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3. Um arcabouço teórico-analítico para a mudança institucional do

3.5 A mudança institucional e o processo de desinstitucionalização

Conforme Scott (op. cit.), a “persistência de crenças e práticas institucionais não pode ser presumida” (SCOTT, op. cit., p. 196). Apesar da aparente imutabilidade dos arranjos institucionais apontada nas visões dos autores aqui discutidos, as instituições podem desaparecer ou se transformar. A desinstitucionalização refere-se exatamente ao processo através do qual as instituições podem enfraquecer e desaparecer (SCOTT, op. cit). Oliver (1992) é uma das principais autoras a estudar esse processo.

Oliver (op. cit.) apresenta um modelo baseado na ação de cinco forças que, atuando juntas, determinam a probabilidade de dissipação ou rejeição de certo arranjo institucional. A Figura 3 esquematiza o jogo das forças apontadas por Oliver.

Figura 3: Pressões para desinstitucionalização. (OLIVER, 1992, p. 567)

Nesse sentido, a referida auto ra apresenta as pressões políticas, instrumentais e sociais como ferramentas institucionais para explicar as razões que desencadeiam o processo de desinstitucionalização, bem como as pressões para inércia e entropia, sendo que a primeira dificulta o processo, e a segunda o acelera. A entropia organizacional enfatiza a tendência natural à erosão do fenômeno institucional, e a inércia supõe que os valores e atividades institucionalizadas exibirão uma resistência inevitável à erosão e à mudança.

As pressões políticas, de acordo com Oliver (op. cit.), ocorrem quando há sérios questionamentos acerca da utilidade ou legitimidade das estruturas institucionalizadas. Podem ser resultantes de crescentes crises de desempenho organizacional, crescimento da representação de integrantes com crenças ou interesses contrários aos do quadro atual, aumento da pressão para adoção de novas práticas ou da redução da dependência em relação a atores do ambiente institucional que apoiam as práticas correntes. Enfim, situações que impliquem erosão do acordo político existente sobre o valor e a validade de uma prática organizacional institucionalizada, ou questionamentos sobre a necessidade ou propriedade da manutenção de práticas tradicionais em resposta a mudanças ambientais específicas. A desinstitucionalização de uma atividade ou prática organizacional é, desse modo, uma resposta política a mudanças na distribuição de poder, dissenso político, sucessões de liderança ou mudança nos padrões de dependência organizacional.

Crescentes problemas ou crises de desempenho organizacional, por exemplo, solapam a crença dos integrantes organizacionais acerca da efetividade de suas práticas, podendo gerar um conflito político interno. Se esses problemas de desempenho envolvem ainda um conflito interorganizacional, o quadro pode também ser mais crítico, pois o consenso existente no campo organizacional acerca daquela estrutura ou prática pode ser ameaçado, abrindo espaço para o questionamento e a mudança. O consenso ou “tipificação recíproca” entre os atores sobre os significados, valores ou validade de uma forma organizacional ou atividade é condição fundamental para a continuidade das práticas institucionais, e o desenvolvimento do dissenso político ou do conflito de interesses quebra a unanimidade entre os membros organizacionais sobre o valor de uma prática particular, sendo antecedente crítico para a desinstitucionalização (OLIVER, op. cit.).

De modo idêntico, conforme Oliver (op. cit.), muitas práticas institucionalizadas originam-se de padrões de dependência em relação a integrantes específicos do campo organizacional, podendo vir a ser questionadas se essa dependência é reduzida ou desaparece. Esse é o argumento sustentado por Pfeffer e Salancik (2003), os quais postulam que as organizações, em sua busca pela sobrevivência, obtêm eficácia através do gerenciamento de demandas, principalmente aquelas oriundas de grupos de interesses dos quais a organização

depende em termos de recursos e suporte. Desse modo, a sobrevivência da organização depende diretamente de sua habilidade para adquirir e manter recursos. Considerando que nenhuma organização consegue prover por si própria todos os recursos de que necessita, estabelece-se uma dependência em relação ao ambiente, na verdade, em relação a outras organizações que compõem esse ambiente e que são fontes de recursos.

Entretanto, a adaptação passiva não é a única possibilidade de resposta no gerenciamento dessas demandas. Na verdade, as organizações podem utilizar estratégias para reduzir a dependência, que podem variar entre a interação direta com o ambiente (fuga), o emprego de alianças (de simples acordos a fusões), ou a manipulação normativa (leis, normas sociais). Essas estratégias podem, é claro, ser mais agressivas se a dependência for reduzida ou eliminada.

As pressões funcionais, por sua vez, estão relacionadas com as considerações técnicas ou funcionais que tendem a comprometer ou levantar dúvidas sobre o valor instrumental de uma prática institucionalizada. Oliver (op. cit.) afirma que o valor percebido de uma prática institucional não é invulnerável à reavaliação técnica, podendo a desinstitucionalização ser provocada pela mudança da utilidade percebida ou da instrumentalidade técnica dessas práticas.

Uma atividade institucionalizada pode ser descontinuada se a sua perpetuação deixa r de ser recompensada. Se, por exemplo, um agente institucional, doador de recursos, não oferecer tratamento diferenciado para organizações que submetem propostas mais detalhadas, essa prática provavelmente será descartada pelas organizações. De igual modo, práticas organizacionais podem ser abandonadas quando há conflito entre os critérios econômicos de eficiência e efetividade e as definições institucionais de sucesso, o que também leva à desinstitucionalização. Isso poderá ocorrer quando a organização tem liberdade para abandonar a prática, ou quando as especificações técnicas sobre a atividade são aumentadas, ou quando a intensificação da concorrência entre organizações torna a eficiência e a efetividade mais críticas para o sucesso organizacional.

Já na desinstitucionalização resultante de pressões políticas e funcionais, os integrantes da organização reconhecem a necessidade de descartar práticas institucionalizadas e atuam nesse sentido, e as pressões sociais podem explicar

muitas das condições sob as quais as organizações não são nem agentes proativos da institucionalização, nem pretendem centralmente abandonar ou rejeitar tradições institucionais particulares (OLIVER, op. cit.).

Essas condições incluem a fragmentação normativa de uma organização, resultante de mudanças organizacionais, rupturas na continuidade histórica, mudanças nas leis ou expectativas sociais que proíbem ou desencorajam a perpetuação de uma prática institucional, ou ainda a ocorrência de mudanças estruturais na organização ou no seu ambiente que desagregam as normas e valores coletivos.

Por exemplo, conforme Oliver (op. cit.), pressões sociais e do Estado no ambiente organizacional são poderosos agentes da mudança institucional. Pressões do Estado sobre as organizações para que se ajustem às demandas e expectativas públicas podem desinstitucionalizar práticas antes consideradas apropriadas.

A desinstitucionalização também pode resultar de mudanças na estrutura ou nos padrões de interação entre organizações de um determinado campo organizacional. Definições compartilhadas da realidade ou significados de certos comportamentos dependem da proximidade dos constituintes institucionais e podem, assim, ser afetados quando esses constituintes tornam-se geograficamente dispersos, autônomos ou isolados.

Completando o modelo de Oliver, a inércia e a entropia atuam sobre a velocidade da desinstitucionalização, acelerando-a ou retardando-a. Autores como Zucker (apud OLIVER, op. cit.) afirmam que a entropia é uma característica dos sistemas sociais, e, portanto, as organizações tendem a uma gradual desorganização e a uma erosão de suas características. Por outro lado, o conceito de inércia sugere que valores e práticas institucionalizados exibem natural resistência à mudança e tendência à manutenção do status quo, geralmente devido a investimentos em metas fixadas, necessidades de coordenação interna, desejo de previsibilidade, redução da incerteza ou percepção dos custos da desinstitucionalização.

Conforme o arcabouço teórico mostrado até aqui, pode-se concluir que os processos de mudança em organizações institucionalizadas estão relacionadas a processos de institucionalização/desinstitucionalização. Se determinada estrutura

está institucionalizada e sedimentada, conforme apontam Tolbert e Zucker, a tendência é de que a mudança nas organizações integrantes do campo seja mais difícil, mantendo-se a tendência ao isomorfismo, conforme citado por DiMaggio e Powell. Por outro lado, se há sinalizações de desinstitucionalização, como postula Oliver, a tendência é de que a estrutura atual entre em colapso, abrindo espaço para que possam ocorrer mudanças mais significativas nas organizações do campo e um novo arcabouço institucional tome forma.

Aplicando-se estas considerações acerca da institucionalização e desinstitucionalização ao objeto de estudo da presente pesquisa, o processo de integração das organizações policiais estaduais, e tendo em conta o que foi discutido no capítulo anterior acerca do modelo policial brasileiro, é coerente deduzir que, se as organizações policiais são organizações institucionalizadas, elas estão inseridas em um campo organizacional.

Logo, a mudança nessas organizações será mais difícil quanto mais sedimentado estiver o campo organizacional. Da mesma forma, se as mudanças pretendidas confrontam os mitos institucionalizados, e se não há sinais de desinstitucionalização, mais difícil ainda se torna a mudança.

Assim, a hipótese que se apresenta aqui é que o modelo policial

brasileiro encontra-se institucionalizado, absorvendo como mito a divisão do ciclo policial no âmbito dos Estados, o que dificulta os esforços de integração das organizações policiais estaduais.