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A liberdade efetiva na comunidade ética: o Estado

4. O DIREITO DE TER E SER: O CONCEITO DE DIREITO

4.3. A liberdade efetiva na comunidade ética: o Estado

A exposição da Filosofia do Direito, enquanto exposição do itinerário da vontade que objetiva ser livre efetivamente, alcança no Estado a efetivação plena da liberdade. Nos parágrafos que iniciam210 a exposição sobre o Estado, Hegel intensifica que o mesmo é realidade efetiva da ideia da liberdade. Sua exposição distancia-se de uma descrição das origens históricas de Estado, em virtude de uma investigação focada na realização da Ideia do direito, por conseguinte a ideia ética.

O Estado é a realidade efetiva da Ideia ética, - o espírito ético enquanto vontade substancial, manifesta, clara a si mesma, que se pensa e se sabe e realiza plenamente o que ele sabe e na medida em que o sabe. No costume, o Estado tem a sua existência imediata e na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediada, assim como essa autoconsciência do singular, através da [sua] disposição de ânimo, tem no Estado, como sua essência, fim e produto da sua atividade, a sua liberdade substancial211.

A vontade autoconsciente de si supera as contingências do direito abstrato, a vontade imediata, e da moralidade, a vontade subjetiva, e torna-se vontade universal e substancial na eticidade. Porém, a realidade da ideia ética só se efetiva verdadeiramente no Estado, enquanto espírito objetivo pleno. A realidade do Estado concretiza plenamente as particularidades como substância livre, na medida em que a vontade particular se ergue ao universal numa relação de complementaridade entre ambos, pois o particular só realiza-se efetivamente quando reconhece o universal como seu fim.

A vontade particular, além de possuir interesses particulares, também possui interesses universais que determinam a organicidade do Estado. Por isso, “o interesse particular não deve, verdadeiramente, ser posto de lado, ou, até, reprimido, mas sim, posto em concordância com o universal, graças ao que ambos ele e o universal, são preservados212”.

No organismo ético, a vontade universal substancial quer e sabe a si mesmo e por isso se realiza plenamente. A racionalidade intrínseca do Estado tem como fim a unidade substancial, a saber, a conciliação entre o particular e o universal. Nesta conciliação, a liberdade tem no Estado seu mais alto valor, ou seja, a vontade atinge sua

210 FD, §§257 e 258. 211 FD, §257. 212 FD, §261.

82 autoconsciência, que no Estado é universal. Hegel é claro ao afirmar que: “o Estado como realidade efetiva da vontade substancial, realidade efetiva que ele tem na autoconsciência particular erguida à universalidade do Estado, é o racional em si e por si213”.

O Estado expressa a verdadeira racionalidade, pois na família aparece no sentimento e no amor; na sociedade civil-burguesa, no antagonismo do mundo do trabalho, sendo assim, somente no Estado a razão torna-se autoconsciente214. A consciência atingida revela que a liberdade chega ao seu supremo direito, que o Estado torna-se livre e tem direito soberano sobre seus indivíduos.

Desta maneira, os indivíduos têm dever de ser membro do Estado, pois nele adquire objetividade, verdade e eticidade. Portanto, o fim do Estado é defender a totalidade da vida, segundo a efetivação da liberdade jurídica, moral e ética. Na comunidade ética, por conseguinte, a realização da vontade na vida universal revela o espaço público-político de cidadania, na qual se efetiva a liberdade.

O Estado é a realidade efetiva da liberdade concreta; mas a liberdade concreta consiste em que a singularidade pessoal e seus interesses particulares tanto tenham o seu desenvolvimento completo e o reconhecimento do seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), quanto, em parte passem por si mesmo ao interesse universal, em parte reconheçam-no, com saber e vontade, como seu espírito substancial, e sejam ativos a favor do universal com seu fim-último, e isso de tal maneira que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam apenas para estes como pessoas privadas, sem querê-lo, simultaneamente, no universal e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz conscientes desse fim215.

213 FD,§258.

214 A racionalidade se desvela em toda sua consistência, pela primeira vez, no Estado, uma vez que, na

família, ela está embotada pelo sentimento e a paixão; na Sociedade Civil, o seu trabalho é universal; permanece assim uma pessoa privada, sendo a razão formal e vazia e, portanto é só no Estado que a razão se torna autoconsciente. Ele quer a realidade da liberdade, uma norma válida para todos. Por isso, o Estado em-si e para-si é todo ético, a efetuação da liberdade, o espírito realizado no mundo (SOARES, Marly Carvalho. Sociedade Civil e sociedade política em Hegel. Fortaleza: EDUECE, 2006, p.163).

83 No Estado fala-se do cidadão216, este que participa ativamente do universal, da vida pública no intuito de realizar-se efetivamente, é consciente de si e de que o universal é o seu verdadeiro fim, assim, enquanto cidadão reconhece-se como ser de direitos na mesma proporção em que tem deveres. No Estado, “os indivíduos têm deveres para com ele na medida em que, ao mesmo tempo, têm direitos em face dele217”.

O cumprimento dos deveres significa que o cidadão tem consciência de que seus direitos estão assegurados, bem como a sua realização. O objetivo do Estado, portanto se distancia da exclusiva proteção a propriedade, como se configurava na sociedade civil-burguesa. Cabe então não confundir a meta da sociedade civil-burguesa com o objetivo do Estado218. Müller menciona: “Ele (o Estado) emerge e “aparece como resultado” da própria dinâmica social antagônica e da sua negatividade, que conduz ao traspassamento da sociedade civil-burguesa em direção a ele219”.

O Estado visa à liberdade universal e a sociedade civil-burguesa a liberdade particular, porém a verdadeira liberdade não parte de uma individualidade220, visto que

216

Hegel “valoriza o cidadão como o verdadeiro ator sociopolítico que compreende e deseja realizar o universal, entendido como liberdade coletiva” (SOUSA, Roberta Bandeira de. O itinerário da liberdade na Ciência filosófica do direito. Dissertação (Mestrado) Mestrado Acadêmico em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará. 2009, p.127).

217 FD, §261.

218 Enquanto a sociedade civil tem por meta a proteção da pessoa privada e a segurança da propriedade, o

Estado tem por finalidade algo maior. Este último pretende realizar o cidadão e não o burguês. Exemplificando melhor, a sociedade civil-burguesa busca efetivar a liberdade do burguês, homem privado que se realiza em ter resguardado pela lei seus bens privados. O Estado, inversamente, busca efetivar a liberdade do cidadão por sua condição privada, particular, mas por sua dimensão global. Por ter o Estado como fim imanente a si o universal, é na efetivação da liberdade coletiva que ele encontra sua própria efetivação, pois realizar os direitos de todos os cidadãos, que têm como mais elevado dever ser membro do Estado, é símbolo da efetivação da liberdade coletiva (SOUSA, Roberta Bandeira de. O itinerário da liberdade na Ciência filosófica do direito. Dissertação (Mestrado) Mestrado Acadêmico em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará, 2009, p.127).

219

HEGEL. Linhas fundamentais da filosofia do direito ou Direito natural e ciência do Estado em Compêndio (Introdução). Tr.: Muller, Marcos Lutz. 2 ed. São Paulo: IFCH/ UNICAMP, 2005. Apresentação, p.13.

220 O Estado, enquanto totalidade ética, inclui as liberdades individuais, na medida em que estão

84 está envolvida de sentimentos, desejos e arbitrariedades. Somente a razão permite a autoconsciência compreender o seu fim, isto é, que no Estado a razão se efetiva, bem como a liberdade.

Pela autoconsciência atingida, o cidadão compreende que sua participação no Estado é necessária para alcançar a plenitude de sua vida. Assim, não é uma condição de querer ou não querer ser membro do Estado, pois somente enquanto membro do Estado se é livre verdadeiramente.

O cidadão consciente de si sabe e quer a liberdade, de forma que seu “agir é determinado por leis e princípios pensados universalmente221”. No Estado o agir não entra em conflito com os interesses particulares, visto que o processo de efetivação da liberdade suprassumiu as contingências e alcançou o universal222.

A complementaridade do particular com o universal justifica-se pelo limite do indivíduo ser guiado exclusivamente pelos interesses particulares, visto que permanece na abstração, no formalismo e nas contradições provenientes dos momentos anteriores. No Estado, os interesses particulares estão em conformidade com o fim universal, e suas ações estão voltadas para ele, isso, portanto é a ideia se efetivando na eticidade, exatamente por conciliar o universal e o particular, ou seja, o social e o individual.

Portanto, a substancialidade do Estado concebida como organismo ético está fundamentada na identidade entre universal e particular. Isso expõe que os membros não estão separados da totalidade. Desde modo, família e sociedade civil-burguesa tem deveres para com o Estado, na mesma proporção que tem direitos dados por ele. A vida do Estado diz exatamente que as partes sejam atividades que engendram e conservam o

da autoconsciência” que se realiza de forma autônoma. Por isso, o ponto de partida, no que diz respeito à liberdade não pode ser a individualidade, mas o que Hegel chama “essência da autoconsciência”, contraposta à “autoconsciência da individualidade”, e da qual o indivíduo é apenas momento (WEBER, Thadeu. Liberdade, Estado e História. Ed. Vozes, p.136).

221 SOARES, Marly Carvalho. Sociedade Civil e sociedade política em Hegel. Fortaleza: EDUECE,

2006, p. 164.

85 Todo, portanto, família e sociedade civil-burguesa são partes do Estado e a ele o tem como fim imanente.

Assim, “o indivíduo tem de encontrar de alguma maneira no cumprimento do seu dever, simultaneamente, o seu próprio interesse, a sua satisfação e o seu proveito, e da sua situação no Estado tem de lhe resultar um direito graças ao qual a coisa pública torna-se a sua própria coisa particular223”.

O Estado, por ser o verdadeiro universal, concilia interesse particular da família e da sociedade civil-burguesa, ou seja, estas instituições apresentam ao Estado a particularidade e a universalidade dos indivíduos, a fim que no organismo estatal sejam mediadas tais questões. Por meio destas instituições é que os indivíduos se elevam ao Estado, e o tem como fim imanente224:

Essas instituições constituem a constituição, isto é, a racionalidade desenvolvida e efetivamente realizada no âmbito do particular, e elas são por isso, a base sólida do Estado, bem como da confiança do indivíduo no Estado e da sua disposição de ânimo a favor dele, e os pilares da liberdade pública, já que nelas a liberdade particular está realizada e é racional, com o que nelas mesmas existe em si a união da liberdade e da necessidade225.

A confiança no Estado é impressa nos indivíduos através das instituições (família e sociedade civil-burguesa), pois elas fundam o direito interno e realizam o universal verdadeiramente. O particular, por seu próprio interesse, cumpre seus deveres para com o Estado, exatamente pela consciência de que o mesmo garantirá seus direitos. Portanto, só na comunhão entre ambos é que se realiza e tem sua particularidade preservada, isso implica que a divergência entre direitos e deveres eliminaria a realização plena da liberdade.

Deste modo, certos de sua realização, os indivíduos [membros] são patriotas, isto é, o seu patriotismo se relaciona com a racionalidade efetiva das

223 FD, §261.

224 Mas, para que a liberdade se concretize, é necessária uma relação dialética entre indivíduos e Estado,

isto é, é necessário que o Estado reconheça os direitos dos indivíduos de levar uma vida privada (família) e de exercer uma profissão livremente escolhida (Sociedade civil), Mas, por outro lado, é necessário que o indivíduo reconheça o Estado como seu fim imanente (SOARES, Marly Carvalho. Sociedade Civil e sociedade política em Hegel. Fortaleza: EDUECE, 2006, p.167).

86 instituições que atuam no processo de autoconsciência dos indivíduos, por meio da confiança, ou seja, no “discernimento cultivado”, no “hábito” de que o interesse particular deve comungar com o universal, e que só por esse viés o indivíduo é livre226.

A confiança depositada no Estado justifica-se, segundo Hegel, pelo “sentimento fundamental da ordem que todos partilham227”. O Estado é um organismo no qual as diferenças existem e se efetivam. Para tanto, a organização das instituições estatais tem em sua articulação interior própria, além de distintos poderes que garantem a manutenção do Estado. Os poderes efetivam necessariamente o universal, segundo a constituição política, e por ela se mantém.

Esse organismo é o desenvolvimento da Ideia em direção as suas diferenças e à efetividade objetiva dessas diferenças. Esses diferentes lados são, assim, os diversos poderes com as suas tarefas e atividades, através dos quais, por serem eles determinados pela natureza do conceito, o universal constantemente se produz de maneira necessária e, por ser igualmente pressuposto à sua produção de maneira necessária, se mantém; esse organismo é a constituição política228.

Eis que o Estado tem sua realidade efetiva, necessariamente pelo engedramento da diferenciação conceitual que existe no interior de si e, por conseguinte, realizam determinações “real-efetivas”, a saber, os poderes, segundo os quais o espírito “se sabe e quer enquanto atravessou plenamente a forma da cultura229”. A realização distinta de cada função e atividade dos poderes mantém a organicidade do Estado, bem como estabelece um relação direta e dependente da constituição, pois, se os poderes se dirimem, ou seja, se os poderes assumem-se como livres um dos outros, rompem com a unidade substancial do Estado.

A substancialidade do Estado diz propriamente o espírito que se quer e sabe conscientemente como universal, por isso segundo Hegel:

226 O patriotismo é uma expressão desta convicção (Gesinnung) política que repousa sobre uma certeza

(Gewissheit) verdadeira (§268), concretizando a certeza moral pela atualização da pessoa privada na pessoa substancial (ROSENFIELD, Denis L. Política e liberdade em Hegel. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.228).

227 FD, adendo,§268. 228 FD, §269. 229 FD, §270.

87 O Estado sabe, portanto, o que ele quer e o sabe na sua universalidade, como algo pensado; ele atua e age, por essa razão, segundo fins conscientes, princípios sabidos e segundo leis, que são tais não somente em si, mas também para a consciência; e na medida em que suas ações referem a circunstâncias e situações existentes, ele atua e age igualmente segundo o conhecimento determinado das mesmas230.

A atuação do Estado, segundo o querer e o saber fundamentados na constituição política, representa a organicidade dele no interior de sua vida, bem como garante ao Estado relacionar-se com outros Estados, enquanto individualidade excludente que, “segundo esta determinação, põe suas diferenças subsistentes no interior de si mesmo na idealidade que lhes é própria231”.

Com isso, a constituição atua tanto na vida interna como na vida exterior do Estado. Em outras palavras, atua no que se refere aos limites territoriais do Estado como também faz valer sua soberania frente ao limites de outros Estados. Assim, “o Estado interior como tal é o poder civil, a direção para fora, é o poder militar que, no Estado, porém, é um lado determinado nele mesmo232”. Os poderes, embora diferentes, relacionam-se em entre si e constituem a unidade substancial da realização da liberdade do Estado.

A Constituição interna para si é racional por configurar-se pela relação e integração dos diferentes poderes que, funcionalmente distintos, participam do todo segundo as atribuições determinadas pelo Estado constitucional. Para melhor esclarecer, Hegel diz:

A constituição é racional na medida em que o Estado diferencia e determina dentro de si a sua atuação segundo a natureza do conceito, e isso de modo que cada um desses poderes seja, ele próprio, em si os outros momentos a totalidade, pelo fato de ele conter e ter atuantes dentro de si outros momentos e de eles por exprimirem a diferença do conceito, absolutamente permaneceram na sua idealidade e constituírem somente um todo individual233.

Cada poder é uma determinação livre que estabelece com os outros uma relação de interdependência. Ao produzir a si mesmo produz também o outro, e nisso constitui sua autonomia. A determinação particular de cada poder visa à manutenção e à

230 FD, §270. 231 FD, §271.

232 FD, adendo, §271. 233 FD, §272.

88 organização da vida ética de um povo, visto que a constituição política exprime racionalmente a realidade que se apresenta. Portanto, constituem os poderes uma totalidade orgânica da qual a ação de um está contida na ação do outro.

Deste modo, a interpretação de que a divisão dos poderes dá, a cada um, uma independência que limita a ação do outro não coincide com o pensamento hegeliano, visto que, ao realizar esta divisão, Hegel encontra o “elemento de determinação racional, a diferenciação, a razão da liberdade234”.

Portanto, os diferentes poderes não são opostos ao Estado, do contrário são a sua totalidade. E, embora exista uma hierarquia, não aparecem como egoísmos e individualidades, mas sim como uma estrutura orgânica do Estado. Eis que a constituição na organização dos três poderes expõe o alicerce do Estado, enquanto assumem determinações específicas, por ela mesma fundadas.

As diferenças substanciais da divisão dos poderes constituem-se em: a) poder legislativo que determina e estabelece o universal; b) poder governamental que subsume as esferas particulares e os casos particulares sob o universal; e c) poder do príncipe que representa o “eu quero” do Estado, enquanto subjetividade última da decisão da vontade, personificada no monarca que representa a unidade dos momentos anteriores como unidade individual, ou seja, onde “estão compreendidos numa universalidade individual que, portanto, é o ápice e o começo do todo, da monarquia constitucional235”.

Hegel vê na monarquia constitucional uma forma de efetivar o desenvolvimento da vida orgânica do Estado. A racionalidade deste desenvolvimento efetiva o processo de consciência da liberdade na História, pois “a história dessa verdadeira configuração da vida ética é o que está em causa na história universal do mundo236”.

234 SOARES, Marly Carvalho. Sociedade Civil e sociedade política em Hegel. Fortaleza: EDUECE,

2006, p.194.

235 FD, §273. 236 FD, §273.

89 Assim, pode-se afirmar que a organização de uma constituição estatal, enquanto monarquia constitucional, segundo Rosenfield, é a de “mediação” como elemento que “assegura a participação do cidadão nos assuntos comuns a todos e a forma constitucional mais apropriada para o desenvolvimento político do indivíduo237”.

Eis que, para Hegel, a investigação da melhor organização política é desinteressada, visto que a antiga divisão das formas antigas, a monarquia, a aristocracia e a democracia, embora tenha a mesma unidade substancial, ainda não entrou no processo de diferenciação interna, por sua vez não alcançou a racionalidade concreta de entender o direito da particularidade subjetiva, a fim de que seja efetivado. Sendo assim, Hegel se preocupa em expor a forma de governo em que sua constituição política suporte dentro de si a realização da liberdade da subjetividade em um processo racional.

Hegel defende, portanto, que a constituição de um povo seja a expressão do espírito do mesmo, visto que nela está o processo de liberdade a qual um determinado povo atingiu em seu desenvolvimento. Na constituição política de um povo, devem ser identificadas sua cultura e sua história, o que quer dizer que a constituição é resultado de um longo processo de formação da autoconsciência de um povo, daí que se justifica a diversidade de constituições, pois cada povo tem sua cultura e costumes historicamente existentes.

Deste modo, a constituição de um povo equivale à autoconsciência dos particulares e, nesse processo, alcançam sua formação. Diante disto é inviável que a um povo seja introduzida uma constituição exterior, pois, segundo Hegel, “cada povo tem por isso, a constituição que lhe é adequada e que lhe convém238”.

Não cabe a um determinado povo “imitar” a constituição de outro, pois uma constituição que vem de fora não tem sentido algum para o povo e não realiza a formação dele. O povo tem que ter por sua constituição o sentimento do seu direito e da sua condição, pois, ao contrário, ela pode muito bem existir exteriormente, mas não tem

237 ROSENFIELD, Denis L. Política e liberdade em Hegel. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.235. 238 FD, §274.

90 significação nenhuma e valor nenhum239. Logo, a constituição “não é produto de algumas pessoas, mas resultado de séculos de formação da “consciência do racional240”;

Sendo assim, Hegel indaga sobre “quem deve fazer a constituição241”. Obviamente, esta questão supõe uma ausência de constituição e que, pelo agrupamento atomístico de indivíduos, ela se fez. Disso compreende também que os indivíduos não participavam de uma vida pública, ou seja, de uma vida ética. O fazer da constituição, segundo Hegel, pode ser assim mencionado quando se refere a modificações realizadas na constituição existente. Na leitura de Thadeu Weber, na constituição, “as possibilidades de mudança se reduzem a adaptações, que são consideradas contingentes e que, portanto, não representam uma alteração substancial242”.

Para Hegel, portanto, é “essencial que a constituição, embora tendo surgido no tempo, não seja encarada como algo feito, pois ela é, contrário, o que é absolutamente em si e por si, o qual é por isso de se considerar como o divino e que perdura e como acima da esfera daquilo que é feito243”. Com isso, vê-se que a constituição cresce organicamente e como tal existe. Sem dúvidas, ela indica os

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