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4. A LUTA CONTRA A TUBERCULOSE EM PERNAMBUCO

4.1 A LIGA PERNAMBUCANA CONTRA A TUBERCULOSE E OS PRIMEIROS DISPENSÁRIOS

Em fins do século XIX, “a tuberculose matava mais gente no Recife do que qualquer outra moléstia” (A LUTA..., 1931, p. 138). De acordo com Freitas (1936, p.93):

[...] do anno de 1852 até o de 1935, ao passo que, a varíola, o cholera morbus, o paludismo, a peste negra, a febre amarella, o sarampo, a febre typhoide, a grippe, a lepra, a coqueluche, a dysenteria e o croup, todos estes males reunidos fizeram, na cidade do Recife, 56.000 victimas, a tuberculose, sozinha, matou cerca de 72.000 pessôas! (FREITAS, 1936, p. 93)

Entretanto, apesar desta grande incidência de óbitos e casos abertos, a capital não contava com nenhum tipo de organização pública ou particular de combate à doença, nem existiam equipamentos hospitalares específicos para isolamento e assistência dos tuberculosos, que eram atendidos em enfermarias gerais nas dependências do Hospital Pedro II.

Foi somente no início do século XX37, que as primeiras providências no sentido de reverter esta situação começaram a ser articuladas, através da figura do Dr. Octávio de Freitas38. Na verdade, desde 1894, o médico começara a especular a mortalidade por tuberculose, nos arquivos do Cemitério Público de Santo Amaro, mas foi somente em 1900, que as suas primeiras ideias foram lançadas:

Compreendi que não podia adiar por mais tempo a execução do meu projeto e fiz publicar em junho de 1900 um folheto sob o título – A Tuberculose no Recife, onde por meio de dados estatísticos, eu tornava patente a grande mortalidade da tuberculose entre nós, mostrando, por meio de mapas gráficos como ela ocupava o primeiro lugar entre as causas de morte, produzindo, por si só, quase a metade da totalidade dos óbitos. Foi esta a primeira semente que eu lançava no seio do nosso público, procurando interessá-lo na momentosa questão e, deste modo, colher mais tarde os frutos deste ensinamento. (FREITAS, 1946, p. 107)

A publicação gerou certo interesse da classe médica, que a convite de Octávio de Freitas, se reuniu, juntamente com pessoas de outras classes sociais, no dia 19 de julho de 1900, em uma das salas da Inspetoria Geral de Higiene do Estado, e fundaram a Liga Pernambucana Contra a Tuberculose. “Data daí, pois, o início do primeiro movimento antituberculoso que se preparava no Estado” (CALDAS, 1958, p. 51), contemporâneo às realizações para o mesmo fim organizadas no âmbito nacional, vistas no capítulo anterior.

Os fins da instituição foram expostos no artigo primeiro de seus Estatutos:

a) Estudar a tuberculose em todas as suas formas, as suas causas mais frequentes entre nós, os meios de removê-las;

b) Estudar sua profilaxia, indicando os meios mais simples e eficazes de praticá- los ao alcance de todos, como sejam: - os melhoramentos dos meios de vida e de trabalho dos operários, combater o alcoolismo, a sífilis e as demais causas diretas e indiretas de produção da tuberculose;

      

37 Diniz (1998) aponta que, no século XIX, o Dr. Joaquim D’Aquino Fonseca certamente foi a primeira pessoa a notar o avanço avassalador no mal em Pernambuco: “[...] esta affecção tem-se tornado, depois de alguns annos, d’uma frequência espantosa nesta cidade; e, cousa notavel, essa frequência não está em proporção com o augmento da população; e, cousa ainda mais notavel, sua marcha cada vez se torna mais rápida; de sorte que ninguém ha, que não se assuste por uma e outra razão [...]” (FONSECA, 1849 apud DINIZ, 1998, p. 40). Entretanto, o médico não encontrou ambiente propício às suas ideias.

       

38 Otávio de Freitas foi considerado uma das maiores figuras médicas do Recife e um dos pioneiros da luta contra a tuberculose no Brasil. Seu nome figura ao lado de importantes militantes no contexto nacional: Clemente Ferreira, Emílio Ribas, Vítor Godinho e Guilherme Alvaro, em São Paulo; Azevedo Lima, Hilário de Gouveia, Carlos Seidl, Ismael Rocha, Cipriano de Freitas e Guedes de Melo, no Rio de Janeiro; Eduardo de Menezes, em Minas Gerais; e Ramiro de Azevedo, na Bahia (CALDAS, 1958).

 

ARQUITETURA ANTITUBERCULOSE EM PERNAMBUCO:

Um estudo analítico dos dispensários de tuberculose (1950-1960) como instrumentos de profilaxia da peste branca 110

c) Divulgar por meio de conferências populares, publicações em folhetos ou pela imprensa diária ou periódico as instruções profiláticas que deve ser por todos cumpridas em benefício próprio, da família e da sociedade;

d) Solicitar dos poderes públicos a execução de medidas gerais contra a propagação e desenvolvimento da enfermidade;

e) Promover quanto antes a fundação de sanatórios populares para tuberculosos em localidades convenientemente escolhidas, devendo para isto solicitar dos poderes públicos do Estado e dos Municípios auxílios pecuniários para sua fundação e sustento;

f) Promover subscrições públicas em todo o Estado, quermesses, espetáculos diversos, etc.;

g) Conceder recompensas aos autores de aparelhos, instrumentos, etc., de utilidade no tratamento da tuberculose, de acordo com o juízo de um júri para tal fim designado. (FREITAS, 1946, p. 108-109)

Como previa o item “e” do Estatuto, a Liga se propôs a construir um hospital específico para o tratamento da doença no Recife, com o capital em caixa oriundo de doações, mas não obteve apoio da Santa Casa de Misericórdia do Recife. Diante desta impossibilidade, foi resolvido proceder à construção de um dispensário, inaugurado em 10 de janeiro de 1904, na Rua Gervásio Pires. O Dispensário Octávio de Freitas, como passou a ser chamado, em homenagem ao seu fundador, foi o primeiro dispensário modelo instalado no Brasil, apesar da Liga Pernambucana Contra a Tuberculose ter sido a quarta Liga criada no país (DINIZ, 1998).

Freitas (1931, p.108-109) descreve a estrutura física deste dispensário, construído pelo engenheiro Theóphilo Freitas (irmão de Octávio de Freitas) (BARBOSA, 2009) (ver figuras 70 e 71):

[...] era de construção simples, elegante e edificado em um espaçoso parque ajardinado, compondo-se de dois gabinetes, quatro salas e uma saleta.

Os dois compartimentos da frente eram destinados à sala de espera e à secretaria, um e outro ostentando em suas paredes conselhos e medidas prophylaticas anti- tuberculosas. [...]

Os três compartimentos centraes eram destinados ao gabinete de consultas, onde se encontravam livros de registro dos doentes, análogos aos usados no Dispensário anti- tuberculoso de Lille39; a saleta do zelador, munida de copos esterillisados para uso dos

consulentes e o gabinete de exames de escarros e outros productos pathologicos, com o material necessário.

Os dois ultimos compartimentos eram occupados - um pela pharmacia e o outro pela sala de apparelhos, contendo instrumentos para gimnnastica pulmonar, dynamometria e apparelhos completos para semeiotica pulmonar (FREITAS, 1931, p. 108-109).

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 O autor se refere ao primeiro dispensário criado na França, em 1901, por Calmette, que seguia os princípios profiláticos propostos no Dispensário de Edimburgo, apresentado no capítulo 2 (VILLAS BÔAS, LINS DE LIMA, RAMOS, 1954).

Figura 70. Primeiro Dispensário Octávio de Freitas, na Rua Gervário Pires.

Fonte: Rocha, 1950, p. 206.

Figura 71. Sala de espera dos doente, no 1º Dispensário Octávio de Freitas, em 1901.

Fonte: Freitas, 1950, p. 212.

Este dispensário era destinado propriamente à profilaxia e tratamento de indivíduos tuberculosos, ou no limiar da doença. Segundo Medeiros (1926, p.100) “forneciam-se exames médicos, medicamentos e quando possível, alimentos e roupas. Havia nelle um agente visitador que fazia o serviço de fiscalização sanitária domiciliar.”

Anos depois da inauguração do Dispensário Octávio de Freitas, em 21 de janeiro de 1912, a Liga Pernambucana Contra a Tuberculose fundou o seu segundo dispensário – o Dispensário Lino Braga -, localizado na Rua Conselheiro Peretti (antiga Rua da Roda), em prédio construído especificamente para este fim.

Este segundo dispensário estava destinado às crianças, a fim de evitar que se tornassem vítimas da tuberculose. Neste sentido, as ações eram desenvolvidas mesmo antes dos seus nascimentos, como aponta Medeiros (1926, p. 100):

No segundo dispensário, propriamente uma gotta de leite40, fornecia-se leite

pasteurizado a cerca de 30 creancinhas, diariamente, cuidava-se da hygiene prenatal, havendo para isto um parteiro-gynecologista e cuidava-se da prophylaxia anti- tuberculosa, anti-syphilitica e anti-alcoolica, das mulheres inscritas no Dispensario, no período da gravidez. (MEDEIROS, 1926, p. 100)

Estes dispensários cumpriram papel muito importante no combate da tuberculose em Pernambuco durante as duas primeiras décadas do século XX. Segundo Freitas (1931, p.112), o Dispensário Octávio de Freitas, em “vinte annos de funcção, prestou assistência a cinco mil tuberculosos”, enquanto no Dispensário Lino Braga, “mais de mil creancinhas receberam, durante o aleitamento, alimento, roupa e cuidados medicos apropriados”.

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ARQUITETURA ANTITUBERCULOSE EM PERNAMBUCO:

Um estudo analítico dos dispensários de tuberculose (1950-1960) como instrumentos de profilaxia da peste branca 112 Entretanto, no final dos anos 20, a Liga Pernambucana Contra a Tuberculose sofreu uma forte recessão das suas fontes de receitas: “desappareceram as subscripções populares; suspenderam as percentagens dadas pelas emprezas e companhias; extinguiram a subvenção federal, e, por fim, até o Estado suspendeu por algum tempo o auxílio que lhe dava...” (FREITAS, 1931, p. 112). Foi neste momento que urgiu a necessidade de apoio oficial do Governo para o combate da tuberculose em Pernambuco.

4.2 As primeiras iniciativas do poder público e o novo dispensário da Liga Pernambucana