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5 A LIBERDADE ECONÔMICA

5.2 A ORDEM ECONÔMICA

5.2.2 A Livre Iniciativa na Ordem Econômica

A expressão liberdade, entendida como “ato voluntário, ausência de coação ou de interferência externa, possibilidade de escolha ou de autodeterminação”, pode ter o seu conceito ampliado de acordo com o âmbito de aplicação. No estudo da ordem econômica,

liberdade seria a possibilidade de escolher seus próprios caminhos profissionais ou suas próprias atividades econômicas, com ausência de coação ou interferência do Estado; seria a possibilidade de iniciativa, sem interferência do Estado no jogo de mercado, como meio de se atingir o máximo de eficiência na produção e de justiça na repartição do produto. (SILVA, 2003, p. 64-65).

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Segundo Toshio MUKAi (1979, p. 35), esta base teórica é a adotada por Goldschmidt e Buwert. No mesmo sentido: “é o princípio da dignidade da pessoa humana que confere unidade de sentido e legitimidade à ordem constitucional, existindo redobradas razões para constituir o fim mesmo da ordem econômica.” (PETTER, 2005, p. 174).

No aspecto axiológico, liberdade é o elemento fundamental da Ordem Econômica e Financeira porque nela se reúne a capacidade de cada indivíduo escolher o seu trabalho ou atividade econômica (TOLEDO, 2004, p. 174).

Também entendida como dimensão essencial da pessoa, a liberdade foi classificada por José Afonso da Silva em cinco grupos, de acordo com o direito fundamental a que está ligada: 1. liberdade da pessoa física (direito de ir e vir, de permanecer, de ficar e de circular); 2. liberdade de pensamento, abrangendo a opinião, a religião, a informação, a artística e a comunicação do conhecimento; 3. liberdade de expressão coletiva (reunião e associação); 4. liberdade de ação profissional, comportando a livre escolha de trabalho, ofício ou profissão e o seu correspondente exercício; e, finalmente, 5. liberdade de conteúdo econômico e social, aqui incluída a livre iniciativa, a liberdade contratual e a liberdade de ensino e de trabalho (PETTER, 2005, p. 75-76).

A Constituição Federal tratou da livre iniciativa em dois momentos distintos. No artigo 1º, ela é apontada como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, revelando-se como um dos fins da estrutura política brasileira (TAVARES, 2003, p. 246). Já no caput e em seu parágrafo único, o artigo 170 da Constituição Federal apresenta a livre iniciativa como princípio norteador da ordem econômica, assegurando “a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei.” (BRASIL, 1988, art. 170). Garante, ainda, a faculdade de criar e explorar uma atividade econômica escolhida, sem restrição estatal, salvo em virtude de lei. Daí falar-se em densidade normativa positivada, posto que tal garantia apenas se curva diante de disposições legais,

formal e materialmente constitucionais (ARAÚJO e NUNES JÚNIOR, 2001, p. 375).

Destarte, embora se fale em livre iniciativa, tal liberdade pode ter o seu âmbito de aplicação restringido, equiparando-se, neste caso, a um direito subjetivo sujeito a limitações do legislador infraconstitucional em razão da presença da cláusula de reserva legal consubstanciada na expressão “salvo casos previstos em lei”.

Não obstante tal limitação, a livre iniciativa é direito fundamental não indicado no artigo 5° da Constituição Federal, mas decorrente do direito à liberdade nele previsto, entendido em seu sentido amplo20, envolvendo as liberdades de indústria, de comércio, de empresa e de contrato (SILVA, 2003, p.68-69), de formar e assegurar o direito subjetivo que todos têm de se lançarem ao mercado de produção de bens e serviços por conta e risco próprios (PETTER, 2005, p. 161).

Assim, como direito fundamental, que a livre iniciativa também fica condicionada ao princípio fundamental da dignidade humana, podendo por ele

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Semelhante raciocínio é feito por Manoel Afonso VAZ, ao estudar o artigo 61 da Constituição Portuguesa, na obra Direito Econômico e a Ordem Econômica Portuguesa 1984: “A inclusão do preceito sobre a iniciativa econômica privada, no âmbito dos direitos econômicos, quer significar a consagração da iniciativa econômica privada como direito fundamental dos cidadãos (...) É certo que o direito à iniciativa econômica privada não é entendido formalmente como um ‘direito de liberdade’, tal como são entendidos os ‘direitos e liberdades e garantias pessoais’, os ‘direitos, liberdades e garantias de participação política’ e os ‘direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores’ consagrados no título II da parte I da Constituição. Tal pretende significar que o direito à iniciativa econômica privada não pode hoje ser entendido, à maneira liberal, como um direito ‘absoluto’, inviolável, de conteúdo naturalmente determinado, ou seja, como um direito ‘de defesa’ do cidadão perante o poder que não permite limitações à sua esfera de afirmação e realização (...) Todavia, e no entanto, o direito à iniciativa econômica privada é, a nosso ver, ainda um direito fundamental de natureza análoga aos ‘direitos de liberdade’, quando pretenda defender um âmbito de afirmação e realização autônoma do indivíduo enquanto tal (...). Sendo assim, é-lhe aplicável, por força do artigo 17° da CRP, o regime jurídico dos ‘direitos, liberdades e garantias’ expressos no artigo 18° da Constituição.” (VAZ, 1984, p. 86-87).

ser limitada, observados os valores sociais e o bem-estar coletivo.

Nesse contexto, a liberdade de iniciativa econômica significa o exercício de uma liberdade humana voltada para o “desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo.” (Ottaviano, apud SILVA, 1993, p. 673). Classifica-se como

legítima quando exercida no interesse da justiça social e, ilegítima, quando

direcionada à satisfação exclusiva do lucro e das ambições pessoais dos empresários (SILVA, 1993, p. 673).

Esses conceitos parecem mais adequados para o entendimento da Ordem Constitucional Econômica, ou seja, a existência de uma liberdade que, embora aparentemente ampla, após estudo do texto constitucional, verifica-se haver delimitações necessárias e bem justificadas para alcançar o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária.

Vale notar, por fim, que, se de um lado é possível a limitação do princípio da livre iniciativa pelo Estado, de outro essa intervenção na economia sempre será constitucionalmente circunscrita por regras delimitadoras da ação estatal (TOLEDO, 2004, p. 177).

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