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AMAZÔNIA: DESENVOLVIMENTO PARA QUEM E PARA QUÊ?

3 DESENVOLVIMENTO, “SUSTENTABILIDADE” E SERINGUEIROS

3.1 AMAZÔNIA: DESENVOLVIMENTO PARA QUEM E PARA QUÊ?

Historicamente, a Amazônia se apresentou como um grande obstáculo a ser superado. Portugueses na Amazônia brasileira e hispânicos nas demais regiões da floresta tropical viam a imensa floresta e seus nativos (indígenas), ante os anseios de dominação e exploração, e o vislumbre econômico, como empecilhos a serem superados.

No Brasil, esse processo de dominação e expansão, que estava germinando no solo amazônico, provocou consequências terríveis aos indígenas. No início, a escravização dos nativos, amparada pelas ações missionárias jesuíticas através da catequização e, consequentemente, o seu extermínio, por resistirem às investidas impetuosas dos invasores, foram as ações centrais da expansão portuguesa na região. Posteriormente, mais especificamente a partir do século XIX, a intervenção na Amazônia foi condicionada por um processo de vinculação da grande floresta às economias capitalistas hegemônicas mundiais. Um novo processo que teve, no decorrer dos tempos, variações de intensidade e de expansão, tanto nas práticas exploratórias quanto nos efeitos socioambientais.

É através do modelo de exploração colonial português que temos o primeiro grande processo de intervenção estrangeira na região. Convergindo à ordem econômica do mercantilismo, a primeira prática econômica dos lusitanos estava direcionada na busca por ouro ou prata. Uma prática logo abandonada devido à ausência, num primeiro momento, desses metais. Ante a fracassada tentativa de extração mineral, a atenção dos exploradores dirige-se agora para a exploração de outros bens naturais, incluindo, neste caso, o índio. Iniciada a prática extrativista na região, temos um processo de formação social na Amazônia centrado na exploração humana dos nativos amazônicos. Neste caso, mesmo sob o olhar vigilante do explorador, a relação entre o dominante e seu subjugado nunca teve por característica a harmonia positivista, ou seja, a resistência sempre foi o guia central dos índios diante dos anseios de dominação dos colonizadores. Uma resistência que, ao dificultar as pretensões dos portugueses, provocou uma violenta ação de extermínio, que não se processava apenas no genocídio sistemático dos nativos, mas na “domesticação” destes povos

originários, através da interferência dos jesuítas via catequização indígena.

A ação missionária era um estágio e complemento próprio do processo militar de usurpação e ocupação do território nativo, e se desdobrou, ao longo disso, em uma disputa entre colonos religiosos e civis por trás da qual estava uma coisa só – o uso do índio como fôrça [sic] de trabalho e mercadoria – o que justificava, em nome disso, a sua escravização e o seu extermínio (LEAL, 1991, p.05).

No século XVIII, o desenvolvimento do capitalismo industrial em sociedades como a inglesa e a francesa, gerando riquezas sob a forma de capital acumulado, proporcionou que países como, por exemplo, a Inglaterra, se postassem na dianteira da condução política hegemônica mundial. Ante o exemplo inglês, Portugal, capitaneado pelo Marques de Pombal, tenta modernizar sua estrutura produtiva colonial no intuito de superar sua inferioridade em relação aos países industriais. Esse projeto modernizador português atinge diretamente a região amazônica, estabelecendo um reordenamento nas divisões políticas e um ataque ostensivo aos privilégios dos jesuítas. No sistema de trabalho é estabelecido o Diretório como ato regulatório, na tentativa de disciplinar/domesticar a mão de obra indígena. Na lógica produtiva de eficiência, havia a necessidade de uma mão de obra indígena convergente com a estrutura organizacional do sistema de trabalho, o que impôs aos indígenas “seguir” o “modo de vida europeu”, levando-os a um intenso processo de descaracterização cultural.

O Diretório é um marco na busca do Estado português em promover no domínio colonial, uma reforma dos costumes que prescindisse da violência física, e acentuasse o uso de métodos suaves e brandos com os indígenas, a fim de que a mesma não se degenerasse em desespero e horror que dificultasse a inserção dos mesmos nos cálculos políticos, econômicos, e administrativos propostos no escopo da reforma pombalina (SANTOS, L., 2007, p. 392, grifo do autor).

A partir do século XIX, com a consolidação e fortalecimento da produção industrial na Europa, a Amazônia se apresenta como espaço de interesse para a ciência. A convergência entre progresso econômico e conhecimento científico para acumulação de capital terá na Amazônia um enorme manancial em potencial de bens naturais para a produção industrial. Uma potencialidade em matéria-prima que, na ótica capitalista, não poderia estar fechada à produção e ao comércio de mercadorias. Nesse contexto, iniciam-se na região pesquisas em busca de elementos que poderiam ser utilizadas no processo produtivo industrial. Nesta ânsia econômica, a borracha se fixa como uma matéria- prima imprescindível e de grande valor na ordem produtiva internacional capitalista.

Assim, a borracha que o próprio Colombo conhecera, por ver, no Haití [sic], os índios jogando com ela, e com a qual, portanto, a colonização ibérica convivera por duzentos e cinquenta [sic] anos sem aproveitar como matéria prima, após revelada à sociedade capitalista por La Condamine32 tornou-se, ràpidamente [sic], objeto de ensaio com vistas ao seu aproveitamento produtivo. A sequência [sic] das descobertas que se obtiveram sôbre [sic] ela tem como marcos a de Macintosh, em 1823, que patenteou tecidos impermeáveis, e Charles Goodyear, em 1839, que descobriu e patenteou o seu tratamento térmico à base de enxôfre [sic] – a vulcanização – que ampliava as propriedades que tinha in natura, tornando-a mais forte, mais resistente e mais elástica. A borracha, como recurso da Natureza, dava uma extraordinária contribuição ao desenvolvimento e ao avanço das fôrças [sic] produtivas. Essa sua contribuição ainda seria ampliada, mais tarde, em 1888, por Dunlop, um veterinário escocês, que descobre a câmara de ar, objeto que tornava os rodados da época muito mais macios, e que iria se popularizar, logo

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La Condamine é matemático por formação e foi o chefe expedicionário da primeira visita científica moderna na Amazônia no século XVIII. A expedição de La Condamine contribui de maneira sistemática para o conhecimento da biologia regional (LEAL, 1991).

depois, com o advento das bicicletas e automóveis (LEAL, 1991, p. 13, grifo do autor).

O ciclo comercial da borracha natural na Amazônia fez gerar transformações na estrutura socioeconômica da região. Por um lado, observa-se a existência de uma camada de pequenos e grandes comerciantes e proprietários, além de empresários extrativistas e funcionários de toda esfera pública; e, por outro lado, trabalhadores seringueiros. Já os indígenas que ainda restavam foram forçados a migrar e se isolar em áreas de fronteira nos países que constituem a Amazônia continental. Esta foi a única opção que restou a estes povos, visto que nestas regiões de fronteira, os efeitos do poder colonial e, posteriormente, da expansão capitalista, ainda não havia chegado até aquele momento.

Com o fim do primeiro grande ciclo da borracha na Amazônia devido à entrada da produção gomífera asiática no mercado mundial, a região amazônica perde “por completo a aura aparencial de prosperidade que havia travestido” (LEAL, 1991, p. 18), ficando à mercê de sua própria condição até meados do século XX, quando há, mesmo efêmero, o reavivamento da produção de borracha na região em virtude do fechamento da produção asiática pelos japoneses no período correspondente à Segunda Guerra Mundial.

A necessidade de ampliação produtiva em nível mundial do capitalismo no pós-guerra, devido, principalmente, à expansão do socialismo real na Europa oriental, condicionou os países capitalistas, sobretudo os Estados Unidos, a adotarem, ante países sequazes, estratégias voltadas ao fortalecimento e ao direcionamento ideológico e produtivo do capital, bem como uma postura de contraposição ao inimigo vermelho. Neste processo, o ideal desenvolvimentista se apresenta como caminho propício para os direcionamentos de acumulação de capital. Nessa linha de argumentação, conforme nos coloca Aluízio Leal,

[...] tornava necessário pro-duzir [sic] um chamariz ideológico que convidasse as sociedades subordinadas a aderirem ao projeto capitalista, e que surgiu sob a forma do convite ao Desenvolvimento (LEAL, 1991, p. 19, grifo do autor).

A inclusão do Brasil nesta matriz ideológica desenvolvimentista burguesa promove diversas mudanças estruturais para viabilizar a apropriação e a exploração das riquezas nacionais, sobretudo na Amazônia. Com a chancela do Estado brasileiro, grandes “investimentos” agroflorestais, pecuários, minerais, energéticos e industriais, são implantados na região. A partir de então, a imensa floresta, que até a década de 1960 possuía algo em torno de 1% de sua área florestal modificada, passará os próximos 40 anos por um intenso processo de intervenção e destruição, alcançando na década de 1990 algo em torno de 17% de área devastada.

No que tange a seus moradores, sobretudo os extrativistas, a expulsão de suas terras se apresenta como cartão de visita deste modelo de desenvolvimento, obrigando muitos, isto quando a resistência não se apresentava como uma alternativa real como ocorreu, por exemplo, no Acre, a migrarem intensamente para a última fronteira de sobrevivência, ou seja, as periferias das grandes cidades da Amazônia.