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A mulher de camada média no processo de transformação da sociedade brasileira.

CAPÍTULO I Resgatando a História da Família

GRANDES REGIÕESP

II.2. A mulher de camada média no processo de transformação da sociedade brasileira.

A típica família moderna, que de fato não chegou a se estruturar por completo na nossa sociedade brasileira, em especial na camada média, sofre uma crise e se transforma. A modernização, a industrialização e a urbanização dão as

mulheres a possibilidade de redefinir seu papel na sociedade, abalando a divisão entre esfera pública e privada dantes marcada segundo o gênero.

A partir de meados dos anos 60, a expansão das classes médias urbanas e o aumento da participação feminina na esfera pública, em atividades educacionais, profissionais, científicas, políticas e culturais, começam a corroer as bases da família conjugal moderna, que mal havia se firmado em alguns segmentos da sociedade brasileira. Para as mulheres nascidas em torno dos anos 50, a participação no mundo público levaria à construção de identidades com critérios de auto-realização diferentes daqueles típicos da dona-de-casa de classe média da geração anterior. Socializadas nos anos 50 para desempenhar papéis similares aos de suas mães, já na adolescência inúmeras mulheres deste grupo desenvolveram aspirações que provocariam mudanças decisivas na estrutura de estratificação sexual, defrontando-se com um mundo repleto de possibilidades e estilos de vida. Quanto mais e mais mulheres construíram projetos de vida não mais vinculados exclusivamente a uma esfera expressiva, estavam criadas as condições para que as relações de gênero se redefinissem, estava selada a sorte da família conjugal moderna (VAITZMAN, 1994, p. 17-18).

Essa geração foi a mola condutora da transformação. Essas mulheres foram para a universidade ainda que para freqüentemente seguir “cursos para mulheres”, ligados à educação e aos cuidados. Encontraram um Brasil às voltas com o Golpe Militar, durante o qual a universidade se agitava como que em ebulição: respirava-se contestação, e mesmo quem não queria se envolver diretamente não podia ficar indiferente ao clima suscitado. Depois do movimento estudantil, adveio nos anos 70 o movimento hippie, que subverteu toda a moralidade pregada até então.

As mulheres, que já questionavam a forma de viver de suas mães, além da educação que recebiam, encontram uma brecha para transformar a realidade que a elas não mais parecia caber. A geração decompõe aquela sociedade: busca novos espaços, novas possibilidades e, é claro, vive as crises da mudança. Entre

dessas mulheres não deixaram de querer ter um companheiro e constituir família, o que instaura uma duplicidade antagônica em suas raízes: junto aos desejos arcaicos estavam os desejos de liberdade, instaurando assim o conflito.

A mulher passa por um momento de profunda mudança e reestruturação interna. Como é possível conciliar tudo? Como é possível ser mãe, esposa, companheira, trabalhar nos afazeres da casa e ainda encontrar tempo para o mundo lá fora, tão cheio de possibilidades, mas que toma um grande tempo se ela quiser se sentir realizada no trabalho? Como conciliar esse conjunto com um marido que não abre mão de suas conquistas prerrogativas? Estas e outras questões abalaram as uniões. Muitos casais não agüentaram a pressão e se separaram. Estava formada a geração de mães chefes de família.

A participação da mulher nas diferentes esferas sociais e sua constituição como indivíduo abalaram o individualismo patriarcal institucionalizado na família conjugal moderna.

Este processo de aprofundamento e extensão do individualismo, através do qual as mulheres passaram a ter aspirações e construir identidades não mais ligadas exclusivamente à esfera privada, estimula a instabilidade e a volatilidade nas relações íntimas, no casamento e na família. Favorece a reformulação permanente de projetos, vontades e aspirações individuais. O fim da rigidez do burguês moderno chega assim às relações no casamento e na família (VAITSMAN, 1994, p. 51).

A geração de transição e a nova geração: Família contemporânea brasileira.

A constituição e transformação da identidade da mulher brasileira, após as mudanças que a sociedade sofreu, fez com que ela passasse de “simplesmente esposas” para sujeito com vontade própria. A possibilidade de cursar uma universidade abriu um campo amplo para a criação de projetos pessoais e profissionais, modificando o curso da vida das mulheres, permitindo um destino diferente daquele vivido por suas mães. “A entrada para o mundo da universidade plantou bases para projetos de individuação que reconstruíram os significados do

feminino e masculino predominantes até então”. (VAITSMAN, 1994, p. 97). No fim dos anos 60 e início dos anos 70,

No momento em que a nova classe média se formava, os colégios secundários e a universidade configuravam-se como espaços privilegiados de reflexão, de questionamento, de discussão, de difusão de idéias autoritárias, igualitárias. A formação de valores de grande parte dos jovens desta geração foi orientada pelo contexto das lutas antiautoritárias. Era praticamente impossível não ser atingido, direta ou indiretamente, pelo que acontecia em vários centros urbanos do país e nos meios estudantis. Neste momento, esta geração forjada na ditadura militar cultivou seus sonhos e junto com eles uma visão de mundo libertária que alcançava os comportamentos pessoais e logo se difundiria entre as classes médias urbanas. E se, nos anos que se seguiram, o caminho da igualdade social foi obstruído, o da maior igualdade entre os gêneros estava aberto para este grupo (VAITSMAN, 1994, p. 107).

As filhas destas mulheres encontraram um mundo parcialmente diferente. Muitos espaços já estavam abertos, apesar de haver ainda um longo trajeto a ser percorrido. Como decorrência, a nova geração teve uma educação diferente: encontrou as mães inseridas no mercado profissional e desfrutando de uma vida fora de casa, o que veio fornecer a essas então crianças os modelos para sua própria existência. Para as jovens e adolescentes que cresceram vendo as conquistas de suas mães é quase impossível pensar em não estudar e buscar se colocar no mundo. A geração de que falamos se encontra atualmente na faixa dos trinta anos e constrói sua família, seus espaços e sua carreira.

O grupo sobre o qual foi feita a investigação que nos concerne é constituído, na sua maioria, por mulheres na faixa de 40 a 50 anos de idade, sendo que somente uma delas tem 30 anos e um filho pequeno. As outras entrevistadas viveram na época em que o mundo fervilhava, gritaram pelas diretas já, lutaram para mudar seus destinos, se separaram de seus maridos e recomeçaram a vida junto de seus filhos que, hoje, são jovens e adolescentes.

Isto posto, passaremos a traçar o perfil dessas mulheres e a apontar as estratégias através das quais obtivemos respostas para as nossas questões.

CAPÍTULO III – Entendendo a Pesquisa e seu Referencial