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A sintaxe espacial vem sendo utilizada em diversas investigações nas últimas décadas, comprovando a sua eficiência enquanto referencial teórico-metodológico para discussão e análise da dimensão espacial da arquitetura.

De uma maneira geral, os estudos morfológicos que adotam os procedimentos da análise sintática aplicados ao estudo da edificação têm privilegiado o espaço doméstico em sua grande maioria (AMORIM, 1999; HANSON, 1998; TRIGUEIRO, 1994; MONTEIRO, 1997). Também foram desenvolvidos estudos que se utilizam da Teoria da Lógica Social do Espaço para estudar edifícios destinados a outras funções: museus (PEPONIS, HEDIN, 1981), fábricas (PEPONIS, 1985), escolas (LOUREIRO, 2000) e fóruns (GRIZ, 2004), por exemplo.

Destes, a tese de doutorado de Loureiro (2000) trata de um problema de pesquisa semelhante ao da presente investigação. A autora enquadra a problemática da sua pesquisa na natureza da relação entre organização social e configuração espacial, focando a relação existente entre aprendizagem e espaço escolar. O tipo arquitetônico escola é então estudado, através da sintaxe espacial, em busca da compreensão das expectativas sociais acerca da edificação escolar, sintetizadas pela autora nos atributos - classe, encontro e controle.

Nesta mesma linha, Griz (2004) apresenta uma análise dos padrões espaciais dos edifícios dos fóruns de Pernambuco, comparando-os com as premissas exigidas para a função - resumidas pela autora em poder, hierarquia e controle - e identificando quando as respostas arquitetônicas são condizentes ou não com as expectativas de utilização.

De maior interesse para esta pesquisa, contudo, são as investigações que se utilizam deste referencial teórico-metodológico, para estudar os edifícios de re-formação, tipo que enquadra o objeto de estudo desta

pesquisa. Além de Markus (1993), que define esta classificação, dois trabalhos recentes merecem destaque: Nascimento (2008) e Alecrim (2012).

Nascimento (2008) propõe a discussão sobre a validade do conceito de tipo edilício para a teoria da arquitetura contemporaneamente fazendo uso de um estudo de caso - o processo de conversão de um edifício originalmente destinado a servir de prisão, ou seja, um edifício de re-formação, em um mercado de artesanto. O autor defende que o tipo deve ser entendido a partir das propriedades sócio-espaciais dos edifícios, sendo que, desta forma, pode-se utilizar o conceito como um eficiente princípio taxonômico, analítico e projetivo.

O tipo seria caracterizado quando se identifica que essas propriedades permanecem ao longo do tempo na prática arquitetônica, apesar das adequações necessárias a cada exemplar, e caracterizam uma estrutura mínima e permanente de relações de visibilidade e permeabilidade típica a uma dada demanda de ordem social - um modelo ou texto prescritivo das necessidades de uso que se impõem sobre o edifício.

O maior interesse no estudo desta investigação, contudo, está na genealogia sócio-espacial do tipo re- formador oferecida pelo autor, a partir das evidências apresentadas por Markus (1993), que contribui para o entendimento das características deste tipo que podem ser encontradas nos exemplares em estudo, os dispensários de tuberculose.

Já Alecrim (2012), apresenta problema de pesquisa bastante semelhante ao desta dissertação ao estudar como a identificação do agente etiológico da hanseníase, em 1873, modificou a prática médica em relação à doença e, consequentemente, as estruturas físicas que davam suporte a esta. A constatação da doença como contagiosa e o desconhecimento da sua cura exigia rigorosa separação entre doentes e sadios. Por outro lado, a lenta evolução da doença mantinha os doentes produtivos por vários anos depois de contraída a hanseníase, de modo que o isolamento em hospitais comuns não atendia às necessidades destes. Assim, em fins do século XIX, a discussão internacional apontava para o isolamento compulsório do hanseniano de modo humanitário, possibilitando a reprodução da vida em sociedade dentro dos limites de uma instituição: o leprosário. Em sua pesquisa, Alecrim (2012) mostra como a configuração espacial dos leprosários opera para atingir dois objetivos aparentemente antagônicos da profilaxia da hanseníase àquela época: o isolamento e a sociabilidade.

Os simpósios de Sintaxe Espacial também têm apresentado resultados sobre investigações que abordam os edifícios de re-formação – particularmente os dispositivos hospitalares – de maior interesse nesta pesquisa (PEATROS, 1997; LEMLIJ, 2005; KHAN, 2012; KOCH, STEEN, 2012).

Peatross (1997) estuda as propriedades espaciais que tem implicação, direta ou através dos padrões de uso do espaço, relevantes para o objetivo de normalizar comportamentos ao mesmo tempo em que se

 

ARQUITETURA ANTITUBERCULOSE EM PERNAMBUCO:

Um estudo analítico dos dispensários de tuberculose (1950-1960) como instrumentos de profilaxia da peste branca 42 mantém o controle. Para tal, o autor estuda três Unidades para portadores de Alzheimer e três Centros de detenção juvenis, considerados por ele como tipos que se enquadram em um ambiente entre o forte controle, tal como ocorre em prisões, e o ambiente “normal”. O autor identifica que em ambientes onde o controle se faz mais fraco, a exclusão dos visitantes do núcleo integrador não é praticada, não é viável e talvez não seja sequer desejada. O núcleo integrador nestes edifícios funciona simultaneamente como domínio de encontros prováveis e como domínio de vigilância.

Lemlij (2005) examina as alterações sofridas pelo Broadmoor Hospital, um hospital psiquátrico de alta segurança, a luz das mudanças do próprio campo médico nos últimos 100 anos buscando compreender se este é uma “prisão como hospital” ou “hospital como prisão”. A principal mudança apontada por ela é que edifícios hospitalares foram modificados a partir da normalização discutida por Peatross (1997) que exigia que as instituições equilibrassem questões de segurança com uma vida normal. A autora procura entender porque os edifícios mais antigos do hospital, construídos a partir da década de 1860, se tornaram obsoletos. O estudo conclui que os edifícios antigos não suportam este princípio, de modo que qualquer movimentação dos doentes se faz a partir de um único espaço, em constante encontro com a equipe médica e, portanto, sob óbvia fiscalização. Os edifícios mais novos, por sua vez, apresentam uma escolha de rota a se seguir e uma maior gama de espaços a se ocupar, e os encontros entre visitantes e habitantes se tornam mais sutis. Fornecido este aspecto de “vida normal” na instituição, a segurança é obtida a partir de uma configuração espacial ininteligível: o visitante é posicionado no núcleo integrador do sistema, em uma estrutura distributiva, mas o sistema ininteligível não lhe oferece informações sobre o sistema como um todo. A autora conclui então que o Broadmoor Hospital, globalmente, se assemelha mais a uma prisão e, localmente, a normalização dos comportamentos oferece um ambiente similar a um hospital.

É neste panorama que a teoria e métodos apresentados serão utilizados para fundamentar e instrumentalizar a presente investigação.

O problema desta pesquisa, apresentado na introdução, e resumido na busca do entendimento da relação entre espaço e sociedade nos dispositivos hospitalares de combate à tuberculose, mais especificamente nos dispensários projetados pelo SNT e adaptados para a realidade Pernambucana, a fim de identificar como os preceitos sociais de profilaxia da tuberculose se conformaram nos padrões espaciais construídos, será abordado de maneira semelhante àquela encontrada nas investigações de Loureiro (2000), Griz (2004) e Alecrim (2012).

Estas autoras procuraram nas suas investigações identificar como os atributos das organizações sociais que conformam os objetos de suas pesquisas estão refletidos na estrutura espacial dos edifícios que os abrigam. Para tal, utilizaram-se dos instrumentos analíticos oferecidos pela Sintaxe Espacial, guiadas, nos

três casos, pelos três níveis analíticos propostos por Holanda (2002), que também norteiam os resultados desta investigação.

O panorama oferecido pelos estudos sócio-espaciais recentes, pautados no tipo re-formador e nos dispositivos hospitalares (PEATROS, 1997; LEMLIJ, 2005; ALECRIM, 2012) são importantes, por sua vez, por indicar a prevalência dos princípios de controle e vigilância impregnados nas concepções espaciais das unidades hospitalares citadas e, como será visto adiante, nos dispensários de tuberculose que conformam o objeto de estudo desta investigação.

CAPÍTULO 2

“Essa doença (a tuberculose) dá uma certa perversidade ao indivíduo. Se o indivíduo sabe

que o médico de seu sanatório é são; que o administrador de seu sanatório é são; que a

senhora do administrador é sã; que o filho do administrador é são; que o enfermeiro do seu

sanatório é são; êle faz todo o possível para contaminá-los. [...] Por que isso? Para mim só

há uma explicação: é a perversidade, a vontade de contaminar todo mundo, para que todo

o mundo seja doente como êles!

Para mim, o regime sanatorial tinha de ser o seguinte: a pessôa que sofre desta moléstia

deveria ser isolada de tudo e por tudo; tinha de ser celado (?) numa cela (?) como um

cavalo de corrida. O sanatório deveria ser construído seguinte modo: cada quarto teria, no

fundo, as necessárias instalações sanitárias; mais no fundo haveria um corredor que levaria

ao consultório médico. Quando chegasse, o doente entraria diretamente do consultório e,

depois de examinado, passaria por êsse corredor e iria diretamente para a sua cela, onde

ficaria completamente isolado. Na frente da cela haveria outro corredor que conduziria ao

refeitório. Na hora da refeição, cada doente passaria por êsse corredor, dirigindo-se para o

refeitório; no corredor, duas ou três freiras estariam de vigilância, para evitar que êles se

comunicassem, a fim de não haver qualquer ‘diz-que-diz-que’”.

ARQUITETURA ANTITUBERCULOSE EM PERNAMBUCO:

Um estudo analítico dos dispensários de tuberculose (1950-1960) como instrumentos de profilaxia da peste branca 46