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A Mesorregião do Agreste de Pernambuco – caracterizações

CAPÍTULO III – Costumes em Comum no Agreste de Pernambuco

3.1. A Mesorregião do Agreste de Pernambuco – caracterizações

Nos estudos sobre a Feira da Sulanca encontramos com frequência a referência ao Agreste de Pernambuco como se território homogêneo fosse. Sendo o Agreste uma região intermediária entre a Zona úmida do Litoral/Mata e o Sertão seco, é por natureza diversificada, não é só caatinga e nem é só pecuária. Trata-se de uma região permeada de

brejos, ilhas de umidade, microclimas que permitem culturas diversificadas, como:

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e, também, café. Na descrição de Manuel Correia de Andrade (2005, p. 153), “o Agreste tem relevo movimentado e os brejos são frequentes”. Da mesma forma, encontramos um mercado de serviços na área de lazer, turismo, gastronomia, hospitalidade, devido ao clima ameno e ao artesanato diferenciado. Portanto, que Agreste é esse que abriga esse fenômeno produtivo-comercial? Acreditamos que este termo carece de maior precisão. A Mesorregião do Agreste de Pernambuco é composta de seis Microrregiões (IBGE, 2011). São elas: Alto Capibaribe; Médio Capibaribe; Vale do Ipojuca; Brejo Pernambucano; Garanhuns; Vale do Ipanema. A Microrregião do Alto Capibaribe está inserida na Região de Desenvolvimento do Agreste Setentrional do mapa abaixo.

Figura 28: Mapa do estado de Pernambuco. Imagem: Condepe/Fidem

(http://www2.condepefidem.pe.gov.br/c/document_library/get_file?p_l_id=78583&folderId=141847&name=DLFE- 11996.pdf).

Essa classificação é normalmente baseada na bacia hidrográfica cujo ecossistema endêmico molda o perfil do povo. Temos na História inúmeros exemplos disso: os povos do Vale do rio Nilo, do Tigre; do Eufrates etc. O rio é a fonte da vida de uma região e a partir dele são desenhados os costumes pelas pessoas ao seu entorno. Os rios do Agreste, na sua grande maioria, não são perenes e, é nesta particularidade que se encontra a especificidade dos costumes dos povos que habitam regiões de estiagem. Eles precisam desenvolver estratégias outras, independentes de uma fonte de vida temporária, ou seja, dos seus rios que são intermitentes. Por consequência, esses povos são obrigados frequentemente a migrarem para outras regiões, em tempos de estiagem prolongada, em busca de atividades que garantam sua reprodução social, nos termos de Marx (1950). Por

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conseguinte, a migração para outras áreas que lhes assegurem a sobrevivência em tempos de seca é uma estratégia recorrente.

A cidade de Santa Cruz do Capibaribe pertence à Microrregião do Alto Capibaribe (IBGE, 2011). E por que Alto Capibaribe? Porque é lá que nasce o rio Capibaribe (Fig. 29), o mesmo rio que corre tão caudaloso no centro da capital do estado, Recife, sob suas pontes. Durante seu trajeto em direção ao Oceano Atlântico, o Capibaribe se junta a outros capilares pela Zona da Mata, encontrando, por fim, o rio Beberibe para formar um estuário no Recife e desembocar no mar. A Microrregião do Alto Capibaribe compreende as cidades de Santa Cruz do Capibaribe; Taquaritinga do Norte; Toritama; Vertentes; Vertente do Lério; Santa Maria do Cambucá; Frei Miguelino; Surubim; Casinhas (IBGE, 2011). Poderíamos até ter a pretensão de denominar a população dessa região de o Povo

do Alto Capibaribe.

Figura 29: Mapa da Bacia hidrográfica do rio Capibaribe

Por sua vez, Caruaru, considerada a capital do Agreste, por ser uma cidade que, historicamente, polarizou as atividades de indústria, comércio e serviços, para onde converge toda a população do seu entorno, pertence à Microrregião do Vale do Ipojuca (inserida na Região de Desenvolvimento do Agreste Central do mapa da figura 28), outro ecossistema formado em torno do rio Ipojuca (Fig.30), com nascente em Arcorverde, no Sertão, e desembocando na região do Porto de Suape, tendo sido importante caminho das

boiadas nos primórdios da colonização do interior do Nordeste brasileiro.

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em altitude média entre 400 a 800 metros, também conhecido como Serra das Ruças5, é

uma região montanhosa no interior do Nordeste brasileiro e se estende pelos estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas (IBGE, 2011).

Figura 30: Bacia hidrográfica do rio Ipojuca Fonte: Secretaria de Recursos Hídricos e Energéticos

O município de Santa Cruz do Capibaribe fica situado no limite com o estado da Paraíba e é uma extensão do território chamado de Cariris Velhos, zona de pluviosidade muito baixa, uma das áreas mais secas do Brasil. Na época do Brasil Colônia essa divisão geopolítica de estados não existia. Quando a colonização portuguesa promoveu a interiorização no fim do século XVII, todo esse território que se estendia da Bahia até o meio-norte do Brasil atual pertencia à próspera Capitania de Pernambuco, desde o século XVI, capitaneada primeiramente por Duarte Coelho, como visto em Josué Fereira (2001), Capistrano de Abreu (1975), Manuel Correia de Andrade (2005), Nelson Barbalho (1974). Pela região do Agreste passavam os caminhos das boiadas, dos currais, sempre margeando os rios até os mais remotos rincões dos sertões. Depois da expulsão dos membros da Companhia das Índias Ocidentais, na segunda metade do século XVII, a atividade pastoril no interior do Nordeste se intensificou, com o intuito de abastecer a zona canavieira com carne bovina e animais de tração para o engenho de cana de açúcar. A colonização do interior do Nordeste se deu principalmente através de doação de terras

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num sistema chamado de Sesmaria6, também em Ferreira, (2001), Abreu (1975), Andrade

(2005), Barbalho (1974), “aos que se fizessem merecedores do favor real” em Darcy Ribeiro (1995, p. 341), e assim se desenvolveu o clientelismo nos costumes dessa região.

Quando chegaram à área denominada atualmente de Agreste, os colonos encontraram grupos nativos pertencentes à nação Cariri, como afirma Ferreira (2001). Ao contrário do que produz o senso comum, o encontro entre o colonizador português, já mestiço, como assinala Darcy Ribeiro (1995) e Gilberto Freyre (2000), e o nativo Cariri do Planalto da Borborema, não foi feito só de hostilidades, mas também de arranjos de casamentos, negociações territoriais e produtivas, que possibilitaram ampliar a miscigenação já tão disseminada pela colonização portuguesa. A mestiçagem do colonizador com o nativo indígena no primeiro século da colonização da capitania de Pernambuco foi um fato que se constituiu em regra, tendo início na casa da Governança e logo reproduzido pelas massas de colonos portugueses. Jerônimo de Albuquerque teve uma prole numerosa com a filha do cacique Arcoverde, a princesa Tabajara, de acordo com a pesquisa feita por Almeida (1989). Segundo Argemiro Brum (1998, p. 145), “a mestiçagem contribuiu para atenuar as diferenças e os conflitos e para facilitar o processo de integração”.

Por outro lado, as boiadas são mencionadas como se existissem naturalmente no cenário encontrado pelo colonizador, ao desbravar o interior nordestino como os bisões selvagens nas cenas dos filmes americanos. Porém, de acordo com Darcy Ribeiro (1995), o boi é um animal exótico e foi trazido pelos portugueses das ilhas de Cabo Verde, onde já estava aclimatado para a criação extensiva. O que é nativo é o algodão arbóreo, chamado mocó, cultivado na região e de boa aceitação no mercado mundial. O cultivo desse tipo de algodão se associou bem com o pastoreio, fornecendo a torta de sementes como alimentação para o gado.

6 A sesmaria como tipo de propriedade concedida em terras do Brasil era uma transladação do regime

jurídico português. No reino fora disciplinada sua concessão com a Lei das Sesmarias, datada de 26 de maio de 1375, e baixada por D. Fernando. Seu objetivo era fazer progredir a agricultura, então abandonada como decorrência das lutas internas verificadas. À escassez dos gêneros correspondiam os altos preços dos poucos produzidos. Insuficientes, os gêneros eram também inacessíveis à população. Daí a Lei das Sesmarias, que trazia a finalidade de obrigar os proprietários a cultivarem e semearem as terras; e não o fazendo cederem parte a um agricultor para que realize lavoura. A sesmaria no Brasil se traduzia numa área quase sempre variável. Encontramos concessões de uma légua até 50 léguas ou mais, afirma Fenelon (1974).

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Esses caminhos dos rebanhos eram permeados de pousos para a recuperação da boiada que se transformariam em feiras de gado e, então, em vilas e cidades. As terras da caatinga, menos adequadas ao gado, por serem mais pobres de pastos, foram reservadas aos bodes, também exóticos, e cujos couros tinham muito valor de mercado, como afirma Darcy Ribeiro (1995). Verificamos, então, que a feira, esse mercado batizado por Hart (1973) de informal, se referindo à realidade africana da sua pesquisa, similar à feira do Agreste, é um costume ancestral da região agrestina, e surgiu espontaneamente como condição da história socioeconômica desse povo. Quando Hart (1973), antropólogo social britânico, pensou em informalidade, obviamente tinha como referência o modelo central, cartesiano e formal. No entanto, esses mercados formados durante o período da colonização do interior nordestino, os quais são nosso objeto de estudo, nunca tiveram como referência esse modelo ao qual Hart se refere. Dessa forma, acreditamos que os termos: improvisado (embora tendendo ao estabelecido), temporário (embora tendendo

à permanência) e itinerante (embora tendendo à fixação), caracterizem melhor o nosso

objeto de estudo.

Portanto, essa realidade de produção agropastoril aliada ao roçado de subsistência necessitava da mão de obra de toda a família, costume já praticado pelos nativos em seus clãs. Mesmo assim, a renda não era suficiente para a sobrevivência básica do núcleo familiar dos moradores dos grandes latifúndios ou dos pequenos proprietários e, dessa forma, vendia-se ou trocava-se algum excedente nas feiras de gado, para complementar a renda familiar, argumento de Darcy Ribeiro (1995), prática inerente aos costumes de base da região. Acreditamos, então, que essa divisão social do trabalho feita no seio familiar com produção domiciliar foi incorporada aos costumes da região, tendo como herança os hábitos dos nativos da região.

Em tempos de estiagem prolongada era compulsório o deslocamento das boiadas em busca de pastos em outras plagas, costume denominado pelos moradores mais antigos da região de retirada. A retirada consistia em deslocar o rebanho, tarefa para os homens da família nuclear e de alguns parentes próximos, junto com algumas mulheres as quais se ocupariam em preparar a comida e das tarefas domésticas, no acampamento montado junto ao açude que iria proporcionar a sustentação dos animais. Então, a migração é um

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garantir a reprodução social: a migração por motivos climáticos e a migração para complementação da renda familiar. Sendo assim, esse mercado improvisado, temporário e itinerante das feiras livres, o trabalho familiar e domiciliar e as migrações, os quais são os pilares do fenômeno produtivo-comercial chamado Feira da Sulanca, estão na base dos costumes do povo agrestino. Vamos, então, tentar analisar cada um desses pilares mais detalhadamente.