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3 DESENVOLVIMENTO, “SUSTENTABILIDADE” E SERINGUEIROS

3.2 AMAZÔNIA: SUSTENTABILIDADE PARA QUEM?

3.2.2 A mercantilização da natureza

Na condução de uma política neoliberal no Brasil a partir década de 1990 e a partir da ascensão política do Partido dos Trabalhadores ao governo estadual no final desta mesma década, junto com os partidos que compõem a coligação denominada de Frente Popular do Acre (FPA), a nova política de governo no estado do Acre passa a se estabelecer no esteio daquilo que vão chamar de “sonho de Chico Mendes”. Tentando estabelecer uma proposta “consensual” de desenvolvimento com sustentabilidade, voltado ao mercado de bens naturais, os defensores deste modelo, que se apresentam como seguidores e concretizadores do “sonho” do mais famoso líder seringueiro, tentam dar um novo significado ao sonho e à proposta original de Chico Mendes em relação à utilização da floresta pelos seringueiros.

Sob a égide do mercado global e da intensificação do capital privado, sem a interferência estatal, segundo discurso neoliberal, o Brasil passa por reformas estruturais no período correspondente aos dois mandatos de governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e, também, por uma manutenção inconteste desta política neoliberal no governo de Luis Inácio Lula da Silva, em seus dois mandatos (2003-2006 e 2007-2010). Nesse contexto, foi orquestrado um processo de convencimento e de valorização das “regras de mercado” na condução econômica do país, como único caminho possível para a consolidação e sustentação do Brasil no mercado global.

Na Amazônia, essa primazia do econômico sobre o ambiental, centrada num discurso de sustentabilidade, começou a ser constituída de maneira concreta a partir da criação, em 1992, do PPG7 (Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do Brasil) pelos países mais ricos do mundo. Um programa que vinha gradativamente se constituindo a partir do início desta década, uma vez que a relação entre a cúpula dos países mais ricos do mundo e os movimentos ambientalistas, e setores voltados à conservação ambiental entram em sintonia (RETRATOS..., 2007, p. 447). É com o PPG7 que as experiências de exploração “sustentável” passam a ser aplicadas constantemente na Amazônia.

Em face do exposto, segundo Paula (2005), é neste contexto geral que a natureza passa a ser contingenciada pelos interesses de mercado, estando subordinada aos interesses de capitais privados transnacionais. Neste aspecto, para Paula (2005), a relação antagônica entre exploração econômica e preservação, que se configurou no Acre nos conflitos das décadas de 1970 e 1980, não mais se apresentava à realidade. Para o pesquisador, a definição hegemônica que se processava agora era em torno das escolhas entre “alternativas de desenvolvimento” que consigam conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

A aplicação do modelo de “desenvolvimento sustentável” na Amazônia, especificamente no Acre, sustentado pelo discurso de que a proteção só é possível quando atribuímos valor, neste caso econômico, à natureza, tem na exploração madeireira o produto central e potencialmente viável para fins de mercado. É a partir da vitória eleitoral em 1998 da FPA para o governo estadual que a centralidade das lutas existentes nas décadas de 1970 e 1980 contra a expansão do capital na Amazônia acriana e em defesa da floresta, e dos povos que a habitam, é inflexionada com intensidade para uma política de governo centrada na comercialização daquilo que outrora os seringueiros lutavam para preservar, ou seja, a própria floresta.

No âmbito jurídico, o processo de mercantilização da floresta no Acre é iniciado com a Lei 1.426/2001, que instituiu o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas e a Concessão Florestal. Em época de hegemonia neoliberal, a lei se manifesta propícia ao uso privado de florestas públicas. Concedidas pelo Estado, as florestas destinadas à prática de manejo madeireiro são transformadas em florestas públicas para em seguida serem privatizadas e destinadas à extração privada de madeira. Outro ponto interessante é que estas florestas públicas não estabelecem critérios diferentes em relação à existência ou não de moradores. O que determina a exploração é o potencial madeireiro.

No que diz respeito à aplicação do Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS) no estado do Acre, este é implantado a partir de um Contrato de Empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de número 1399/OC-BR, em 23 de julho de 2003, cujo valor estimado girava em torno de US$ 108.000.000,00. Um contrato que, para ser viabilizado, foi precedido de várias outras leis no intento de melhor condicionar o que seria acordado:

[...] Lei 1.361/00, que institui a Política de Incentivo Tributário para Empresas Cooperativas

e Associações de Produtores dos Setores Industrial, Agroindustrial, Florestal, Extrativo Vegetal e Industrial Turística; Lei 1.359, que autoriza o Poder Executivo a dispor de bens móveis e imóveis, de sua propriedade, de forma vinculada à aplicabilidade de sua Política de incentivo às atividades industriais, visando o desenvolvimento sustentável do Estado, e a Lei 1.351/00, que autoriza a criação da Agência e Negócios do Estado do Acre-ANAC [...] (SOUZA, J., 2008, p. 122).

A aplicação do PDS potencializa a exploração madeireira. Com um patrimônio natural de “6 milhões de hectares com aptidão e acessibilidade para a produção florestal sustentada, o que representa, [...] uma economia florestal de 1 bilhão de dólares/ano [...]” (SOUZA, J., 2008, p. 135), a madeira das florestas acrianas tem no PDS a proeminência de serem apropriadas como bens de capital direcionadas ao mercado. Para João José Veras de Souza (2008), embora a proposta síntese do PDS coloque o conceito de sustentabilidade voltado à sustentabilidade econômica, à sustentabilidade social, à sustentabilidade ambiental e à sustentabilidade cultural, o que realmente se verifica é uma notória ausência de como estabelecer objetivos comuns entres as diferentes sustentabilidades, visto que há uma supremacia do viés econômico sobre as demais.

Como se observa, a aplicação do PDS no Acre tem um processo sistemático de leis que viabilizaram sua aplicação. Na verdade, tanto em âmbito internacional, quanto nacional, vinham se constituindo diversos direcionamentos que favoreciam a aplicabilidade desse modelo exploratório de madeiras. Um desses direcionamentos corresponde à orientação aprovada pela ONU em 1997, em que concede terras públicas para o uso “sustentável” de exploração madeireira (RETRATOS..., 2007, p. 448). No Brasil, os direcionamentos políticos correspondentes a este processo iniciam-se no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e continuam no governo de Lula. Um exemplo desta continuidade é quando Lula sanciona a Lei 11.284, no dia 02 de março de 2006, que regulamenta a concessão de terras públicas num período estimado de 40 anos. Uma Lei que em 2002, por pressão do Grupo de Assessoria do PPG7, foi enviada por FHC ao Congresso Nacional e no decorrer de seu processo legislativo foi reformulada. Uma das mudanças foi em relação ao tempo de concessão das florestas (no projeto original, o tempo estipulado era de 60 anos), e outra foi o veto feito por Lula

numa emenda aprovada pelo Congresso, que “exigia que qualquer concessão de áreas superior a 2.500 hectares teria que ter aprovação do Congresso Nacional” (RETRATOS..., 2007, p. 448).

No caso do Acre, quando defendemos que a sustentabilidade econômica e não a ambiental é que determina a atual política desenvolvimentista, estabelecendo um processo de mercantilização da natureza, queremos deixar claro que não é a partir deste contexto que se introduz a lógica de mercado aos bens naturais da Amazônia. Neste caso, consideramos importante apresentar, de maneira bastante concisa, que todo o processo de ocupação e formação da Amazônia, incluindo o Acre, esteve centrado nos interesses econômicos e na atuação do Estado. Assim, de início, para diferenciar os contextos a serem apresentados, cabe ressaltar que a lógica de mercado que se configura atualmente é de novo tipo, muito mais destrutivo que as anteriores. Visto que, além de colocar em “xeque” a destruição da Amazônia, consegue estabelecer uma hegemonia (no sentido gramsciniano) em torno deste modelo desenvolvimentista, bem diferente do que ocorreu com o projeto do regime militar. Temos então um desígnio desenvolvimentista totalmente capitaneado pelo Estado, o que não ocorreu durante o período militar, devido à inexistência de um consenso ativo.

Nos tempos áureos de exploração gomífera, a exemplo dos preceitos do liberalismo, a exploração centrava-se numa ordem internacional de mercado, estabelecendo uma rede de intermediação fundada nas relações mercantis de produção, com as casas aviadoras, que abasteciam toda a cadeia produtiva da borracha, sendo financiadas por empresas que se localizavam em Londres, na Inglaterra. Neste período, a atuação do Estado centrava-se na arrecadação de tribunos da produção gomífera, colocando-se “à parte” no que tange à questão produtiva. No segundo ciclo da borracha, as necessidades de guerra e o abastecimento das indústrias estadunidenses se constituíam como fontes propulsoras na reativação dos seringais e no comércio de borracha na Amazônia. Neste contexto, o Estado passa a desempenhar um papel de “dirigente”, na qualidade de viabilizar a mão de obra produtiva, e o mercado estadunidense, via governo, estabelecia os incentivos produtivos. Por fim, na época correspondente ao regime militar, período de expansão e intensificação do capital na Amazônia, o Estado passa a atuar de maneira direta, incentivando uma exploração mercantil pautada na exportação industrial de base agrícola e negando o extrativismo.

Pelo exposto, ao relacionarmos os dois primeiros ciclos da exploração gomífera com a realidade amazônica no que tange às questões ambientais, observamos que “estes ciclos, [...] não devastaram

a Amazônia pelo desflorestamento devido a suas características extrativistas, não-predatórias” (GUIMARÃES, 2011). Ou seja, sua organização produtiva não ameaçava a floresta e seus moradores, dado que havia a necessidade de manter as árvores de seringueiras vivas, o que levava à não-destruição da área verde e de seus moradores, embora suas condições de trabalho e de vida fossem degradantes, como já foi colocado no capítulo II deste trabalho. Já no período militar, com a aplicação na Amazônia de uma lógica de exploração pautada no progresso a qualquer custo para a expansão do capital, o contexto se modifica substancialmente. A destruição da floresta e a expulsão dos seringueiros de suas terras passam a ser práticas recorrentes. Entretanto, no Acre, esse processo de expropriação dos seringueiros e destruição ambiental, como já foi colocado no capítulo anterior, é freado. A organização e a forte resistência dos seringueiros, ao proporcionar a preservação da floresta através das reservas extrativistas, apresenta ao mundo um exemplo emblemático, que nega o progresso econômico para a Amazônia pela via destrutiva.

Ao compararmos o período correspondente a este modelo de desenvolvimento pautado no progresso a qualquer custo com o atual modelo de desenvolvimento, o “sustentável”, no que tange ao papel central do seringueiro em relação à floresta amazônica, observamos diferenças anacrônicas. Enquanto, num primeiro momento, os seringueiros organizados em sindicatos no estado do Acre negavam a destruição e a mercantilização da natureza, tendo a consciência de que a preservação da floresta garantia sua sobrevivência, observamos, na atualidade, uma inflexão substancial em relação a esta questão. Agora,

vários setores do sindicalismo rural defendem a extração comercial

privada de madeira como garantia de conservação ambiental (ponto que trabalharemos pormenorizadamente no próximo capítulo).

Uma das grandes questões em torno do manejo “sustentável” de florestas refere-se a sua real eficácia. Um debate que, para os seus grandes defensores, os engenheiros florestais, se apresenta de maneira insignificante. Afinal, é na engenharia florestal que encontramos profissionais “treinados” para a defesa do manejo, segundo nos destaca Freris e Laschefski (2011, p. 04):

A engenharia florestal é considerada uma ciência que justifica a interferência nos ecossistemas florestais, representando agora a base da política florestal de institutos de pesquisa, ONGs ambientais e agências de financiamento

internacionais. Contudo, engenheiros florestais são treinados principalmente para a produção madeireira, o que significa, na prática, a derrubada de árvores. Assim, acabam sendo a justificativa técnica e científica para as atividades da indústria madeireira.

Essa análise de Freris e Laschefski é mais um dos exemplos sintomáticos que podemos tomar em relação à guinada comercial dos bens naturais. Não é por simples coincidência que a implantação do PDS no Acre teve como principal agente condutor o governo estadual na gestão do engenheiro florestal Jorge Viana, em seus dois mandatos (1999-2002 e 2003-2006). O ex-governador se apresentou – e ainda se

apresenta36 – como o grande defensor e um dos porta-vozes mundiais da

“viabilidade” e “eficácia” do “desenvolvimento sustentável”. À custa de gastos com campanhas publicitárias e aparições midiáticas bem orquestradas, o Acre é apresentado por Viana e seus seguidores como um estado modelo, resultante de um desenvolvimento economicamente viável e ambientalmente sustentável.

[...] o Governo, que assinou o contrato de empréstimo e executou o Programa [de Desenvolvimento Sustentável], passou, nos seus primeiros 4 anos de execução, 8 anos sob a fachada de “Governo da Floresta”, do desenvolvimento sustentável e da Florestania, seu plano de mídia diária, seu grito de guerra para abafar o canto do verdadeiro intento: “Governo do Desenvolvimento Econômico”, ou melhor, Governo da Sustentabilidade Econômica (SOUZA, J., 2008, p. 134).

Outro aspecto bastante curioso desse incessante trabalho midiático de persuasão é a taxação estabelecida a qualquer crítica conduzida a este modelo de desenvolvimento. Para seus defensores, discordar da “sustentabilidade” por eles defendida é estar a favor do “atraso” do Acre, é estar, de certo modo, à margem da compreensão da nova realidade político-econômica proveniente da nova ordem mundial.

A despeito de toda tentativa de mostrar, ou melhor, de convencer que o modelo de desenvolvimento aplicado é o mais eficiente para a

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preservação da floresta Amazônia, a realidade concreta, quando revelada, demonstrou dados divergentes com o discurso. Numa pesquisa encomendada pelo próprio governo do Acre ao IMAZON (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), foi constatado que houve um aumento significativo na média anual de desmatamento no estado do Acre a partir do ano 2000, segundo ano de governo da FPA, liderado pelo PT.

O desmatamento bruto no Acre passou de 6.149 km2 em 1988 para 16.618 km2 até 2004, representando um aumento de 10.469 km2 de áreas desmatadas em 16 anos. Isso significa uma perda anual média de 650 km2 de florestas por ano neste período. No período de 1994 a 1999 o incremento anual de desmatamento ficou em torno da média desde período [sic] (654 km2/ano). A partir do ano 2000 observa-se um aumento de 34% no incremento anual médio do desmatamento (878 km2/ano) (SOUZA JR. et al., 2006, p. 19, grifo nosso).

Neste estudo, observa-se que entre os anos de 1994 e 2004 a média de incremento anual de desmatamento ficou em torno de 766

Km2. Nesse período houve variações na média anual em relação ao

incremento de desmatamento. O menor incremento foi estabelecido

entre os anos de 1994 e 1998, com uma média anual de 340 Km2. Já o

“último incremento registrado de 2003 a 2004 chegou a quase 1.000

km2 de florestas desmatadas” (SOUZA JR. et al., 2006, p. 22).

Cabe destacar que parte do período referente à pesquisa do IMAZON corresponde a 6 anos do governo de Jorge Viana, a 3 anos da Lei 1.426 que instituiu o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas e a Concessão Florestal e a 1 ano e meio do contrato de empréstimo com o BID para a aplicação do PDS. Sendo constatado que no período posterior ao ano 2000 todos esses fatores não proporcionaram a diminuição do desmatamento.

A reação do governo do estado foi bastante incisiva em defesa do manejo madeireiro. Jorge Viana direciona um ataque ao pequeno produtor na tentativa de inocentar a prática comercial de madeira sob a insígnia do manejo. Segundo nos apresenta Israel Souza (2012, p. 15), “quando os números desse estudo vieram à luz, [...] Jorge Viana se apressou em defender o manejo e culpar pequenos agricultores”. Em defesa, Viana esbraveja: “O manejo não pode pagar essa conta. O que

ocorreu foi um grande financiamento para pequenos agricultores, que investiram em seus roçados” (SOUZA, I., 2012, p. 15).

O relatório do IMAZON não foi a primeira constatação empírica divulgada referente ao aumento do desmatamento no Acre. Em 2003, com base em fotos de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foi verificado que o desmatamento no Acre havia aumentado, alcançando um ritmo de devastação em torno de dezesseis campos de futebol por hora. Um aumento bastante significativo para um governo cujo slogan era “Governo da Floresta”.

O aumento do desmatamento observado pelo INPE virou notícia na revista “Veja”, edição 1821, de 24 de setembro de 2003. A revista produz uma matéria intitulada “O crime da motosserra”, na qual tecia fortes denúncias ao aumento do desmatamento na Amazônia acriana a partir da gestão de Jorge Viana. Ante as repercussões da matéria, o governo do estado passa a negar veementemente os resultados constatados pelo INPE e solicita uma auditoria dos dados. O resultado obtido desta auditoria é, no mínimo, curioso. O que, de início, acreditava-se ser em áreas devastadas, após pedido de auditoria, é propalado que os satélites haviam confundido bambuzais nativos com áreas devastadas (resultado divulgado na Revista Veja, edição 1850, seção Holofote, de 21 de abril de 2004). Neste caso, o resmungo de Viana surtiu efeito, e o desmatamento “virou” bambuzal.

A revista Veja também noticiou os resultados obtidos pela pesquisa do IMAZON. Sob o título “E agora, Viana?” (Veja, edição 2003, de 11 de abril de 2007), o jornalista Leonardo Coutinho (o mesmo que assinou a matéria “O crime da motosserra”) informa os resultados referentes ao aumento do desmatamento durante os primeiros seis anos de mandato de Jorge Viana (veja figura 3), enfatizando que, de todo o desmatamento que ocorreu até aquele momento no Acre, a gestão de Viana foi a responsável por um terço. Agora, a reação do governo é tímida. O governo estadual, sob a gestão do sucessor e partidário de Viana, o Sr. “Binho” Marques, divulga apenas uma nota na imprensa local, manifestando que há a necessidade de uma avaliação mais precisa dos dados. O interessante dessa vez é que os dados sobre o desmatamento não tiveram nenhuma metamorfose súbita.

Figura 3 – Tabela do IMAZON apresentada pela revista Veja referente à área total desmatada entre os anos de 1996 e 2004

Fonte: COUTINHO, L., 2011.

Apesar das constatações no aumento do desmatamento, o “Governo da Floresta” e aqueles que o sucederam, sempre tiveram uma estratégia bem definida em relação ao modelo de desenvolvimento proposto. No entanto, a eficácia do manejo florestal sempre se apresentou, até para seus defensores, como uma grande incógnita. Um exemplo bastante expressivo é a fala do Superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Sr. Anselmo Forneck, que ao ser questionado sobre a viabilidade do manejo, responde, conforme nos apresenta Israel Souza (2012, p. 15): “[...] o manejo, eu sempre digo: é uma incógnita, ainda. É uma atividade econômica em curso há muito pouco tempo e eu acho que é muito prematura uma opinião fechada em relação a este assunto”.

As incertezas em torno do “sustentável” é uma demonstração emblemática de que a preservação ambiental não está garantida. Na verdade, não há como harmonizar preservação ambiental e apropriação de bens naturais para fins de mercado. O meio ambiente sempre sai derrotado nesta relação, pois a prioridade está do outro lado. A supremacia do mercado é o que predomina neste modelo. Assim, podemos considerar que, enquanto houver a lógica do modo de produção capitalista imperando, os moradores da floresta e todo o ecossistema que o circunscreve estão ameaçados.

Pelo exposto, se colocarmos o “desenvolvimento sustentável” como o salvador da Amazônia, estaremos negando a verdadeira sustentabilidade que há tempos é praticada pelos povos da floresta, estaremos excluindo as potencialidades não degradantes realmente possíveis.

Em contraste ao conceito ideológico atual da “vocação florestal”, os sistemas de uso da terra pelos povos indígenas, ribeirinhos e povos tradicionais em geral, valorizam uma floresta intacta, que precisa ser preservada para continuar a render uma diversidade enorme de produtos e serviços. Representam uma eficiência e uma sustentabilidade que a indústria madeireira nunca conseguirá alcançar. O “desenvolvimento sustentável” não requer a transformação de povos tradicionais em trabalhadores florestais, mas requer que pessoas com a intenção de criar economias sustentáveis para a região, aprendam a partir do vasto conhecimento dos povos da floresta e comecem a entender suas necessidades. Existe uma diversidade enorme de produtos não madeireiros que podem formar parte de economias justas e sustentáveis, incluindo castanhas, óleos essenciais, guaraná, plantas medicinais, babaçu, mel, artesanato, frutas e legumes com mercados já estabelecidos. A diversidade dessas alternativas cria menos dependência de monopólios econômicos e as vicissitudes dos mercados globais. Essas economias locais são de uma escala que facilmente supera o retorno econômico da indústria madeireira. Se os investimentos dedicados ao “manejo sustentado” de madeira fossem direcionados, por exemplo, à apicultura, o mel logo viraria a “vocação” da região. Na verdade, não existem inevitabilidades para uma certa atividade na Amazônia (FRERIS; LASCHEFSKI, 2011, p. 04).

A crítica ao modelo de “desenvolvimento sustentável” aplicado na Amazônia não é um simples devaneio de pessoas contrárias à gestão governamental ou ao desenvolvimento proposto. Várias pesquisas são feitas questionando a viabilidade ambiental e humana deste modelo