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A mídia e a formação de opinião dos jurados

No documento Nulidades no procedimento do júri (páginas 66-70)

4.2 O JÚRI DA MÍDIA

4.2.1 A mídia e a formação de opinião dos jurados

Vieira (2003) apresenta como um problema específico acerca do procedimento do Júri o grande interesse da mídia, haja vista, os procedimentos julgados pelo juízo singular não despertarem grande interesse do público. Justifica tal afirmativa pelo fato de a simples decisão prolatada pelo juízo singular satisfazer o telespectador, ao contrário do que ocorre no Júri, pois há uma potencialização da atividade do plenário, quer seja pela participação ativa do cidadão comum, quer pelo grande interesse popular e dos meios de comunicação em massa acerca do ritual que o envolve, principalmente em casos em que o réu for pessoa pública, ou ainda em casos de intensa repercussão social.

Santos Júnior (2004) coloca em xeque a validade racional e imparcial do julgamento proferido pelos membros do Tribunal do Júri, principalmente ante a análise da influência da mídia nos processos que integram a formação de opinião. Assevera que estudos acerca da formação da opinião pública têm postulado “hipóteses da mídia como esfera de realização do debate público e de construtora de imagem dos atores sociais.”. Para o autor a opinião não se fundamenta apenas no juízo de valor individual, “mas em fatores variados como influência das instâncias de conversação, do enquadramento dado à temática pela mídia e de todo um conjunto de valores que integram a identidade cultural do indivíduo e o contexto social em que vive.”. Conforme Santos Júnior (2004, p. 2):

Na verdade, um juízo de valor carrega em si toda uma carga cultural, preferências e preconceitos e corresponde, em boa medida, à maneira com que o objeto em juízo interpela as identidades do sujeito social. Os media, como construtores de representações sociais, possuem a capacidade de, através de estratégias discursivas, estabelecerem um determinado enquadramento de temas e de sujeitos.

Casos midiáticos tornam impossível a inexistência de juízos paralelos, tanto em favor do réu, quanto em favor da vítima. Assim, o resultado do julgamento aproxima-se muito à decisão da opinião pública, que se forma antecipadamente por intermédio da mídia, de forma que características como cor da pele, classe social, escolaridade e ocupação levam a opinião pública ao veredicto unânime de cadeia, pena de morte, prisão perpétua e etc. (GOMES, 2009, p. 27).

Do ponto de vista de Vieira (2003, p. 231) colhe-se uma assertiva interessante, no sentido de que a peculiaridade do ritual do Tribunal do Júri aguça a curiosidade pública, fazendo com que a mídia transforme as partes, os jurados e o acusado em protagonistas de uma “justiça-espetáculo”. Dessa forma, conclui que os meios de comunicação contribuem mais para o entretenimento através da falsa noção que transmitem acerca do Júri, do que pelo cumprimento de seu poder-dever de informar a sociedade, de forma correta, sobre os atos do Poder Judiciário.

Ao analisar o Tribunal do Júri sob a ótica da esfera pública, Santos Júnior (2004) salienta a perda de legitimidade do instituto no que se refere a formação de opinião e juízo de valor, considerando que os seus membros se encontram imersos, anteriormente a formação do Conselho de Sentença, em fatores sócios culturais, sujeitos a influência direta de instâncias como a mídia e as conversações. Ademais, afirma o autor:

Na verdade, a atuação do membro do júri como representante da sociedade e voz popular teria legitimidade se a formação de sua opinião se desse apenas no interior da arena discursiva apresentada no julgamento. Neste cenário, então, a opinião estaria em estreita relação com a vontade e com a valoração jurídica que se emprestasse à narração dos fatos apresentados na denúncia e no libelo. A opinião pública representaria uma concepção nascida do melhor argumento, que se impõe por força da lógica, sendo portanto, neste caso, a vontade expressa obtida numa argumentação racionalmente conduzida, ou melhor, a vontade legitimada pela razão. (SANTOS JÚNIOR, 2004, p. 2).

Costa (2009) assegura que nos casos de crimes dolosos contra a vida sempre haverá comoção social, geralmente pelo modus operandi, pela condição econômica das partes e pela divulgação dada ao crime. Sendo assim, resta ao jurado julgar de acordo com a sua intima convicção, sem decepcionar a sociedade que representa, ponto este que causa as maiores dificuldades nos julgamentos de crimes causadores do clamor público e comoção social amplamente difundidos. Nesse passo, observa que o Conselho de Sentença recebe influência externa e interna em sua decisão, pois julga observando os anseios da sociedade e sua experiência pessoal. Conclui afirmando:

Vê-se, pois, que a comoção social e o clamor público sempre influenciaram julgamentos, sejam eles feitos pelo Tribunal do Júri ou pelo Tribunal dos togados, prejulgando o acusado por uma absolvição ou por uma condenação, mas nunca julgando verdadeiramente.

Já encerrando, com comoção social, livre convicção, influência da oratória das partes ou do acusado, o Júri Popular foi e sempre será o tribunal mais enfraquecido e ao mesmo tempo fortalecido que a humanidade já teve. (COSTA, 2009, p. 25-26).

Vieira (2003) menciona que informações jornalísticas como a captação de imagens do local do crime, entrevistas com vizinhos da vítima e do acusado acerca do respectivo caráter, relacionamento pessoal e familiar, muitas vezes transmite uma imagem negativa da situação do réu. Embora tais informações encontrem-se carregadas de sensacionalismo, vem sendo admitido seu uso nos processos.

Oportuno mencionar a preocupação de Vieira (2003) acerca da publicidade prévia atribuída aos fatos criminosos por intermédio da mídia, haja vista os efeitos dessa primeira impressão causada pelos noticiários superar os efeitos das próprias provas processuais sobre os juízes leigos.

Conclui Santos Júnior (2004) que a sociedade deve trabalhar pela desconstituição da excessiva manipulação realizada pelos meios de comunicação de massa, bem como pela salvaguarda do direito, buscando promover, pelo Poder Judiciário, julgamentos sadios. Salienta que caso continue a se assistir espetáculos em que o roteiro se encontre traçado por atores ilegítimos, tendo como vítima a verdade, melhor seria o sacrifício do Tribunal Popular.

Enfatiza Dias (2008) que uma das maiores influências externas, capazes de impedir que o réu tenha um julgamento justo, é aquela exercida pela mídia, capaz de exercer um forte apelo sobre a opinião popular. Salienta o poder da imprensa de absolver ou condenar previamente um réu, e conseqüentemente interferir no convencimento dos jurados, bem como na atuação da acusação e da defesa em plenário. Ademais, de forma bastante contundente afirma: “É um poder de influir, que não pode ser desprezado, visto que exercido de forma quase imperceptível, principalmente em se tratando de casos que alcançam grande repercussão pública”.

Para Cacho (2009) a pressão exercida pelas ruas e pela mídia acaba afetando legisladores, que acabam se apressando na redação de textos legais, e juízes e tribunais, que a cada dia, mostram-se mais vulneráveis e frágeis. Para o autor, estas influências externas sofridas, principalmente pelo Tribunal do Júri, não devem se sobrepor às garantias legais, ao bom senso e ao legítimo interesse das instituições democráticas.

Em que pesem as garantias vinculadas à independência dos juízes, afirma Gomes (2009, p. 27) que nenhuma decisão judicial é totalmente objetiva e independente, pois “[...] os processos reais (incluindo-se a influência exercida pela opinião pública, que é criada pela mídia) revelam que a atividade judicial é extremamente complexa, sobretudo nas sociedades democráticas atuais, que são sociedades de opinião pública”.

Nesse sentido, o pré-julgamento realizado pela imprensa acaba por influenciar erros no Poder Judiciário, fazendo com que a busca pela verdade seja maculada diante exposição exacerbada dos operadores jurídicos, e, sobretudo, dos jurados, frente ao fascinante poder exercido pela mídia. Assim, a mídia acaba direcionando a opinião pública, interferindo no convencimento do juiz ou dos jurados, sendo capaz de determinar acerca da absolvição ou condenação do acusado. (DIAS, 2008).

Por fim, pertinente e oportuna se faz a reflexão de Gomes (2009, p. 27):

Quais são os fatores mais recorrentes na formação da opinião pública? O status, o nível de escolaridade e a feiúra ou beleza do réu; de outro lado, a fragilidade, a cor da pele e dos olhos da vítima. Quanto mais frágil a vítima (criança indefesa, por exemplo), mais empatia ela conquista da opinião pública. Outro fator fundamental na atualidade é a existência de um familiar da vítima que tenha boa presença midiática, ou seja, que fale em justiça e segurança, critique os juízes e a morosidade do Judiciário, peça penas duras, endurecimento do sistema penal etc.

4.2.2 Afronta aos princípios constitucionais da presunção da inocência, devido processo

No documento Nulidades no procedimento do júri (páginas 66-70)

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