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CAPÍTULO 2 – A DEMÊNCIA DE ALZHEIMER (DA)

2.2 A literatura tradicional na DA

20 No tocante à neuropsicologia desenvolvida na Rússia, vejamos as principais representações deste movimento. Inicia-se pelo trabalho de Bolotov em 1789, passando a um período de pesquisa sobre afasia, na descrição dos sintomas e também na elucidação dos principais mecanismos psicofisiológicos relacionados às alterações de linguagem. Posteriormente, Lev Vygotsky (1896-1934), sob forte influência da fisiologia de Sechenov (1829-1905) e Ivan P. Pavlov (1849-1936) e no debate acirrado entre o localizacionismo e o globalismo, postulou as funções corticais superiores em três princípios centrais: a) relacionamentos interfuncionais, plásticos e modificáveis; b) sistemas funcionais dinâmicos como resultantes da integração de funções elementares; e, c) a reflexão da realidade sobre a mente humana (Hécaen & Lanteri-Laura, 1997). Na esteira do pensamento de Vygotsky, e influenciado pela tradição russa de pesquisa em neurologia, a obra de Alexander Romanovich Luria (1902-1977) mais relevante tem início na década de 20 do século passado. Luria tinha como concepção o funcionamento de processos corticais superiores, atuando como sistemas funcionais complexos dinamicamente localizados, trabalhando em concerto e sintonia durante a existência humana, seja no estado de saúde ou na patologia (Luria, 1966). Destaca-se sua grande e original contribuição na proposta metodológica de exame clínico, orientada pela visão de sistema funcional, realizada com crianças, durante o desenvolvimento, e com adultos com lesão cerebral.

A demência é definida na literatura tradicional neurológica e neuropsicológica como um quadro de alterações de uma ou mais funções corticais superiores, estando a memória sempre afetada, o que leva a um declínio funcional que impede a pessoa acometida de exercer funções cotidianas e ocupacionais (Vesna, 1999).

Tais aspectos dizem respeito a um quadro sindrômico compatível com um declínio persistente ou permanente em várias dimensões da função mental (memória, linguagem, praxia, percepção, atenção), de modo a interferir nas atividades sociais e profissionais, antes normais na vida desses sujeitos (Katzman & Terry, 1983).

Em diferentes fontes, são encontrados dois grupos de demências: as demências primárias e secundárias, sendo as primeiras relacionadas às alterações degenerativas do SNC ou neurodegenerescências. Este último termo, associado comumente ao processo de envelhecimento21, tem sido empregado em pesquisas longitudinais recentes para designar síndromes demenciais de caráter primário e progressivo. Os principais tipos de demências primárias e progressivas são a DA, a demência com corpos de Lewy (DL) e a demência fronto-temporal (também conhecida como demência de Pick). Devido à sua condição clínica, são todas chamadas de demências irreversíveis.

Demências secundárias ou não progressivas compõem o segundo grupo: demência vascular (DV), demência por hidrocefalia de pressão, demência por causas infecciosas (neurossífilis) e metabólicas. Todas decorrem de alterações extrínsecas ao Sistema Nervoso Central e podem ser reversíveis, se o fator etiológico for controlado.

Em termos estatísticos, a demência de maior incidência em todo o mundo é a DA que corresponde a cerca de 50% dos casos de demência nos países do Ocidente (Bachman et al., 1993; Herrera et al, 1998). A DA encontra-se

21 Trata-se de síndromes que ocorrem durante o processo de envelhecimento, aumentando em função da idade (American Psychiatric Association, 1989).

fortemente associada à idade, sendo incomum na faixa etária anterior aos 65 anos, podendo, entretanto, acometer 50% das pessoas na faixa etária dos 90 anos.

Dentre as classificações de demência em termos de prevalência, a DA encontra-se entre as mais incidentes em termos diagnósticos, tendo em vista o aumento significativo da população de idosos nos últimos anos em decorrência da elevação da expectativa de vida22.

Tal fato pode ser explicado pela inatividade e depressão decorrentes da aposentadoria precoce e de uma sociedade despreparada para lidar com os idosos. Estimativas epidemiológicas em todo o mundo indicam que a incidência de DA aumenta menos de 0,5% entre pessoas com 60 anos, chegando aos índices de 3% a 6% a partir dos 80 anos. A DA é atualmente considerada por muitos pesquisadores como pré-senil ou de início precoce (antes dos 65 anos) e senil ou de início tardio (após os 65 anos).

Quanto à prevalência da doença, o índice aumenta cerca de 1% em pessoas na faixa de 60 anos, passando para 5% em pessoas com mais de 65 anos, tornando cada vez mais freqüente, à medida que a idade avança, até atingir entre 25% a 50% em pessoas com 80 anos ou mais (Evans, 1997; Bachman et al., 1993; Jorm, 1990).

A maior parte dos estudos feitos nesta área sugere que a prevalência da doença dobra a cada 5 anos, entre a faixa de 65 a 85 anos. Isto significa, por um lado, que se trata de uma doença muito freqüente e, por outro, que, mesmo em idade avançada, a maioria dos idosos não vai apresentar DA.

Historicamente, a concepção de demência situa-se entre duas posições aparentemente contraditórias: a primeira advinda da neurologia, que entende a demência por evidências anátomo-patológicas que podem explicar suas causas e características, e a segunda amparada nos preceitos da psiquiatria, que entende a demência como um distúrbio de origem psíquica. Como já referido na introdução

22

Segundo dados de projeção do IBGE para 2020, o Brasil, em número de pessoas com 60 anos ou mais, deve dobrar em relação a 1999, chegando a 27 milhões (Jansen, 1999). Segundo dados da ONU, estima-se que, em 2025, 16% da população será constituída por idosos – cerca de 32 milhões de pessoas, levando o Brasil ao sexto lugar em número de idosos no mundo.

deste capítulo, a primeira posição, de cunho positivista, tem-se mostrado influente até os dias de hoje, no sentido de localizar os sítios cerebrais responsáveis por determinadas funções.

Feita a apresentação das principais características de demência, passamos a sua história, considerada a partir da conceituação feita por Alois Alzheimer e suas repercussões.