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PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CAPÍTULO 1 – Pressupostos teóricos e práticos de uma abordagem

3. O acesso à literacia pelas crianças e jovens surdos

4.5. Bilinguismo aditivo

O conceito de bilinguismo aditivo foi proposto por Lambert (1974)79 e aplica-se nas

situações em que a L2 não substitui nem impede a aprendizagem na língua materna. O documento publicado com os primeiros resultados do projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa refere-se a este conceito de bilinguismo da seguinte forma: “actualmente, a investigação produzida no domínio da educação bilingue aponta para a existência de uma correlação positiva entre o bilinguismo aditivo e o desenvolvimento linguístico e cognitivo ou académico.” (p.5) Ainda segundo este documento, os estudos realizados no âmbito da educação bilingue têm comprovado existir uma “correlação positiva” entre o desenvolvimento das habilidades de literacia em língua materna e o desenvolvimento de habilidades de literacia na L2 (língua maioritária, não materna para o aluno). Havendo provas desta correlação positiva, pode-se então considerar de elevada importância a escolarização em Língua Materna para que se possam atingir bons níveis de literacia em L2.

Lambert (1977)80 define bilinguismo aditivo como um tipo de bilinguismo que se

caracteriza pela aquisição de duas línguas socialmente reconhecidas como úteis e prestigiadas.

Um estudo realizado por duas investigadoras e professoras de surdos americanas, Erting & Pfau (1997), sobre as estratégias adoptadas no ensino de alunos surdos, preconiza a abordagem do bilinguismo aditivo proposto por Lambert como o mais adequado. Segundo elas, esta abordagem procura o enriquecimento linguístico da criança pela adição de uma segunda língua enquanto que mantém a primeira língua como língua de instrução. Um dos aspectos centrais desta abordagem, considerado particularmente interessante por estas autoras, é a ênfase dada à primeira língua como língua de ensino a crianças em idade pré-escolar. Este aspecto favorece as crianças surdas que, nesta fase, apresentam uma grande diversidade ao nível do desenvolvimento no domínio da

79 Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, p.5

sua primeira língua e que, assim, poderão conseguir atingir uma proficiência em língua gestual considerada suficiente antes de iniciarem a aprendizagem formal da leitura e da escrita.

A este propósito, Jokinen (1999: 112) relata a situação da educação de surdos nos países nórdicos nos seguintes termos:

Na Suécia, Noruega e Dinamarca todas as escolas dos surdos são bilingues. Em seus currículos está declarado que a língua de sinais é a primeira língua e a usada para instrução. A língua falada é aprendida como uma segunda língua através da leitura e da escrita. O treinamento da fala é individual81. Na Finlândia, a educação bilingue foi

mencionada pela primeira vez em 1987 no Basics of the National Curriculum for the Deaf

Education.

Este autor menciona diversos estudos realizados por Mahshie (1995) e Heiling (1993) que revelam alguns resultados dos estudantes surdos que tiveram uma educação bilingue. Segundo estes estudos, testes, que anteriormente eram considerados inatingíveis para eles, foram realizados com alunos surdos de classes bilingues e revelaram resultados ao nível das classificações consideradas positivas ou acima delas. Todos os estudantes passaram nos seus exames finais sem dificuldades. Estes testes abrangiam não só testes de compreensão e uso da língua escrita, mas também testes numéricos e matemáticos. Outro resultado dos estudos aqui mencionados salientava também o facto de que as crianças surdas, cujos pais tinham começado a usar a língua gestual quando eles tinham dois anos, “saíram-se tão bem quanto os seus colegas ouvintes num teste de resultado de leitura padrão aplicado em todas as classes finais das escolas obrigatórias na Suécia” (Jokinen, 1999: 115). Este autor cita Ahlgren (1990) quando afirma que o objectivo principal na educação de surdos na Suécia é que

O estudante surdo deveria deixar a escola com a mesma quantidade de conhecimento, o mesmo grau de maturidade pessoal e autoconfiança e o mesmo nível de ajuste social esperado para um estudante ouvinte.

Apesar de a maioria da literatura existente sobre a educação bilingue e bicultural das crianças surdas se centrar nos anos que decorrem entre o seu nascimento ou o momento da detecção precoce da surdez e o final da escolaridade obrigatória, os princípios do bilinguismo mantêm-se nos restantes anos de formação académica: no secundário e no ensino superior. Nestes níveis de ensino, não se espera que os professores dominem a língua gestual, apesar de este poder ser um factor preferencial. No ensino secundário, os estudantes surdos são, na maioria dos casos, integrados em turmas de ouvintes, mas

81O treino da fala não é considerado como um meio de aprender a língua da comunidade ouvinte, mas como um meio de

devem sê-lo, de preferência, em largo número, para não constituírem uma minoria na turma, e as aulas são traduzidas por intérpretes de língua gestual. O mesmo devia acontecer com os estudantes surdos que prosseguem estudos superiores mas a legislação portuguesa ainda não contempla esta situação. Existem países com universidades para surdos, como por exemplo, a Suécia e os EUA, e outros em que existem centros de estudos de língua gestual e acompanhamento de estudantes universitários como por exemplo em Bristol (Inglaterra) e Hamburgo (Alemanha). Jokinen (1999: 114) refere a este propósito que nos países nórdicos

(…) os estudantes surdos estudam com estudantes ouvintes, usando intérpretes educacionais financiados por seus municípios, desde as escolas vocacionais até as universidades. As possibilidades de escolher o campo em que desejam estudar são

maiores do que nunca por causa do serviço de intérprete de língua de sinais gratuito.82

Este é um dos aspectos que garante o acesso dos estudantes surdos ao ensino, mas só pode resultar em pleno se a educação bilingue e bicultural tiver sido seguida com seriedade nos anos de formação anteriores.

82 O evidenciado é nosso. Em Portugal o serviço de intérpretes de LGP na educação ainda não é garantido a cem por

cento. Apenas uma pequena percentagem dos alunos têm tradução e apenas em parte do seu horário escolar, tanto no ensino básico como no secundário. No ensino superior existem algumas soluções pontuais, no âmbito da acção social, mas que não têm base legal nem oferecem condições laborais mínimas aos intérpretes recrutados pelos próprios estudantes.

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