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A múltipla relação de agência na administração de portfólios

2.5. Estudos sobre fundos mútuos relevantes à pesquisa

2.5.3. A múltipla relação de agência na administração de portfólios

Gaspar, Massa e Matos (2006) consideram que as famílias de fundos são uma fonte potencial de valor para os investidores, mas também podem causar distorções em relação aos administradores dos fundos e seus controladores. De um lado, as famílias oferecem o potencial das economias de escopo e de escala, em termos de ativos administrados, distribuição de externalidades e melhor qualidade de pesquisa, reforçando que a mera existência de famílias de fundos pode reduzir os custos de procura dos investidores, devido à consolidação de marcas reconhecidas e campanhas de marketing. Porém, de outro lado, a afiliação familiar de fundos pode originar distorções nos esquemas de incentivos de administradores e gerentes de fundos, possivelmente, induzindo-os a sacrificarem o interesse dos investidores se a família como um todo se beneficia. No complexo de famílias, estas são responsáveis pela coordenação de ações entre os fundos individuais para aumentar o

desempenho de fundos que são os mais valiosos para a família, até mesmo se isto vem à custa

do desempenho de outros fundos. Esta estratégia familiar de “favoritismo” é o resultado da

divergência de interesses entre companhias de administração de fundos e investidores dos fundos (GASPAR, MASSA e MATOS, 2006).

Nesse sentido, é importante se analisar o comportamento das famílias de fundos e o modo como estas poderiam estar utilizando as decisões dos investidores em um sentido que não necessariamente conduziria a maximização do valor para o investidor, mas sim para a administradora. Também é preciso esclarecer que práticas e estratégias estão utilizando as famílias de fundos. E, mesmo, se tais estratégias são persistentes no tempo.

Resgatam-se aqui as considerações de Kuhnen (2004), segundo as quais, no caso dos fundos mútuos, o funcionamento da indústria é complexo e pode ser visto como um esquema de relações principal-agente de múltiplas camadas (FIG. 1), cada uma com um esquema de remuneração distinto. Os esquemas distintos de remuneração necessariamente estarão expostos a fricções porque, claramente, existem assimetrias de informação que dão origem aos custos de agência nos diferentes níveis e, em alguns casos, problemas de risco moral (HILL e JONES, 1992; KUHNEN, 2004). Devido às fricções, criam-se condições de desequilíbrio, que podem persistir por períodos de tempo prolongados. E estas condições de desequilíbrio implicam a existência de diferenças de poder entre as diferentes partes (HILL e JONES, 1992).

Como fontes de fricções têm-se as diferentes barreiras de entrada e saída (PORTER, 1989), que se manifestam tanto para os investidores quanto para os diferentes níveis dos gestores e administradores da alta direção. Ainda, Hill e Jones (1992) indicam que se essa situação é percebida como vantajosa para eles os administradores poderão realizar ações para prolongar a situação retardando o processo de ajuste. Pode-se questionar aqui que normalmente esta indústria é fortemente regulamentada pelas leis específicas do órgão regulador (CVM, no Brasil) ou, ainda, pela própria autorregulação (Código da ANBID, por exemplo). Mas os sistemas de normas, leis e códigos normalmente regulamentam práticas que são conhecidas por todos ou estão institucionalizadas. Nem sempre todas as práticas e conhecimentos são compartilhadas. Nesse sentido, Gaspar, Massa e Matos (2006), ao fazerem um chamado para um esforço de construção teórica no nível de famílias de fundos, ressaltam a importância dos resultados empíricos e, subsequentemente, dos insights normativos (p. 102). Poderia se pensar, por exemplo, que os gestores dos fundos individuais têm limites - algumas vezes o

inferior e na maior das vezes o superior - para a composição dos portfólios dentro dos quais podem decidir livremente. Isso dificulta a tarefa do regulador quando há necessidade de qualificar determinados atos como irregulares, tais como os casos considerados por Gaspar, Massa e Matos (2006).

Outra fonte de fricção pode ser a inércia organizacional (HANNAN e FREEMAN, 1984). Segundo Hill e Jones (1992) essa inércia pode dificultar a alteração de rotinas e procedimentos de monitoramento e dos contratos nos diferentes níveis da relação principal- agente. Pode-se pensar na matriz de um banco que impõe padrões determinados de comportamento às suas subsidiárias de administração de portfólios. Assim, existe toda uma estrutura definida que não muda facilmente quando algum investidor manifesta sua inconformidade com algum processo ou situação. Essa situação pode conduzir a problemas de seleção adversa em que não necessariamente sobrevivem as companhias mais eficientes.

A assimetria de informações pode ser considerada outra fonte de fricção, particularmente a relacionada com a divulgação da composição dos portfólios dos fundos. Quando tal composição é divulgada, geralmente é disponibilizada com certa defasagem e, algumas vezes, em fontes que não facilitam o acesso ao investidor individual.

Claramente, percebe-se que a presença das famílias de fundos podem ser uma fonte potencial de benefícios como também, em alguns casos, de prejuízos para os investidores de fundos. A diferença entre estas em alguns casos pode originar o que Almeida e Wolfenson (2006) denominam de “custos dos conglomerados”, quando se referem às grandes corporações empresariais.

Assim, em uma nova abordagem teórica sobre esses intermediários financeiros, é necessário considerar problemas de agência, de risco moral e de seleção adversa, considerando um processo dinâmico de inovação financeira e de diferenciação como sua base. Obter valor adicionado parece ser o maior objetivo do moderno intermediário financeiro, e este tem que ser considerado na teoria. Neste novo contexto, segundo Scholtens e Wensveen (2000), a indústria de fundos de investimento tem que ser vista não como de desintermediação financeira, mas como um novo tipo de intermediário financeiro, envolvido em proporcionar serviços de transformação financeira (risco, prazo, liquidez).

As pesquisas até hoje realizadas carecem dessa abrangência e são, sobretudo, contribuições isoladas. Por exemplo, Mamaysky e Spiegel (2002) pressupõem que as administradoras atuam

simplesmente como tomadores de ordens dos investidores, o que, como já foi visto, está longe da realidade atual. Berk e Green (2004) desenvolveram um modelo para administradores ativos de portfólio, com base na premissa de que existe um influxo competitivo de recursos dos investidores para os fundos mútuos. Reconhecem que há administradores com habilidades que permitem a geração de retornos extraordinários (embora com retornos decrescentes de escala) e que há um aprendizado de habilidades na análise dos retornos históricos. Talvez, uma modificação deste último modelo que incorpore as famílias de fundos e as múltiplas relações de agência ofereça um futuro promissor de pesquisa.

Taylor (2003) e Makarov (2008), em seu empreendimento de desenvolver uma teoria para os administradores de portfólios, focam o comportamento dos gestores dos fundos individuais para explicar o fenômeno de torneios. Neste caso, se existe o fenômeno de torneios deve-se observar que os ganhadores temporários (por exemplo, no meio do ano) diminuem o risco dos seus portfólios ao passo que os perdedores deveriam incrementá-lo.

Taylor (2005) considera o caso de dois gestores, em que um deles se comporta como benchmark exógeno. O gestor ganhador tenderá a atrelar o seu retorno ao índice de referência, enquanto que o gestor perdedor terá incentivos para jogar (modificar o risco do portfólio por ele administrado). Entretanto, se os dois gestores se comportam de forma ativa, o gestor

ganhador da etapa prévia provavelmente entrará no “jogo”, especialmente quando a diferença

de performance é alta ou quando os títulos oferecem altos retornos e baixa volatilidade. Makarov (2008) indica que neste último caso os ganhadores temporários podem, estrategicamente, escolher uma maior volatilidade, já que desta forma os perdedores, mesmo que realizem a mesma escolha, não conseguirão alcançar sua performance. Claramente, está implícito o pressuposto de que o mercado de capitais é eficiente e que os ativos são remunerados em função do seu risco.

Dessa forma, percebe-se que existem alguns esforços teóricos para estruturar uma teoria de administração de portfólios. Mas este esforço precisa considerar a interrelação dos custos de agência, especialmente os casos de relações principal-agente múltiplas.