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CAPÍTULO 2: AS CONQUISTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

2.1 A luta por reconhecimento: o papel dos movimentos sociais

Como sabemos, um intenso processo de globalização que rompe as fronteiras espaciais, territoriais e ideológicas vem buscando, com relativo sucesso, homogeneizar a ciência, a economia e a política mundial nas últimas décadas. Essa é a informação que os mais interessados na questão difundem amplamente. Contudo, esse processo não está ocorrendo sem resistências, pois os grupos e movimentos que se opõem a essa nova forma de dominação reivindicam o direito de reconhecimento de suas diferenças como meio de questionar as relações de poder e de dominação. É neste contexto que os movimentos sociais passam a reivindicar um tratamento mais igualitário e antidiscriminatório, inclusive no âmbito educacional. Os movimentos sociais, segundo Gohn, são

ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político- cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo. (GOHN, 1995a, p. 44).

Entre os mais representativos do Brasil, encontram-se os movimentos sociais negros e indígenas, que, com suas articulações, vêm alcançando grandes resultados materializados em políticas públicas para a educação. Desse modo, é pertinente compreender como esses movimentos se organizaram nessa direção. Para isso, faremos uma breve incursão na história de suas lutas e conquistas no âmbito educacional.

De acordo com Soares do Bem, não há indicadores mais significativos para a análise de como funcionam as sociedades do que os movimentos sociais. O autor afirma que estes explicam o constante movimento das forças sociais, “permitindo identificar as tensões entre os diferentes grupos de interesses e expondo as veias abertas dos complexos mecanismos de desenvolvimento das sociedades” (2006, p. 1138).

Os movimentos sociais deixam entrever mais do que puras carências percebidas e demandas interpostas; eles permitem, de fato, o conhecimento do modelo de sociedade dentro da qual se articulam, cujas feridas se tornam, por intermédio deles, materialmente visíveis. (SOARES DO BEM, 2006, p. 1138).

Deste modo, os movimentos sociais permitem o desvelamento das relações sociais em seu contexto histórico, sendo a eles condicionadas suas reivindicações mais importantes. Avelar e Valentim (2010, p. 2), ao falarem sobre os avanços para as discussões no campo das ações afirmativas, fazem a seguinte consideração acerca do mérito desses movimentos para as conquistas de políticas públicas:

A partir da redemocratização do país, durante a década de 1980, diversas ações visando limitar a reprodução de estereótipos e comportamentos que afetam o acesso a oportunidades iguais e a possibilidade de seu usufruto passaram a ser implementadas. Os movimentos sociais passaram a reivindicar, de maneira mais contundente e articulada, o envolvimento direto do poder público com questões relacionadas à raça, etnia e gênero. (grifo nosso)11.

Uma das grandes preocupações dos movimentos sociais negros e indígenas na atualidade é a inclusão dos assuntos africanos, afro-brasileiros e indígenas no currículo escolar e, diferentemente do que nos é mostrado, não se constitui enquanto uma mobilização recente. Para exemplificar, Grupioni (2004) assinala que, já em 1989, professores indígenas concluíram no documento final do I Encontro Estadual de Educação Indígena do Mato Grosso que “a sociedade envolvente deve ser educada no sentido de abolir a discriminação histórica manifestada constantemente nas suas relações com os povos indígenas” (p. 483). E o esforço por essa inclusão não se resume a esta ocorrência. Outras reivindicações foram determinantes para a origem de uma legislação específica que incluísse no currículo oficial as discussões sobre essas questões e são mais recorrentes do que podemos imaginar.

Outro importante evento precursor remonta a 1950, quando o Teatro Experimental Negro, movimento cultural de valorização social da população negra, organizou o I Congresso Negro Brasileiro. A carta de intenções do evento

11

Disponível em: <http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Anais_2010/Artigos/GT9/cultura_afro-brasileira.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2012.

reivindicava a inclusão da História da África e dos Africanos nos currículos escolares, como forma de valorizar as raízes negras do Brasil.

Já em 2001 foi realizada a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, na cidade de Durban, África do Sul, que mobilizou governos e entidades do Movimento Negro. No caso brasileiro, compromissos assumidos nessa conferência resultaram em medidas de políticas concretas, como a reserva de vagas para negros em algumas universidades do país e novos compromissos assumidos pelo Estado em âmbito internacional, além do reconhecimento de iniciativas que iriam culminar na promulgação da Lei n° 10.639/2003.

O I Encontro dos Professores Indígenas de Rondônia (1990) solicitava, em meio a outros pontos, que se respeitasse “os índios e suas culturas nas escolas não indígenas”. A Declaração de Princípios dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, embora tenha sido redigida em 1991, foi reafirmada e publicada em 1994. O documento refere-se a diversas reivindicações antigas daqueles povos e sinaliza a importância de uma aproximação dos diversos segmentos da sociedade com a cultura indígena por meio da educação. Assim, apontou que o respeito necessário para a coexistência dessas múltiplas culturas seria alcançado quando “nas escolas dos não-índios, (fossem) corretamente tratadas e veiculadas a história e a cultura dos povos indígenas brasileiros, a fim de acabar com os preconceitos e o racismo” (1994, grifo nosso), o que colaborou para a promulgação da Lei n° 11.645/2008.

Observa-se, assim, que o debate sobre discriminação e desigualdade etnicorracial há muito vem sendo travado no Brasil. Primeiro essas questões foram levantadas pelos movimentos sociais organizados, bem como por intelectuais formadores de opinião para, posteriormente, serem discutidas por significativos contingentes da nossa sociedade. E foram essas discussões que culminaram em uma série de medidas que pressupunham combater preconceitos e modificar situações desfavoráveis às chamadas minorias sociais.