários à constituição de 1967, com a emenda n. 1, de 1969. 2ª ed. rev. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1971, p. 288, tomo V).

180 Pontes de Miranda, diversamente, entende que, “se falta liberdade de pensamento, todas as outras

liberdades humanas estão sacrificadas, desde os fundamentos”. Para ele, as liberdades se originam da liberdade de pensamento (= liberdade da psique): “se não se pode pensar e julgar com liberdade, que se há de entender por liberdade de ir, ficar e vir, de fazer e não fazer?” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Antônio. Democracia, liberdade, igualdade (os três caminhos). 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979, pp.329-

asseguradas, constitui a regra; a prisão é a exceção.

No campo processual penal, sobrelevam-se, no art. 5º da Constituição Federal, as

seguintes garantias:

a) “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal” (inc. LIV);

b) “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória” (inc. LVII);

c) “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de

transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (inc. LXI);

d) “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade

judiciária” (inc. LXV);

e) “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir

a liberdade provisória, com ou sem fiança” (inc. LXVI).

Da conjugação desses dispositivos, que instituem um regime constitucional de

garantias próprio da liberdade de locomoção, conclui-se que esta constitui a regra; a prisão

cautelar sempre será excepcional e provisória.

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Se não houver flagrante delito, somente se admitirá a prisão por ordem escrita e

fundamentada da autoridade judiciária; quando a lei admitir medida cautelar pessoal

diversa da prisão ou liberdade provisória, com ou sem fiança,

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ninguém será levado à

prisão ou nela mantido, mesmo que tenha sido preso em flagrante.

Ainda para tutela da liberdade de locomoção, a Constituição prevê, no art. 5º,

LXVII, o habeas corpus, remédio

183

destinado a sanar qualquer ilegalidade ou abuso de

330).

181 Mesmo a prisão-pena (sanção imposta pelo Estado, por sentença penal transitada em julgado, pela

violação a um bem jurídico penalmente tutelado) é, em certo sentido, provisória, haja vista que a Constituição Federal veda a imposição de pena de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, “b”). Sobre o conceito de prisão-pena, vide José Frederico Marques. (MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito

Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1997, pp. 38-41, Vol. IV). 182

Sobre mutação constitucional e a nova interpretação do art. 5º, LXVI, da Constituição Federal, vide item 4.1.

183 Remédios constitucionais, de acordo com José Afonso da Silva, são os meios postos à disposição dos

indivíduos para provocar a intervenção das autoridades competentes a fim de sanar, corrigir, ilegalidade ou abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais. Recebem essa denominação em razão de seu caráter específico e de sua função saneadora. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito

poder que a anule ou cerceie, que a atinja ou ameace.

184

Trata-se de uma ação de conhecimento, de caráter mandamental, destinada a

remediar e prevenir, em caráter de urgência, toda e qualquer restrição ilegal ou abusiva da

liberdade de ir, vir e ficar.

185

184 Como o habeas corpus não pode ter efeito negativo, não se admite que sua concessão prejudique a

situação jurídica do paciente. Digno de nota, a esse respeito, recente precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 121.907/AM, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 28/10/14. Transcrevemos, por sua relevância e na parte que interessa, o voto condutor do acórdão: “Dada a sua condição de garantia fundamental (art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal) e sua relevantíssima função - tutela da liberdade de locomoção -, o recurso a essa ação constitucional jamais poderá reverter em prejuízo daquele a quem busca, exatamente, favorecer. A presente impetração foi manejada para reparar flagrante ilegalidade no processo em que o paciente foi condenado. Nesse diapasão, a concessão do ‘writ’, para o fim de anular essa condenação, não pode agravar sua situação jurídica. É mister conjugar a garantia constitucional do ‘habeas corpus’ com outro princípio do processo penal: a vedação da ‘reformatio in pejus’. O Código de Processo Penal, ao disciplinar, no art. 626, a revisão criminal, prevê que o tribunal, julgando-a procedente, poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo, vedando-se, em qualquer hipótese, que seja agravada a pena imposta pela decisão revista. Essa mesma vedação se aplica quando somente o réu houver apelado da sentença condenatória (art. 617, CPP). Mario Chiavario, ao tratar do ‘divieto di

riforma in peggio’ (proibição de reforma em prejuízo), previsto no art. 597, inciso 3, do Código de

Processo Penal Italiano que veda, quando somente o réu houver apelado, a aplicação de pena mais grave, qualitativa ou quantitativamente, bem como a revogação de benefícios -, aduz, em lição pertinente à espécie, que, embora previsto no título da apelação, a jurisprudência italiana considera essa regra a explicitação de um princípio geral, imanente a todo o sistema (CHIAVARIO, Mario. Diritto processuale

penale – profilo istituzionale. 5ª ed. Torino: Utet Giuridica, 2012, p. 641). Ora, esse princípio, aplicável à

apelação e à revisão criminal, também rege o ‘habeas corpus’. A consequência mais óbvia de sua aplicação ao caso concreto é a proibição de ser agravada, em novo julgamento e na eventual hipótese de condenação, a pena anteriormente imposta. Ocorre que há, em acréscimo, uma singular e relevante característica: o paciente foi indultado. Anulada, neste ‘habeas corpus’, sua condenação, não mais subsistiria, em princípio, o indulto que lhe foi concedido, de modo que, na hipótese de vir a ser novamente condenado, poderia o paciente ser compelido a cumprir o restante da pena. Ora, isso resultaria em grave aporia: estar-se-ia a conferir efeito negativo a uma impetração destinada, justamente, a proteger a liberdade de locomoção. ‘Quid juris’? Uma vez que a pena imposta na condenação ora anulada não poderá ser agravada, devem-se, necessariamente, protrair os efeitos jurídicos do indulto, como expressão do favor rei ou do favor libertatis. Ainda que o paciente venha a ser novamente condenado, essa eventual condenação, por força da proibição da reformatio in pejus, também será alcançada pelo indulto já concedido. Em suma, a concessão deste ‘writ’ assegurará ao paciente um novo julgamento: se absolvido, melhorará sua situação jurídica; se condenado, sua condição de indultado permanecerá inalterada”. Acórdão disponível em www.stf.jus.br.

185 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; SCARANCE FERNANDES,

Antônio. Recursos no Processo Penal. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 267 e pp. 272-273. Como observa Gilmar Ferreira Mendes, a liberdade de locomoção, para efeito dessa tutela constitucional, deve ser entendida de forma ampla, “afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa em tese acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir”, tais como instauração de inquérito policial, ato de indiciamento, recebimento de denúncia etc. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, pp 426- 427). Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró aponta a distinção entre o habeas corpus liberatório, em que já há lesão à liberdade de locomoção (v.g., paciente preso), e o habeas corpus preventivo, em que o paciente está ameaçado de sofrer restrição ilegal em sua liberdade de locomoção (v.g., mandado de prisão pendente de cumprimento). Aduz que, como o art. 5º, LXVIII, CF, se refere apenas a “achar ameaçado de sofrer violência ou coação”, não mais se exige a “iminência” da coação, de que trata o art. 647, CPP. “Assim, é cabível o habeas corpus preventivo mesmo no caso em que a ameaça de prisão constitua um evento possível, no longo prazo, ainda que longínquo ou remoto”, inclusive para a arguição de nulidade na fase inicial do processo, quando uma condenação futura a pena privativa de liberdade é ainda incerta. Como argutamente observa Badaró, o habeas corpus se transformou numa amplíssimo “agravo” que, ao invés de tutelar adequadamente a liberdade de locomoção, acaba por prejudicá-la: o grande volume de

3. NORMAS FUNDAMENTAIS REITORAS DA INTERVENÇÃO

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