• Nenhum resultado encontrado

A MESTIÇAGEM E O PAPEL DA CULTURA PATRIARCAL ENQUANTO

GILBERTO FREYRE

Como afirma Jessé Souza (2003), “Gilberto Freyre é geralmente percebido como o pensador da vida privada cotidiana, como historiador da intimidade, da cultura por oposição ao mundo institucional” (SOUZA, 2003, p. 65). No entanto, alguns dos debates mais recentes têm procurado chamar a atenção para alguns aspectos da obra de Gilberto Freyre que haviam sido completamente negligenciados durante todos estes anos que se seguiram após a publicação e impacto de suas primeiras obras nas décadas de 20 e 30. Neste aspecto, de acordo com Ricardo Luiz de Souza (2007), é possível aceitarmos como válida, hoje em dia, a periodização proposta por Manuel Correa de Andrade (ANDRADE, 1998, p.40), que define a obra de Gilberto Freyre como sendo composta por quatro fases:

Uma primeira fase que vai de 1917 a 1930, baseada na defesa do regionalismo e no estudo da vida social brasileira; uma segunda que abarca os anos 1930 e 1940, quando ele se dedica a estudar a formação da sociedade patriarcal brasileira; uma terceira que abarca as décadas de 1950 e 1960, quando ele postula a existência de uma comunidade luso-brasileira e propõe-se a estudá-la, e uma quarta, quando a modernidade torna-se tema central (SOUZA, p. 173, 2007).

Ainda de acordo com Souza (2007) – mas agora no que diz respeito a uma tentativa de periodização mais diretamente relacionada às diferentes fases de interpretações e leituras que foram feitas da obra de Gilberto Freyre – uma boa caracterização das diferentes fases de interpretação da obra de Gilberto Freyre, seria aquela proposta por Ângela de Castro Gomes (GOMES, 2001, p.32), a qual:

...define três etapas no processo de recepção às obras de Freyre: uma etapa que engloba os anos 1930-1940, quando sua obra “se transforma na elaboração intelectual mais bem acabada das origens sociológicas da harmonia racial existente no Brasil” A segunda etapa, a dos anos 1950-1960, quando tal recepção passa a ser crítica por causa das posições políticas e intelectuais do autor – sendo que a crítica ao autor no período pode ser sintetizada por uma observação de Octávio Ianni (1972, p. 243) que define o mito da democracia racial como “uma expressão ideológica em uma sociedade que não deixa nem pode deixar avançar a democracia”. A terceira etapa, que se inicia nos anos 1980, quando ela passa a ser valorizada como precursora de uma nova história social (SOUZA, 2007, p.173).

A polêmica a respeito do significado da obra de Gilberto Freyre representa um dos capítulos mais controversos e, ao mesmo tempo, mais interessantes do debate sobre a formação da noção de identidade nacional no Brasil. Neste sentido, vários foram os intérpretes da obra de Gilberto Freyre que se esforçaram por atribuir à sua obra um caráter teórico de natureza contraditória. Por um lado, argumenta-se neste sentido que a obra de Gilberto Freyre se mantém atrelada, de alguma forma, a uma interpretação de natureza tipicamente racista sobre a formação da identidade nacional. Por outro, argumenta-se muitas vezes que esta interpretação se manifestaria a partir da construção de uma mística em torno de uma noção conservadora de democracia racial. Interpretações que tenderam, durante décadas, a representar a visão que, nos meios acadêmicos, passou a imperar como sendo uma visão quase como definitiva sobre o sentido social, político e ideológico da obra de Gilberto Freyre para a formação do pensamento social brasileiro. Ou seja, uma visão conservadora e elitista que busca se apegar a uma visão idílica de cultura nacional e regional, de forma a tentar sustentar uma visão ideológica que permitisse a manutenção do status quo das elites regionais decadentes dos engenhos de açúcar do nordeste.

A partir do início da década de 80, no entanto – como demonstra a classificação acima de Ângela de Castro Gomes (2001) – algumas novas interpretações voltadas para uma revisão crítica no que diz respeito aos fundamentos metodológicos da obra completa de Gilberto Freyre, começam a tentar desvendar aspectos considerados mais amplos e sistemáticos de sua obra, as quais haviam ficado no limbo da historiografia acadêmica e intelectual brasileira. Aspectos estes que seriam de fundamental importância para a construção do que consideramos, hoje em dia, como sendo o atual padrão de leitura que se faz sobre a obra do nosso autor.

Uma das revisões principais que giram em torno das novas interpretações, neste sentido, está relacionada à negação de sua suposta filiação estrita à corrente antropológica culturalista americana de Franz Boas (seu mestre confesso). Para muitos existiria na obra de Gilberto Freyre uma influência mais ampla e difusa que perpassa também vertentes modernistas de matriz européias que se fazem presentes durante a década de 20. Perspectivas que teriam exercido forte influência também sobre as suas obras da década de 30 (ARAÚJO, 1994; BASTOS, 2006). Neste sentido, uma das interpretações mais conhecidas no que diz respeito à importância da influência de Franz Boas sobre a obra de Gilberto Freyre – e sobre a forma como o mesmo transita de uma reflexão de viés tradicional, mais fundamentado em raça, para uma abordagem que incorpora o elemento e o discurso culturalista como seu eixo central de análise – é a de Luiz Costa Lima (1989). Para Luiz Lima “Freyre não só não se liberta do

paradigma anterior [racista] como introduz a variável cultural como elemento ancilar em relação ao componente racial, servindo aquela apenas para conferir maior visibilidade a este último” (Lima apud Souza, 2000, p. 214). Posição esta hoje combatida por muitos estudiosos, que tem salientado, como visto anteriormente, a influência de vertentes modernistas européias sobre a obra e Gilberto Freyre.

No que diz respeito ao debate sobre a especificidade ou não da escravidão brasileira, algumas posições se fazem presentes de forma marcante também no debate contemporâneo sobre a obra de Gilberto Freyre. Em primeiro plano, temos a interpretação, hoje já considerada clássica, de Ricardo Benzaquen de Araújo (1994), que em contraposição a muitas das tradicionais interpretações da obra de Gilberto Freyre, defende a perspectiva de que existem diferenças fundamentais entre as visões iniciais do mestre de Apipucos (durante a década de 30) e as posições racistas anteriores a ele. O cerne do argumento de Benzaquen de Araújo, neste sentido, concentra-se na interpretação de que a suposta natureza contraditória de sua obra, seria o reflexo de sua influência neo-lamarckiana, acompanhada de uma visão modernista diferenciada em relação às tradicionais perspectivas que haviam construído a orientação geral do movimento da semana de arte moderna de 1922 aqui no Brasil.

Para a visão de Berzaquen de Araújo, a noção “neo-lamarckiana” de Gilberto Freyre seria a responsável pela aparente dubiedade que levaria vários de seus interlocutores, entre eles o próprio Luiz Costa Lima, a apontarem em suas interpretações uma ambigüidade constitutiva da metodologia da obra de Gilberto Freyre. Condição que, inclusive, o levaria a

uma confusão conceitual, em que suas conclusões se faziam por várias vezes contraditórias. Como afirma Jessé Souza no seguinte trecho:

Efetivamente, a “imprecisão” conceitual é vista [por Benzaquen de Araújo] como um dado constitutivo da argumentação freyriana. No entanto, no desenvolvimento do raciocínio, Araújo constrói uma interessante hipótese explicativa para a presença espúria do componente “raça” em Gilberto Freyre. Freyre teria assimilado uma noção “neo-lamarckiana” de raça, que exigiria a mediação do meio físico, enquanto elemento adaptador capaz de incorporar, transmitir e herdar características culturais. Assim, “raça” seria antes um “produto”, um “efeito”, do que causa da combinação entre meio e cultura. Raça seria uma transformação cultural modificada e adaptada ao meio (SOUZA, 2003, p. 215)

Sobre este ponto, acrescenta ainda Luiz Costa Lima em uma avaliação posterior a respeito da contribuição de Benzaquem de Araújo para a interpretação da obra de Gilberto Freyre. Avaliação elaborada por ocasião da elaboração da apresentação da obra principal de Araújo (1994):

Essa ênfase no sincretismo da interpretação se torna problemático pela maneira como Freyre desenvolve sua argumentação. Como analistas seus anteriores já haviam assinalado, embora CGS se diga fundada em uma interpretação social da cultura, há na maneira de trabalhá-la uma afirmação de lastro étnico, portanto biológico, que a contradita. Benzaquen não nega a imprecisão ou mesmo a ambigüidade conceitual que a reveste, mas busca fazer com que não comprometa a importância de seu objeto. Nessa direção, aponta para a importância do contexto neolamarckiano na caracterização de raça, pelo qual a categoria de estoque biológico, definidor da raça, se torna relativamente maleável à categoria “meio físico”, mais especificamente de clima (LIMA, 1994, p. 10-11).

De toda esta polêmica, o que se deve ressaltar aqui, no entanto, é a importância da influência dos novos fatores modernistas, os quais se atribuem hoje também uma influência determinante sobre a obra de Gilberto Freyre. De um viés nitidamente conservador, Gilberto Freyre passa a ser visto a partir da década de 80, portanto, também como fruto de uma herança modernista de natureza diferenciada em relação à vertente mais “paulista” que irá influenciar a semana de arte moderna de 1922. Como afirma Lima, se referindo à interpretação de Benzaquen de Araújo:

A partir da análise das duas grandes obras de Freyre, do que, em sua interpretações, se torna como constante e mudado na sociedade brasileira, Benzaquen tenta captar qual seria a motivação gilbertiana. Seria, diz o intérprete, não só acadêmica senão que de interferência política. Propósito, pois, poder-se-ia afirmar, retomando a

sugestão inicial da tese que insinua na obra dos anos 30 de Freyre a busca de constituir um modernismo diferente, de contribuir para uma modernidade, não fundada, como a paulista, na idéia de progresso (LIMA, 1994, p. 12)

De uma visão conservadora, a obra de Gilberto Freyre passa a ser vista, hoje em dia, portanto, como uma nova leitura para o sentido da modernização do país. Sem que para isso, no entanto, se perca de vista a sua importância e sentido político mais específico, o qual também representa uma das principais vertentes de re-interpretação de sua obra ao final do século XX.

4.2.1 O sentido político da obra de Gilberto Freyre na formação de um pacto conservador durante a revolução de 30

Em uma das mais recentes interpretações da obra de Gilberto Freyre, Elide Rugai Bastos (2006) nos apresenta um sentido e uma unidade teórica bem definida para a obra completa do mestre de Apipucos. Uma obra que, em seu significado histórico, parece estar diretamente associada ao contexto sócio-econômico e político pelo qual vivia a sociedade brasileira no período da transição da República Velha para o Estado Novo na década de 30. Uma unidade que se manifestaria, segundo a autora, pelas obras iniciais da década de 20 e 30 (como Casa Grande & Senzala, Sobrados e Mocambos e Nordeste) chegando às obras posteriores (como Ordem e Progresso: de 1959) através de uma unidade interpretativa que, como um todo, estaria baseada na busca pela articulação teórica e sociológica de três componentes que alimentariam de significado a obra de Gilberto Freyre, quais sejam: o

patriarcalismo; a interpenetração de etnias/culturas e os trópicos (BASTOS, 2006, p. 11). Elementos considerados por Elide Bastos como fundamentais para a compreensão da formação histórica da sociedade brasileira em Gilberto Freyre. Como podemos verificar no seguinte trecho:

A concepção histórica da sociedade brasileira de Gilberto Freyre que desponta em seus escritos da década de 20 e ganha sua formulação definitiva nos trabalhos da década de 1930 – Casa Grande& Senzala, Sobrados e Mocambos e Nordeste – funda-se na articulação de três elementos: o patriarcado, a inter-relação etnias/cultura e o trópico. Os três marcos definidores da formação nacional aparecem correlacionados, de modo que cada um deles encontra sua explicação na convergência com os dois outros (BASTOS, 2006, p. 81).

No entanto, o que é importante ainda ressaltar na interpretação que faz Elide Rugai Bastos, é que apesar dos três elementos colocados estarem correlacionados de forma mutuamente determinante na obra de Gilberto Freyre, eles nem por isso deixariam de ter no patriarcalismo o elemento central de síntese que solidifica, inclusive espacialmente, o sentido mais geral e organizativo que orienta a unidade nacional brasileira e o seu sentido de coesão social. Um sentido que, portanto, segundo Elide Rugia Bastos, alimentaria em última instância – como que uma espécie de orientação ideológica e política – a interpretação completa que Gilberto Freyre faz sobre a formação da sociedade brasileira ao longo de toda sua obra. Ou seja, uma obra que apresenta uma nova proposta metodológica com um sentido mais profundo de valorizar a compreensão de algumas características específicas da formação histórica da sociedade brasileira, com base na unidade que, segundo sua interpretação, seria representada pela família patriarcal31. E é neste sentido, que a obra de Gilberto Freyre representaria aos olhos de Elide Rugai Bastos, o principal instrumento ideológico de sustentação da modernização conservadora no período após a revolução de 30 no Brasil. Como podemos verificar no seguinte trecho:

Lembrar, na década de 1930, momento prenhe de mudanças – crescimento da industrialização, urbanização, centralização político-administrativa, para citar algumas –, o papel desempenhado pelos setores dirigentes rurais no sentido de manutenção da ordem social e ainda aquele das oligarquias regionais, confere um especial lugar à reflexão freyriana. Neste livro levanto a hipótese de ter sido a interpretação de Gilberto Freyre um elemento fundamental no equacionamento político daquele período (BASTOS, 2006, p.15).

A ênfase da argumentação de Gilberto Freyre de que a família patriarcal representa o elemento de unidade nacional – a responsável pela construção de via pacífica e conciliadora de formação da sociedade brasileira – é, para Elide Rugai Bastos, o principal elemento que justifica esta interpretação. E neste sentido, a obra de Gilberto Freyre acabaria por desempenhar, por esse motivo, um papel de influência fundamental sobre o desenho de uma estratégia de conciliação – ou pacto –, entre os setores industriais (“modernos”) e agrários (“conservadores”) brasileiros após a revolução de 30. Passando em revista a obra completa de Gilberto Freyre, Elide Rugai Bastos considera que, apesar do estudo da família patriarcal estar

31Aqui é importante ter claro que, por sua obra completa, Gilberto Freyre considera o sentido de apresentar uma “Introdução

presente em vários trabalhos do autor, será em Sobrados e Mocambos, de 1936, que “a tese

sobre o patriarcalismo, em especial a passagem do poder privado ao público, aparece de forma mais acabada” (BASTOS, 2006, p. 82).

Esta também parece ser a visão de outro especialista na obra de Gilberto Freyre. Para Jessé Souza (2003) é realmente em Sobrados e Mocambos que Gilberto Freyre alcança o auge de sua capacidade interpretativa sobre a formação da sociedade brasileira e de seu argumento da estabilidade social como conseqüência da integração das raças no seio da família patriarcal. Uma interpretação que, segundo o mesmo, propõe que é no período imperial que a sociedade brasileira sedimenta suas raízes culturais híbridas, à medida em que, por meio das condições de ascensão social do mestiço, consegue manter a estabilidade política da sociedade; e, com isso, manter também a unidade nacional construída a partir da herança do modelo patriarcal que articularia os “antagonismos em equilíbrio” e a identidade nacional herdada do modelo de sociedade patriarcal. É no processo de desintegração da família patriarcal rural, típica do período imperial, que, segundo Gilberto Freyre, se sedimenta as características fundamentais de uma sociedade que permite a ascensão social dos mestiços e a não conflitualidade explícita entre raças no país. Como afirma Jessé Souza no seguinte trecho:

Pode-se reconstruir a análise empírica e descritiva freyriana de modo a percebermos que a implantação incipiente de Estado e mercado constitui, paralelamente ao escravismo ainda todo dominante no meio rural, uma sociedade de tipo novo nas cidades brasileiras mais importantes do século 19. Nossa modernização não começa com o Estado interventor dos anos 30 que cai dos céus criando demiurgicamente o Brasil urbano e capitalista, mas esse novo Brasil moderno é gestado paulatinamente durante todo o decorrer do século anterior (SOUZA, 2003, p.74).

E em seguida, quando afirma que:

Toda a questão do familismo se complexifica enormemente em SM, ou seja, na passagem do patriarcalismo rural para o urbano. A decadência do patriarcado rural brasileiro está ligada diretamente à ascendência da cultura citadina no Brasil. Esse processo, que a vinda da família real portuguesa ao Brasil veio consolidar, já estava prenunciado na descoberta das minas, na presença de algumas sociedades coloniais de expressão, na necessidade de maior vigilância sobre a riqueza recém-descoberta e no maior controle, a partir de então, sobre o familismo e mandonismo privado (SOUZA, 2003, p. 234-35).

A novidade aqui, portanto, é o ingrediente de valorização da importância da obra de Gilberto Freyre enquanto componente discursivo de fundamental importância para a consolidação de uma tradição intelectual brasileira que fortalece a necessidade de se compreender o equilíbrio social brasileiro como fruto exatamente do sucesso do patriarcalismo enquanto fonte geradora de uma democracia racial e social no Brasil. Este é o ponto central o qual queremos aqui nos apegar enquanto estratégia para avaliarmos a importância histórica da obra de Gilberto Freyre em relação ao papel de liderança intelectual e política que o mesmo exercerá sobre vários autores na região Norte do Brasil. Uma influência que terá na obra de Gilberto Freyre um sustentáculo heurístico fundamental para a construção de uma interpretação histórica, política e econômica, de viés regionalista e culturalista sobre a realidade regional amazônica em meados do século XX.

Fortemente situados em uma busca por solucionar o impasse do confronto entre tradição e modernidade – que, durante as décadas de 40, 50 e 60, se transformarão em fonte de grandes mudanças e instabilidade com o advento da construção do projeto nacional- desenvolvimentista brasileiro – estes autores, inspirados em Gilberto Freyre, procuram uma alternativa para a sustentação de um projeto de desenvolvimento regional capaz de conciliar os “valores culturais amazônicos” e as mudanças que se impunham, no plano econômico, como necessidade política em um contexto de integração nacional e aumento na participação e da integração da economia amazônica à dinâmica da economia brasileira em estágio de pleno desenvolvimento de seu processo de industrialização. Processo o qual, por meio da integração física e da ampliação dos instrumentos de planejamento do desenvolvimento em nível federal, irão gerar uma tensão e um ambiente de grande insegurança e instabilidade para as elites tradicionais da região.

4.2.2 A luso-tropicologia e a noção de identidade regional na construção da obra de Gilberto Freyre

Na interpretação de Bastos (2006), o debate provocado por Gilberto Freyre sobre a questão do trópico – a chamada ciência da Tropicologia –, por outro lado, “é a ponta de lança

da idéia de conciliação, que perpassa sua análise a respeito da formação nacional” (BASTOS, 2006, p. 143). Em contraposição às idéias evolucionistas hegemônicas da década de 20 – que atribuíam puramente às condições ambientais e étnicas os resultados negativos

em termos do sucesso ou não da empreitada civilizadora nos trópicos32 – Gilberto Freyre propõe uma interpretação que prioriza a noção de relatividade do progresso em contraposição ao determinismo geográfico ou biológico na explicação do sucesso das relações sociais em um ambiente tropical. Funda assim a chamada Sociologia Ecológica ou Ecologia Social, que prega uma visão mais equilibrada da sociedade, na qual o homem é visto como agente com uma capacidade de adaptação ao meio por meio da cultura. Uma característica que constitui o centro da especificidade da formação cultural dos povos europeus e africanos em seu processo de interação e adaptação aos trópicos. Interação e adaptação que, por fim, haveriam por fundar, ao longo de séculos, uma nova civilização. Uma fórmula através da qual se conseguiu alcançar uma solução de mediação ecológica entre o tradicional e o moderno. Formando, no caso do Brasil, um verdadeiro mosaico de culturas regionais em equilíbrio mediado pelas relações patriarcais. Equilíbrio que, no entanto, durante a década de 20 começava a ser ameaçado, segundo Gilberto Freyre, por uma visão de cultura transplantada dos centros urbanos em ascensão, e prontos para solapar os valores e a diversidade cultural brasileira em seu estado de pleno equilíbrio ecológico construído historicamente. Como afirma Bastos (2006):

O trópico, para Gilberto Freyre, é o lócus onde se cruzam o tradicional e o moderno, convivendo em harmonia. O que o torna o espaço do equilíbrio dos antagonismos. Esse debate, que inicia na década de 1920, encontra seu ponto alto na discussão com