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PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 1 – Pressupostos teóricos e práticos de uma abordagem

2. A Literacia

2.1. Literacia funcional e multiliteracias

O conceito de literacia, hoje, tornou-se muito mais alargado do que aquele contido no conceito de literacia funcional, onde se pretende que sejamos capazes de realizar actividades de cálculo, de escrita, de leitura e compreensão de textos escritos e, mais alargado, ainda, do que o conceito tradicional de literacia, designado como alfabetização, em que bastava ser-se capaz de ler, escrever e contar, independentemente do grau de sucesso na realização destas tarefas.

De acordo com o estudo A Literacia em Portugal, define-se literacia “como as capacidades de processamento de informação escrita na vida quotidiana”, acrescentando-se que a análise extensiva “da literacia de uma população consiste na identificação da estrutura de distribuição social das competências de leitura, escrita e cálculo utilizadas na resolução de problemas da vida social, profissional e pessoal.” (Benavente, 1996: 22)

Neste estudo, coloca-se a questão da diferença entre níveis de literacia e os modos da sua aquisição. Assim, “o conceito de literacia centra-se no uso de competências e não na sua obtenção, pelo que se torna mais clara a distinção entre níveis de literacia e níveis de instrução formal que as pessoas obtêm (e que podem traduzir-se ou não em competências reais).” (Op cit, p. 4)

Refere-se ainda que existe o pressuposto de que é a escola que atribui as competências de leitura, escrita e cálculo, sendo esquecidos outros contextos de aprendizagem que podem contribuir para o desenvolvimento da literacia dos indivíduos, bem como o carácter de constante mutabilidade das exigências sociais de literacia nas sociedades actuais.

Não se podendo identificar uma relação directa entre grau de escolaridade e nível de literacia, existe, no entanto, o reconhecimento da existência desse factor, num conjunto de outros factores que influenciam essa capacidade, tais como, factores económicos, culturais, sociais, familiares e individuais. As capacidades de processamento de materiais

escritos estão também muito dependentes do conhecimento prévio dos indivíduos e da aprendizagem de novas estratégias de leitura.

A modificação das sociedades e a evolução tecnológica implicam hoje uma capacidade de literacia mais abrangente e diversificada que nos permita aceder ao conhecimento através de diferentes tipos de leitura. A consciência social e a vivência em sociedades democráticas incutiram nos indivíduos noções de cidadania e responsabilidade comunitária que são fundamentais ao pleno usufruto dos direitos e deveres dos cidadãos. O acesso a estas noções implica a capacidade de realizar diferentes tipos de leitura em diferentes suportes e contextos.

As sociedades devem assumir o seu papel de inclusão de todos os cidadãos, bem como de acolhimento aos novos cidadãos que nelas vão surgindo e nascendo, proporcionando- lhes os meios para desenvolverem as suas capacidades de acesso à literacia num contexto múltiplo e diversificado. A sociedade, em geral, e a escola e a família, em particular, devem proporcionar aos seus infantes oportunidades de crescimento e desenvolvimento adequadas às novas exigências das sociedades modernas.

2.2. A literacia na escola

O binómio escola – família pode ser uma via para se conseguir um meio propício ao desenvolvimento de condições conducentes a bons níveis de literacia entre as nossas crianças e jovens. A título de exemplo, podemos referir uma experiência levada a cabo no âmbito do Projecto Literatura & Literacia12 desenvolvido num jardim-de-infância de Lisboa

entre 1995 e 1997, com o apoio do Instituto de Inovação Educacional (I.I.E.), que permitiu a troca de livros de literatura infantil e que mostrou que “o entusiasmo das crianças e suas famílias pelos volumes postos a circular pelas Educadoras, questionava fortemente a ideia de que é difícil motivar estes grupos sociais para a leitura.” A boa receptividade a esta iniciativa motivou os responsáveis a prolongá-la com outro projecto que o I.I.E. continuou a apoiar. O sucesso do trabalho realizado levou ao alargamento do projecto a outras escolas que o integraram.

Este tipo de iniciativas demonstra que os problemas de literacia que se detectam nas escolas podem ser encarados de uma forma positiva, procurando, através da motivação,

trazer as famílias para uma participação mais activa no desenvolvimento das capacidades de leitura e de escrita dos seus filhos.

O estudo A Literacia em Portugal, atrás referido, destaca, também, a importância das competências de literacia no contexto da inserção social, designadamente através das relações entre literacia e cidadania. Os cidadãos necessitam de níveis suficientes de literacia para poderem ter uma participação cívica e política cada vez mais activa na sociedade em que se inserem. Estes são domínios em que

nas sociedades contemporâneas, a posse de competências de literacia pode fazer a diferença entre situações de exclusão social ou, pelo menos, de vulnerabilidade tendencial a essa exclusão, e situações de cidadania efectiva, com possibilidades do respectivo exercício em tudo o que ao processamento de informação escrita diz respeito. (Benavente, 1996: 405)

2.3. Multiliteracias

O exercício da cidadania e a evolução tecnológica implicam novas formas de encarar a literacia. Botelho (2005: 70) afirma que “O conceito de literacia tradicional, enquanto conceito e produto da civilização da imprensa e da escrita (galáxia de Gutenberg), não contempla os códigos e as linguagens dos media, nem as linguagens emergentes dos multimédia.” Esta autora destaca a importância das tecnologias de informação e comunicação e das mudanças que trouxeram ao quotidiano das pessoas, associando-as a uma diversificação de textos e à necessidade de novas competências específicas para a sua descodificação, conferindo ainda uma nova dimensão ao conceito de literacia que designa como multiliteracia. A mesma autora acrescenta ainda:

só alargando as competências de acesso, análise e comunicação a uma ampla variedade de mensagens, de forma a incluir não só as verbais, mas as imagens, o som, os próprios Media e as mensagens suportadas pelas tecnologias de informação e comunicação, a literacia será uma competência totalmente conseguida numa sociedade de informação em rápida e permanente transformação, exigindo, por isso, multiliteracias para uma efectiva construção do conhecimento. (Botelho, 2005: 71)

Esta condição de multiliteracia, emergente das novas possibilidades tecnológicas, tem um efeito potenciador tanto dos meios, como dos modos de leitura. O conceito de multiliteracias encontra-se ligado à diversificação de textos “objectos semióticos multimodais” que requerem capacidades de leitura cruzadas e que implicam que

o “leitor” domine um conjunto de conhecimentos sobre convenções e géneros, tanto decorrentes da literacia tradicional, como de um universo onde se cruzam vários sistemas semióticos. Na televisão e especialmente nos hipermedia, a leitura e a escrita não são unimodais nem lineares; requerem uma capacidade de leitura multimodal que se ancora, simultaneamente, em vários recursos informativos (animações, símbolos, clips, fotografias, textos, sons…). (Botelho, 2005: 74)

Esta diversidade de competências exigidas ao novo “leitor” podem marginalizar ainda mais aqueles que têm mais dificuldades de acesso ao conhecimento e à cultura. Conforme a autora questiona:

Que efeitos terá a iliteracia mediática e tecnológica? O que pode acontecer a quem não é capaz de decifrar as implicações culturais, políticas e económicas da miríade de mensagens com que nos deparamos, diariamente? E a quem não é capaz de as produzir? Acontecer-lhe-á o mesmo? (Op cit, p.77)

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