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3. Um arcabouço teórico-analítico para a mudança institucional do

3.3 Organizações policiais como organizações institucionalizadas

Diversos trabalhos mostram que as polícias comportam-se como organizações institucionalizadas, podendo ser analisadas como tal. Por exemplo, Crank e Langworthy (1992), estudando as polícias municipais americanas, argumentam que a organização e as práticas policiais ocorrem em um ambiente carregado de valores institucionais e, por isso mesmo, não podem ser entendidas em termos de sua eficiência e eficácia técnicas.

Desse ambiente participam importantes atores, os quais têm capacidade de afetar profundamente a estabilidade das organizações policiais, conferindo-lhes um elemento importante: legitimidade. Quando a organização policial se adéqua às expectativas institucionais sobre o que deve ser uma polícia, em termos de estrutura e práticas, ela obtém legitimidade. Assim, para garantir a continuidade de recursos e, por conseguinte, sua sobrevivência, as organizações policiais devem conformar- se ao desenho institucional amplamente aceito. Os autores afirmam que, por conta disso, as organizações policiais devem atentar muito mais para os valores institucionais do seu ambiente que para as suas formas de produção ou potencialidades técnicas.

Para os autores, diversos aspectos policiais revelam o quanto essas organizações são influe nciadas pelo ambiente institucional, como, por exemplo, a aparência da polícia. Para serem reconhecidas como polícias pela comunidade, as organizações policiais devem possuir elementos tais como títulos, uniformes, emblemas, insígnias e outros, que promovam o entendimento dessa comunidade sobre a aparência adequada a uma polícia.

De igual modo, a criação de unidades especializadas de polícia (grupos especiais de repressão, forças-tarefa, unidades táticas e outras) ocorre muito mais para criar uma ideia de adequação ao que o ambiente institucional entende como sendo uma organização de combate ao crime, que para atender a propósitos técnicos.

Práticas inicialmente introduzidas a título de obter efetividade também podem se institucionalizar nas organizações policiais. É o caso, segundo Crank e Langworthy (op. cit.), das patrulhas aleatórias motorizadas. A patrulha aleatória motorizada surgiu nos Estados Unidos, na década de 20, como uma estratégia de prevenção e combate ao crime. Porém sua disseminação entre as organizações policiais ocorreu muito mais por difusão institucional que pela sua eficácia. Atualmente, essa estratégia ainda é amplamente usada, apesar das evidências que demonstram sua pouca efetividade (KELLING et al., 1974)

Os argumentos de Crank e Langwohrty (op. cit.) são utilizados por Cruz e Barbosa (2004) para uma análise institucional da segurança pública no Brasil. Eles afirmam que a institucionalização das organizações policiais brasileiras segue, em grande medida, os padrões estabelecidos pelas suas equivalentes americanas, absorvendo, assim, alguns daqueles aspectos apontados por Crank e Langworthy.

Tem-se como exemplo disso a criação de unidades especializadas nas polícias brasileiras, que, tal como ocorre nas polícias americanas, atendem à demanda de atores influentes do ambiente institucional ou à necessidade de acomodar interesses internos mais que à critérios técnicos (CRUZ; BARBOSA, op. cit.). Outro exemplo citado refere-se à aparência das polícias civis que, apesar de incumbidas essencialmente da investigação de delitos, utilizam-se, inúmeras vezes de coletes e carros caracterizados para mostrarem-se ao público e, com isso, legitimarem o seu papel enquanto polícias.

Mastrofski (2002), analisando as mudanças nas organizações policiais americanas para implementação do policiamento comunitário, argumenta sobre a necessidade de se adicionar ao modelo técnico racional normalmente utilizado para analisar as mudanças organizacionais nas polícias, o modelo de análise institucional. Segundo ele, o modelo institucional reconhece que as organizações policiais devem obedecer a aspectos técnicos, porque isso associa a organização a aspirações sustentadas pela sociedade, mas considera também que a dificuldade de demonstração de seus resultados técnicos pode ser suplantada com a adoção de estruturas reconhecidas como marcas que atestam a qualidade de suas realizações.

Enfim, é possível afirmar que as organizações policiais brasileiras estão imersas em um ambiente carregado de mitos institucionalizados acerca do papel da

polícia e de como deve ser sua atuação. Ao mesmo tempo, a avaliação dos seus resultados de forma objetiva é difícil, pois, apesar de lidarem com a manutenção da ordem e a redução dos índices criminais, a essência de seu trabalho está na oferta de uma sensação de segurança, elemento de caráter subjetivo e que não necessariamente está atrelado aos baixos índices criminais.

De igual modo, tais organizações apresentam nítida separação entre as atividades técnicas e as estruturas formais. Por exemplo, é comum se observar nelas, principalmente nas polícias militares, um discurso de aproximação da comunidade, compatível com a filosofia do policiamento comunitário, embora a prática cotidiana dessas polícias mostre o contrário, permanência das estratégias convencionais e de operações repressivas (SANTOS FILHO, 2002; SILVA JUNIOR, 2007).

Essas organizações também evitam a produção de estatísticas e a realização de avaliações formais de desempenho, principalmente se realizadas por órgãos externos, sustentando, na confiança e boa fé dos seus participantes internos e componentes externos, a ideia de que tudo vai bem, e que o possível está sendo feito para que os resultados esperados sejam obtidos.

Enfim, é possível afirmar que as organizações policiais brasileiras são organizações institucionalizadas, o que permite a utilização do institucionalismo sociológico como viés de análise pertinente para o objeto de estudo do presente trabalho: a integração das organizações policiais estaduais.

Nesse sentido, Cruz e Barbosa (op. cit.) apontam algumas dificuldades da estrutura de segurança pública institucionalizada no país, dando certo destaque para a questão da divisão entre Polícia Civil e Polícia Militar. Para os autores, concordando com Lemgruber et al (2003, apud Cruz e Barbosa, 2004), essa divisão impossibilita um planejamento global das atividades de segurança pública, gerando duplicação de esforços, atividades e recursos. Além disso, as diferenças entre as culturas organizacionais dessas polícias reforçam a concorrência existente, que se manifesta na disputa por espaço, na exibição de resultados e até na hostilidade.

Se as organizações policiais, incluindo-se as brasileiras, são organizações institucionalizadas, os seus processos de mudança poderão ser mais bem estudados através da análise institucional, posto que esta vertente de análise

tem maior ênfase sobre o ambiente e os constrangimentos impostos por ele às organizações.

Assim, torna-se essencial aqui compreender como o institucionalismo sociológico concebe a mudança institucional.