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2. O DIREITO FUNDAMENTAL DE LIBERDADE

2.3. Restrições

Os direitos fundamentais com estrutura de princípio, dado o seu caráter não-

absoluto, são restringíveis.

Wilson Steinmetz assevera que, se os direitos fossem absolutos ou ilimitados, não

seria possível harmonizá-los, alcançando uma concordância prática,

127

entre eles: o

exercício ilimitado de um direito fundamental por um titular inviabilizaria o exercício de

outro direito fundamental de titularidade diversa. “Por isso, a possibilidade de restrição a

direitos fundamentais é condição para a própria efetividade e concordância prática desses

direitos (só aparentemente isso é um paradoxo). Daí por que direitos fundamentais são

restringíveis”.

128

Para Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, verifica-se uma ingerência, limite,

limitação, restrição, afetação, redução ou delimitação – conceitos por eles tidos como

sinônimos -, por parte do Estado, “sempre que o particular é por este impedido de ter uma

conduta abrangida pelo âmbito de proteção de um direito fundamental”.

129

Nessa seara, duas teorias se antagonizam: a externa e a interna.

130

126 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 94 e 110. Maurício Zanoide de Moraes, didaticamente, anota que “intervenção” é gênero, de que são espécies: i) intervenção legítima ou permitida, denominada “restrição”; e ii) intervenção ilegítima ou não permitida, denominada “violação”. (ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 284).

127

Para Virgílio Afonso da Silva, a concordância prática, tal como a proporcionalidade, exige que, na colisão de direitos fundamentais, busque-se acomodá-los de forma a que todos possam ter uma eficácia ótima, vale dizer, a menor perda de eficácia possível. Ocorre que, enquanto a concordância prática não tem uma estrutura previamente definida para alcançar aquele fim, a regra da proporcionalidade (com suas três sub- regras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) constitui uma forma racional e estruturada de solução de colisões dessa natureza. E, diferentemente da proporcionalidade, a concordância prática não implica sopesamento de bens ou de valores. (SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação

constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 126-127).

128 STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. In SILVA, Virgílio

Afonso da (org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 30.

129

BODO, Pieroth; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Trad.: Antônio Francisco de Souza e Antônio Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119.

130 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 276-285.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 126-140. BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos

fundamentales. Tradução: Carlos Bernal Pulido. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003,pp.

Para a teoria externa, existe o direito em si¸ não restringido (= direito prima facie),

e o que dele resta após uma restrição, o direito restringido (= direito definitivo).

Uma vez que o suporte fático dos direitos fundamentais deve ser o mais amplo

possível, que não existem direitos absolutos e que, em razão de sua tendência expansiva,

são inevitáveis as colisões de direitos fundamentais, a realização de um princípio pode ser

restringida por princípios colidentes. O direito definitivo, portanto, é constituído a partir de

uma exigência, externa a ele, de harmonização com outros direitos. Ele não é definido

internamente e a priori, mas sim no caso concreto, mediante sopesamento ou aplicação da

regra da proporcionalidade.

131

Para a teoria interna, não existem dois objetos (o direito e suas restrições), mas sim

um único objeto: o direito com o seu conteúdo já pré-determinado. Essa teoria substitui o

conceito de restrição pelo de limites imanentes: o direito e seus limites são um todo

indivisível, em que os limites são imanentes ao próprio direito. Em outras palavras, a

definição do conteúdo de um direito fundamental é algo interno a ele, não influenciado por

fatores externos como a colisão com outros direitos.

132

Peter Häberle, adepto da teoria interna, trata os limites imanentes como fronteiras e

afirma que o legislador, de acordo com a essência do direito fundamental, regula esses

limites, que existem “desde o início”. Häberle, portanto, afasta a teoria que parte, ab initio,

de uma liberdade absoluta, ilimitada, a seguir corrigida por restrições que atendam a

exigências ou necessidades externas: os direitos fundamentais são garantidos somente

dentro dos limites a eles imanentes.

133

Como os limites de um determinado direito fundamental são definidos pela própria

norma que o instituiu, não há que se falar, de acordo com a teoria interna, em direitos

prima facie, mas apenas em direitos definitivos, que não se sujeitam a restrição posterior

diante das circunstâncias do caso concreto.

Aliás, pela teoria interna, de acordo com Martin Borowski, sequer se poderia falar

em restrição, entendida como uma diminuição ou redução do direito. “Se o direito, em sua

acepção de direito não limitável, tem seu alcance definido de antemão, sua restrição se

131

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 277. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 140.

132 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 128-138.

133 HÄBERLE, Peter. La garantia del contenido esencial de los derechos fundamentales. Tradução: Joaquín

torna desnecessária e impossível”.

134

Por essa razão, “os direitos definidos a partir do

enfoque da teoria interna têm sempre a estrutura de regras”, ou seja, seguem o raciocínio

“tudo-ou-nada”, e não podem ser objeto de sopesamento.

135

Em suma, a diferença entre limites imanentes (teoria interna) e restrições a direitos

fundamentais decorrentes de colisões (teoria externa) se traduz no binômio

declarar/constituir: “enquanto nos casos de colisões se constituem novas restrições a

direitos fundamentais, quando se trata dos limites imanentes o que a interpretação

constitucional faz é apenas declarar limites previamente existentes”.

136

Ocorre que, como observa Virgílio Afonso da Silva, o grande problema da teoria

dos limites imanentes é “a definição do que é protegido (= dentro dos limites imanentes) e

do que não é protegido”.

137

A assertiva de que os âmbitos de proteção dos diversos direitos fundamentais

devem ser “simplesmente determinados de maneira correta com os meios jurídicos normais

de interpretação, a partir do seu texto, da sua história, da sua gênese e da sua posição

sistemática”

138

em nada contribui para superação da apontada dificuldade de identificação

do objeto da proteção do direito fundamental, diante da impossibilidade de subministrar

critérios minimamente orientadores para delimitar, em abstrato, o que de essencial tem um

direito fundamental.

139

Os princípios, como normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes, não contêm um

mandamento definitivo, mas apenas prima facie (= representam razões que podem ser

afastadas por razões antagônicas). Objeto da restrição, portanto, não são posições

definitivas, mas sim posições prima facie.

134 BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales. Tradução: Carlos Bernal Pulido.

Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003,pp. 68-69.

135 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 129.

136 Idem, op. cit. pp. 132-133. Exemplificando essa diferença, aduz o autor que, para a teoria dos limites

imanentes, “(...) as vedações a sacrifícios humanos ou a andar nu na rua não decorrem de uma restrição às liberdades de religião e de ir e vir, visto que tais liberdades, devido a seus limites imanentes, nem ao menos protegem tais atos. Assim, quando se fala em proibição, não se quer falar em proibição por alguma restrição àquelas liberdades, mas em proibição por mera não-proteção”.

137

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 133.

138 BODO, Pieroth; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Trad.: Antônio Francisco de Souza e

Antônio Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 126. No mesmo sentido, ANDRADE, José Carlos Vieira de.

Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, pp. 216-219. 139 SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia constitucional y derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2009,

Somente nos casos concretos, após sopesamento ou, se for o caso, aplicação da regra da proporcionalidade, é possível definir o que definitivamente vale. A definição do conteúdo definitivo do direito é, portanto, definida a partir de fora, a partir das condições fáticas e jurídicas existentes.140

O conceito de limites imanentes é incompatível com o conceito de princípios como

mandamentos de otimização e, portanto, com a aplicação da regra da proporcionalidade.

Ao assegurar posições prima facie, que podem ser restringidas em determinadas

circunstâncias, os princípios exigem a tarefa de sopesamento. Por outro lado, pela teoria

dos limites imanentes, “se os limites de cada direito são definidos internamente e se não há

possibilidade de restrição constitutiva externa, é evidente que não há qualquer

possibilidade de sopesamento entre direitos fundamentais”.

141

Desta feita, adotada a teoria dos princípios de Alexy, não há que se falar em limites

imanentes (teoria interna), mas sim na possibilidade de restrições a direitos prima facie

garantidos (teoria externa),

142

como corolário do suporte fático amplo dos direitos

fundamentais, o qual implica maior número de colisões. Essas restrições, que apenas

restringem o exercício de um direito, sem influenciar no seu conteúdo, têm a natureza de

regras ou de princípios.

143

Segundo Alexy, uma regra constitui uma restrição se, “com sua vigência, no lugar

de uma liberdade fundamental prima facie ou de um direito fundamental prima facie surge

uma não-liberdade definitiva ou um não direito-definitivo de igual conteúdo”.

144

As regras de natureza constitucional ou infraconstitucional, ao proibirem uma

conduta permitida prima facie por algum direito fundamental ou autorizarem uma ação

estatal cujo efeito é a restrição de uma proteção prima facie garantida, constituem o

140 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p.140. O autor observa que a expressão “caso concreto” tem dois significados distintos: i) decisão de um caso específico pelo Judiciário e ii) decisão do legislador acerca de uma colisão de direitos fundamentais. “Uma tal decisão legislativa, se, por um lado, é mais abstrata que uma decisão judicial, não deixa de ter também sua dimensão concreta, já que o legislador não se preocupa, nesses casos, com a importância geral e abstrata de dois direitos fundamentais, mas sua importância relativa, em uma situação hipotética. (...)”. A seu ver, o ‘concreto’, aqui, não é um caso específico que acontece na realidade, mas a situação hipotética, descrita e ‘resolvida’ pelo legislador em um certo sentido, a favor de um direito fundamental e em detrimento de outro, o que pressupõe uma decisão acerca de um direito e de suas restrições (cf. nota de rodapé n. 64).

141

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 164-165 e 180-181.

142 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 276-280.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 138-140.

143 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 281-286. 144 Idem, op.cit, pp. 283. O autor exemplifica com o dever de o motociclista usar capacete: enquanto ele não

existe, o titular tem, em razão do princípio da liberdade geral de ação, uma liberdade fundamental prima

facie de usá-lo ou não. Instituído legalmente o dever, o titular passa a estar numa posição de não-

resultado de um sopesamento, entre dois ou mais princípios, realizado pelo legislador.

145

Assim, em razão do princípio da liberdade, o imputado

146

tem, prima facie, uma

liberdade ampla de locomoção.

145 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 141-142.

146 Há uma relevante questão terminológica a esclarecer. Na fase da investigação preliminar, há suspeito,

investigado ou indiciado, de acordo com o menor ou maior grau de possibilidade (suspeito, investigado) ou de probabilidade (indiciado) de autoria. Acusado, por sua vez, é o sujeito passivo da ação penal, a pessoa contra quem se deduz a pretensão acusatória (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo

penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2012, p. 200. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal.

9ª ed. rev. e atual. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 341-342 e p. 732). Desta feita, somente é possível falar-se em acusado com o oferecimento da denúncia ou queixa, quando se formaliza uma imputação contra o denunciado ou querelado (TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 185). Nesse sentido, antes mesmo do recebimento da denúncia ou queixa, já há acusado ou réu. O Código de Processo Penal italiano, ao disciplinar a fase de investigação preliminar, se refere ao investigado, nos arts. 61 e 415-bis, como “persona sottoposta alle indagini preliminari” (“pessoa submetida à investigação preliminar”) ou “indagato” (“inquirido”), substantivo de uso corrente na praxe judiciária italiana, mas “pouco elegante”, nas palavras de Paolo Tonini. (TONINI, Paolo.

Manuale di procedura penale. 14ª ed. Milão: Giuffrè Editore, 2013, p. 130). Vide, ainda, Mario Chiavario

(CHIAVARIO, Mario. Diritto processuale penale – profilo istituzionale. 5ª ed. Torino: Utet Giuridica, 2012, pp. 180-182). Por sua vez, imputado (“imputato”) é a pessoa a quem o Ministério Público, no exercício da ação penal, atribui (= imputa) o delito, nos termos dos arts. 60 e 405 do Código de Processo Penal italiano. (TONINI, Paolo. Manuale di procedura penale. 14ª ed. Milão: Giuffrè Editore, 2013,p. 131); VOENA, Giovanni Paolo. Compendio di procedura penale. In CONSO, Giovanni; GREVI, Vittorio; BAGIS, Marta (orgs).______. 6ª ed. Pádua: CEDAM, 2012, pp. 97-99). De acordo com Mario Chiavario, o termo “acusado”, embora não fosse usual “na tradição processual-penalística italiana”, veio a ser incorporado pela Constituição italiana no art. 111, inc. 3, que trata das garantias processuais da pessoa acusada (“accusata”) de um crime. Referido autor observa ainda que, na tradicional terminologia legislativa italiana, é central o emprego da expressão “imputato”, que assume essa condição após o exercício da ação penal e a correlata formulação da imputação. (CHIAVARIO, Mario. Diritto processuale

penale – profilo istituzionale. 5ª ed. Torino: Utet Giuridica, 2012, pp. 175-178). Feito o paralelo com a

legislação italiana, resta verificar se existe, no processo penal brasileiro, um termo mais abrangente, que possa compreender todas as qualificações passíveis de emprego ao longo da persecução penal (suspeito, investigado, indiciado, denunciado, querelado, acusado, réu). A expressão “acusados em geral”, embora adotada pela Constituição Federal no art. 5º, LV, não parece a mais adequada, porque a qualificação “acusado” traz ínsita a ideia de ação penal já exercida. José Frederico Marques observa que "muita confusão existe a respeito do nomen juris ou designação que se deva dar a quem é sujeito de uma acusação criminal". Cita doutrina no sentido de que, em face do sistema misto do Código de Instrução Criminal francês, a denominação de imputado caberia àquele que é sujeito passivo do procedimento instrutório, ou judicium accusationis, reservando-se a designação de acusado para a pessoa submetida ao juízo pleno da causa. Registra ainda, citando doutrina chilena, a expressão inculpado, que designaria o indivíduo suspeito, contra o qual surgem os primeiros indícios de autoria. Para Frederico Marques, no processo penal condenatório, é a imputação que delimita o objeto da persecução criminal. "Desde a

notitia criminis a imputação surge e aparece, embora configurando-se imprecisa e incipiente. Na

acusação, a causa petendi é a própria imputação. Finalmente, a sentença condenatória nada mais é que a imputação certa e provada como prius e fundamento das sanções jurídico-penais. Como imputar é atribuir a alguém um fato delituoso, tanto a notícia do crime como a acusação contêm uma qualificação provisória desses fatos que descreve, consistente no enquadramento desses fatos na descrição típica contida na norma penal incriminadora (...) Na imputação, há os seguintes elementos: a) descrição de fatos; b) qualificação jurídico-penal desses fatos; c) atribuição dos fatos descritos a alguém" (...) Na notícia do crime há uma imputação possível, que se transforma em provável quando da acusação, e que se torna

certa, ao ser proferida a sentença condenatória" (MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, p. 62-63, pp. 223-225, Vol. II). Nessa esteira, pensamos

que, embora destoe do rigor do processo penal italiano, a expressão “imputado” melhor se conforma a qualificar o sujeito passivo da persecução penal, ao longo de todo o seu arco (investigação preliminar e ação penal).

As regras da prisão cautelar

147

constituem uma restrição a esse direito fundamental,

porque no seu lugar surge uma não-liberdade definitiva de igual conteúdo.

Princípios, por sua vez, também podem restringir materialmente as possibilidades

jurídicas de princípios colidentes.

148

Segundo Virgílio Afonso da Silva, uma restrição a um direito fundamental,

normalmente, é expressa por meio de uma regra infraconstitucional, que é produto de um

sopesamento realizado pelo próprio legislador, dentro de sua liberdade de conformação.

Todavia, quando uma colisão entre princípios ainda não foi objeto de prévia ponderação,

em abstrato, pelo legislador, caberá ao juiz, mediante sopesamento, decidir qual deles

prevalecerá. Haverá, então, aplicação direta de princípios constitucionais pelo juiz ao caso

concreto, e não da regra da proporcionalidade, por não existir nenhuma medida concreta a

ser testada. Nesse caso, a restrição, por meio de decisão judicial, será baseada diretamente

em um princípio, e não em uma regra da legislação infraconstitucional.

149

As colisões entre princípios, portanto, são resolvidas mediante sopesamento, que

consiste na definição de uma relação de precedências condicionadas: presentes

determinadas condições, racionalmente fundamentadas, um dado princípio prevalecerá

147 Há uma importante questão terminológica a enfrentar: prisão cautelar ou prisão provisória? Qualquer

prisão, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é provisória. Se o título que legitima a prisão é provisório, porque o processo não se encerrou, a prisão é provisória. Ao revés, se o título da prisão é definitivo, por haver transitado em julgado a condenação, a prisão é definitiva (prisão-pena). Mas não há sinonímia entre prisão provisória e prisão cautelar. A prisão cautelar é um instrumento a serviço de um instrumento (processo). Sua finalidade é resguardar os meios (cautela instrumental) ou os fins (cautela final) do processo. Tecnicamente, somente se pode falar em prisão cautelar quando ditada por razões de ordem processual, seja por necessidade da investigação ou da instrução, seja para garantir a futura aplicação da lei penal. A prisão preventiva para garantia da ordem pública não constitui cautela instrumental nem cautela final, uma vez que ditada por razões de ordem material, como meio de defesa social. Assim, a prisão preventiva para garantia da ordem pública é uma prisão provisória, mas não cautelar. A prisão em flagrante também é provisória, mas não tem natureza cautelar. Conclui-se que, indubitavelmente, a expressão “prisão provisória” é mais abrangente do que “prisão cautelar”. De todo modo, o Código de Processo Penal, independentemente da situação de perigo que vise resguardar, tipificou a prisão preventiva como uma medida cautelar (art. 282). Por essa razão, usaremos a expressão “prisão cautelar” para nos referirmos à prisão temporária e à prisão preventiva. Quanto à expressão “prisão processual”, valem as críticas de José Frederico Marques de que prisão processual é toda prisão decretada pelo juiz no exercício da jurisdição civil ou penal, razão por que é desprovida de maior rigor conceitual. (MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1997, p. 40, Vol. IV).

148

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 284.

149 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais – conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. 2ª

tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 142-143 e 178-179. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos

Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 284. Para Humberto Ávila, a ponderação de bens

“exige a atribuição de uma dimensão de importância a valores que se imbricam, sem que contenha qualquer determinação quanto ao modo como deve ser feita essa ponderação”. Já a proporcionalidade, aplicável sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade, “contém exigências precisas em relação à estrutura de raciocínio a ser empregada no ato de aplicação”. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12ª ed. ampl. São Paulo: Malheiros, 2011, p.174-177).

sobre outro. Para o estabelecimento dessa relação de precedências condicionadas, há uma

regra fundamental, denominada lei do sopesamento: “quanto maior for o grau de não-

satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da

satisfação do outro”.

150

Assim, a medida permitida de não-satisfação ou de afetação de um princípio

depende do grau de importância da satisfação do outro princípio, a permitir a conclusão de

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