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A Lingüística de Corpus, a Tradução e a Intuição

A Lingüística de Corpus abriu novos horizontes para a pesquisa em tradução (Ulrych, 1997:425), e tanto a área acadêmica, quanto a prática têm muito a ganhar com a Lingüística de Corpus (Berber Sardinha, 2002:15).

Na área da prática, “boa parte do interesse em corpora eletrônicos da área de tradução provém de necessidades reais de tradução automática de grande volume de dados” (Berber Sardinha, 2002:16). Além desse campo, as ferramentas da Lingüística de Corpus estão sendo aplicadas aos corpora descartáveis (Varantola, 2002:172 e Maia 2002:221) que são corpora compilados pelos próprios tradutores para atender a uma necessidade específica em um determinado projeto de tradução. Isso porque os tradutores, em geral, se frustram com os dicionários (Varantola, 2002:172), pois, por terem necessidade de produzir um texto e não apenas compreendê-lo, “normalmente precisam de informação sobre trechos mais longos e não apenas sobre um item lexical isolado”38 (Varantola, 2002:172). Tais informações são facilmente obtidas a partir dos corpora compilados por meio de ferramentas como, por exemplo, os concordanciadores.

Em relação ao campo acadêmico, Baker (1996 e 1999) tem estado à frente dos estudos de tradução baseados em corpora, promovendo discussões tanto sobre a teoria quanto a metodologia na pesquisa sobre a natureza lingüística da tradução (Laviosa, 2002:23).

Todavia os estudos de tradução39 combinados com Lingüística de Corpus ainda são relativamente poucos se comparados ao uso de corpora

38 [...] translators often need information relating to longer stretches of text than a single lexical item.

39

em outras pesquisas lingüísticas (Berber Sardinha, 2002:48) como, por exemplo, no ensino e na lexicografia.

Entretanto, apesar da pouca quantidade de trabalhos, a presença da Lingüística de Corpus é notada nos estudos da tradução em questões de equivalência, normalização e criatividade (Berber Sardinha, 2004:236).

Esta pesquisa aborda a tradução sob a óptica da equivalência, pois um de nossos objetivos é revelar correspondentes entre determinados padrões lexicais (os binômios) em inglês e sua tradução para o português. Entendemos por equivalência, a equivalência em contexto (Chesterman, 1998:31 apud Berber Sardinha, 2002:31), ou seja, a determinação da correspondência entre o original e a tradução é limitada pelo contexto examinado.

Veremos no Capítulo 4, por exemplo, ao examinar os quadros dos binômios, que será a partir do contexto fornecido e dos padrões identificados e, portanto, da equivalência em contexto, que esperamos que o tradutor possa chegar à tradução que melhor atende seus objetivos. Portanto a tradução que buscamos fornecer para os binômios consiste, não de um paradigma de forma equivalente, mas de uma aproximação entre contextos semelhantes dos sistemas jurídicos em questão fazendo com que o tradutor tenha que, necessariamente, lançar mão de sua intuição para determiná-la.

Já no Capítulo 3, veremos que o papel da intuição do pesquisador foi essencial na seleção das aproximações entre os padrões identificados que, posteriormente, deram origem aos quadros apresentados no Capítulo 4.

Apesar da relevância da intuição do pesquisador e do tradutor neste trabalho, estamos cientes de que a interface entre a tradução e a Lingüística de Corpus traz à tona uma das principais críticas feitas pela Lingüística de Corpus ao conhecimento lingüístico: o papel da intuição do pesquisador (Berber Sardinha, 2002:31).

Segundo Sinclair (2005:2) a intuição é “uma consciência interna sobre a estrutura da língua que implica um julgamento pessoal, independente e intransigível dos padrões lingüísticos”40.

40 […] intuition: inbuilt awareness of language structure, that gives a personal, independent and non-negotiable assessment of language pattern”.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA -51

Ao mesmo tempo em que ressalta que a intuição auxilia na pesquisa lingüística, Sinclair (2005:2) aponta para os inconvenientes dela, a saber, “(a) não conseguimos justificá-la além da opinião pessoal e (b) em muito diferem as opiniões decorrentes da intuição das pessoas41”.

A relação entre a tradução e a Lingüística de Corpus ressalta a importância da aliança entre corpus e intuição que devem ser considerados complementares e não antagônicos (McEnery & Andrew, 1997:25). E na tradução, a intuição é inseparável da noção de equivalência. Nesse sentido:

[...] na identificação uma rede de equivalentes para fins de tradução, a hipótese inicial fornecendo um ou mais possíveis correspondentes entre duas ou mais unidades de significado prima

facie, em regra, teria que ser baseada na intuição e na experiência

profissional do tradutor42 (Tognini-Bonelli, 2001:134).

Assim, veremos que para atingir o objetivo de extrair os binômios do corpus em inglês e fornecer uma tradução com base no corpus em português, será imprescindível aliarmos os dados obtidos por meio da Lingüística de Corpus à intuição do pesquisador, principalmente porque o corpus desta pesquisa é composto por documentos originais em ambas as línguas e não por originais e suas respectivas traduções. Com isso, esperamos promover a chegada à uma tradução em uma linguagem que ocorre naturalmente, isto é, pretende-se traduzir linguagem jurídica por linguagem jurídica (De Groot, 1998:23).

Além disso, é necessário ressaltar que o uso futuro de um dos produtos deste estudo, os quadros de binômios apresentados no Capítulo 4, também dependerá da intuição do tradutor usuário.

41 “Intuition can help in many ways in language research. […] The drawbacks to intuition are (a) that we cannot justify its use beyond personal testimony, and (b) that people differ notoriously in their intuitive judgements.

42

[…]for the identification of a network of translation equivalents, the initial hypothesis positing one or more tentative matches between two or more prima facie units of meaning in the two languages would traditionally have to rely on the translator’s intuition and/or past experience in translating.

Por fim, o tradutor que visamos atender é aquele que não age como “mero mediador entre produtores e os destinatários de um texto em uma relação tridimensional estéril43”, mas aquele que “converte seu papel no processo comunicativo em um papel ativo, emergindo como produtor do texto e detentor de autoridade e responsabilidade44” (Sarcevic, 2000:87).