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A Matriz Curricular

No documento taniamariamenesesfariasbarbosa (páginas 97-101)

2.2 Performance curricular do PAV

2.2.1 A Matriz Curricular

Delimitando a discussão curricular, considerando-se a seleção de disciplinas que compõem o currículo escolar, vale trazer para análise e discussão a matriz curricular do PAV e a distribuição de seus componentes curriculares, tendo em vista suas especificidades. Com relação aos critérios de seleção dos conteúdos que compõem um currículo, Young (1971, apud Forquin, 1993) defende a existência da lógica de uma relação de poder, e aponta, como um dos critérios que julga atribuir status a determinados conhecimentos, a associação destes com a avaliação formal.

Conforme apresentado no capítulo 1 desta dissertação, dentre os nove componentes da matriz curricular do projeto, distribuídos entre vinte e cinco aulas a serem ministradas semanalmente, quatorze destas são destinadas ao ensino da

Língua Portuguesa e da Matemática. Conforme se observa na Tabela 18, as aulas previstas para estes componentes curriculares são em número significativamente maior em relação às outras sete que compõem a matriz curricular.

Tabela 18 – Número de aulas dos componentes curriculares da Matriz Curricular do PAV – 1º e 2º períodos

Aulas Semanais Aulas Semanais Aulas Anuais Aulas Anuais 1º Período 2º Período 1º Período 2º Período Língua Portuguesa 07 07 280 280 Matemática 07 06 280 240 Ciências 03 02 120 80 Geografia 02 02 80 80 História 02 02 80 80 Educação Física 02 02 80 80 Inglês 02 80 Arte 01 01 40 40 Ensino Religioso 01 01 40 40 Total 25 25 1000 1000 Elaboração da autora

Fonte: Matriz Curricular do PAV – SEE/MG

Conforme a apresentação das disciplinas acima, a Língua Portuguesa e a Matemática ocupam mais de 50% da matriz curricular do PAV. Não se trata, entretanto, de contestar a importância destes conhecimentos para uma atuação efetiva no contexto social contemporâneo requerente de habilidades e competências nas diversas áreas das linguagens, nem tampouco omitir o reconhecimento das dificuldades de aprendizagens básicas de letramento, muitas vezes, observadas nos alunos do projeto, que além da defasagem da idade em relação ao ano de escolaridade que estudam, também apresentam uma aprendizagem defasada, como consequência de sucessivas reprovações e mesmo assim, sem a consolidação dessas capacidades básicas.

De acordo com o Documento Base do PAV, o foco da proposta curricular é o letramento, vindo justificar o número de aulas destinadas ao ensino da Língua Portuguesa, objetivando:

propiciar ao aluno a produção do conhecimento próprio, com ênfase na autonomia e independência intelectual; instrumentalizá-lo para compreender os acontecimentos e as relações sociais, de forma reflexiva e crítica; capacitá-lo a interpretar a realidade para nela intervir; habilitá-lo para conviver ativamente com os contínuos avanços científicos e tecnológicos, bem como possibilitar o seu trânsito pelos conteúdos científicos, de forma ativa e participativa. (Minas Gerais, 2009a, p. 8).

Para uma atuação efetiva na sociedade, se pretende mudanças de realidades não desejáveis, impera a necessidade de sujeitos capazes de inferir, discernir, argumentar, elaborar, colaborar e, portanto, intervir criticamente no contexto social, conforme aludem os pressupostos pedagógicos da proposta apresentada; mas não caberia então, às áreas das ciências da natureza e humanas, por excelência, igual corresponsabilidade pela promoção dessas capacidades? Não estaria esta sobreposição da Língua Portuguesa e da Matemática em relação às demais, tal como denuncia Young (1971), associada à avaliação formal, tendo em vista serem estas as disciplinas, avaliadas tanto pelo SAEB/Prova Brasil quanto pelo PROEB?

No que tange à metodologia proposta pelo projeto, está previsto um trabalho interdisciplinar. Seu Documento Base define que:

Todos os conteúdos serão trabalhados de maneira interdisciplinar, com ênfase na leitura, interpretação e produção de textos, com foco no letramento, utilizando-se de diferentes portadores de textos, quer nos anos iniciais ou finais do Ensino Fundamental (MINAS GERAIS, 2009a, p. 10), (...)

A leitura diária em sala de aula em todos os conteúdos curriculares é de vital importância para o sucesso do aluno no domínio do uso da língua. Da mesma forma, deve-se priorizar a escrita em todas as disciplinas, garantindo-se que o aluno escreva, diariamente, pelo menos um pequeno texto de produção própria, além de dar a ele variadas atividades de expressão oral (MINAS GERAIS, 2009a, p. 10).

Diante desta perspectiva de proposta pedagógica, novamente, importa indagar sobre a necessidade de se estabelecer um maior número de aulas para determinadas disciplinas, já que um trabalho que contemple efetivamente a interdisciplinaridade, com os objetivos claramente definidos sobre o que se pretende

alcançar, não necessariamente deva se pautar na quantidade, mas na qualidade do processo do ensino dos conteúdos. Para Sampaio,

Se é específico da escola o trabalho de conhecimento, é no currículo que se deve buscar a direção central da intervenção sobre o processo ensino-aprendizagem; partindo da seleção cuidadosa de conteúdos de ensino do currículo do ensino fundamental, o desafio é elaborar uma proposta suficientemente abrangente e favorável à reinserção e continuidade dos alunos no processo de aprendizagem (2000, p. 63).

Nesse sentido, uma distribuição mais equitativa das disciplinas, além de atender a proposta do trabalho interdisciplinar de forma mais efetiva, estaria contribuindo para redução da exclusividade da responsabilidade imputada aos professores de Língua Portuguesa e Matemática pelos resultados da aprendizagem dos alunos. O fato de estas duas disciplinas ocuparem maior espaço na matriz curricular do projeto acaba exigindo mais destes professores, considerando-se ainda serem estas avaliadas pelos sistemas de avaliação externa. Por outro lado, aqueles que ministram disciplinas com menor número de aulas justificam o pouco tempo que têm nessas turmas como um entrave na realização de um bom trabalho, como afirma outro professor entrevistado:

Eu só tenho duas aulas no PAV, não dá pra fazer nada. Meu maior número de aulas é no regular, aí eu dou mais atenção lá. O Estado tinha que garantir que professor do PAV só ficasse com aulas do PAV, com tempo pra pesquisar, buscar novidades, mas com este pouco tempo não dá (E9, 2012).

Tal relato evidencia que a forma pela qual estão distribuídos os componentes curriculares reduz ainda mais o compromisso de alguns professores com a aprendizagem dos alunos do projeto. Esta maior responsabilidade atribuída aos professores de Língua Portuguesa e Matemática, em especial à primeira, tendo em vista o valor dado pela política, ao letramento, foco da proposta curricular, parece ter sido também uma preocupação da SEE/MG, que organizou, em 2010, uma capacitação para todos os professores do PAV. Foram realizadas oficinas de todas as disciplinas, dando-se especial ênfase à leitura em todas as áreas do currículo – “Ler e Escrever em todas as áreas” –, com a intenção de envolver os professores de

disciplinas variadas na proposta de trabalho com a leitura e a escrita. Todavia, foi mais uma ação pontual que não teve continuidade; o professor continua trabalhando individualmente com a especificidade do conteúdo que ministra; a matriz curricular do PAV continua com a mesma distribuição dos componentes curriculares; e os professores de Língua Portuguesa e Matemática continuam com a maior responsabilidade pela aprendizagem dos alunos do projeto.

No documento taniamariamenesesfariasbarbosa (páginas 97-101)