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A escravidão nem sempre existiu. Houve algumas sociedades humanas que não a utilizaram na construção social e econômica de seu desenvolvimento, apesar de o pensamento escravista, por vezes, tentar naturalizá-la como algo inerente a todas sociedades já existentes. Embora a escravidão tenha ocorrido por longos

séculos, desde a época patriarcal, em diversos lugares, não foi aceita, contudo, de forma geral, pois vários povos não a vivenciaram. Nas sociedades de caça e coleta, nos primeiros povos da Oceania e do Pacífico, assim como no Leste Africano, hoje conhecido como Quênia, parece que a escravidão não aconteceu (PÉTRÉ- GRENOILLEAU, 2009).

A escravidão foi uma forma de superexploração da mão de obra humana para benefício das elites escravistas. Na opinião de Pétré-Grenoilleau (2009), a escravidão significou o comércio e a mercantilização de homens e mulheres, além de toda a sua transmissão hereditária, dos filhos que também se tornaram escravos. Dessa forma, eram “[...] submetidos ao mais total arbítrio, porque não pertence mais a si mesmo” (PÉTRÉ-GRENOILLEAU, 2009, p. 42).

Apesar do viés econômico da escravidão, ela pode ser esclarecida também pela paixão extrema de dominação do homem pelo homem. O escravo ou escrava possuía um dono ou dona e era submetido/a ao arbítrio de quem detinha sua posse, que exercia essa propriedade de forma absoluta.

A escravidão foi utilizada por espanhóis, portugueses, ingleses e franceses no Continente Americano, a partir do século XV, com homens e mulheres trazidos da África. Entre os séculos XV e XIX, afere-se que, aproximadamente, 15 milhões de africanos desembarcaram no Novo Continente como escravos (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007). Essa escravidão passou a ser a relação de produção predominante no Caribe (Antilhas e Guianas), Costa do Peru, parte da Venezuela, Colômbia, Estados Unidos e Brasil (MOURA, 2014b).

A escravidão foi utilizada como forma de acumulação de riqueza dos países expansionistas. Na opinião de Moura (2014b), as causas da escravidão ocorreram em função de dois fenômenos: o desenvolvimento interno da sociedade colonial nos moldes de simples aglomerados de feitorias, em vasto território, “com sistema de estratificação social fechado em estrutura praticamente feudal” (MOURA, 2014b, p. 75); e os interesses de expansão comercial e mercantil das nações colonizadoras (MOURA, 2014b).

Na África já existia escravidão antes dos mercadores europeus adentrarem em seu território por conta de diversos fatores e pelas disputas entre os grupos étnicos, tais como prisioneiros de guerras, entre outros. No entanto, a instituída nas Américas era diferente, pois envolvia a busca por pessoas em situação de liberdade.

Da área costeira, os mercadores de humanos, também conhecidos como tangomanos, partiam para ataques e expedições a lugares remotos onde capturavam homens e mulheres livres. Em sua célebre

Crônica do Descobrimento e Conquista da Guiné, o português

Gomes Eanes de Zurara destacava que, já no século XV, assim que atingiam o litoral da África, os europeus escolhiam ao acaso um local considerado mais adequado e lá se instalavam para praticar a “caçada humana” (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007, p. 15).

As populações africanas foram vítimas da expansão mercantilista e comercial. Elas passaram a ser mercadoria para prover as colônias que precisavam de mão de obra escrava, para produzir mercadorias a preços muito baixos e abastecer o mercado externo. As metrópoles de então sediavam as grandes companhias navegadoras, as quais, por meio do tráfico negreiro, se estabeleceram como empresas comerciais abastecedoras desse mercado de escravos nas Antilhas francesas e em outros países da América (FAUSTO, 2013; MOURA, 2014a).

A escravidão no Brasil foi instituída nos anos seguintes à conquista do país pelos portugueses. No período de 1550 a 1855 desembarcaram pelos portos brasileiros cerca de quatro milhões de escravos (FAUSTO, 2013). A “imigração forçada de africanos” (MOURA, 2014a, p. 70) era cometida contra vários povos do continente africano, ou seja, eram grupos heterogêneos de diversas etnias, trazidos de várias localizações da África.

Costuma-se dividir os povos africanos em dois grandes ramos étnicos: os sudaneses, predominantes da África ocidental, Sudão egípcio e na costa norte do golfo de Guiné, e os bantos, da África equatorial e tropical, de parte do golfo da Guiné, do Congo, Angola e Moçambique. Essa grande divisão não nos deve levar a esquecer que os negros escravizados no Brasil provinham de muitas tribos ou reinos, com suas culturas próprias. Por exemplo: os iorubas, jejes, tapas, hauçás, entre os sudaneses; e os angolas, bengalas, monjolos, moçambiques, entre os bantos (FAUSTO, 2013, p. 47). A partir do século XVII, os portos de Luanda, Benguela e Cabinda, no Congo e Angola, tornaram-se os mais importantes centros exportadores de escravos (FAUSTO, 2013). No Brasil, os centros importadores principais de escravos eram Salvador e Rio de Janeiro. Entretanto, após 1830, os cativos também eram desembarcados nas cidades de Belém, São Luís, Fortaleza, Recife, Santos, Paranaguá e nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007). Com efeito, o abastecimento de escravos consistiu em fundamental aspecto de expansão econômica para a Colônia (MOURA, 2014b).

As mulheres escravizadas eram em torno de 20% a menos que os homens transportados e chegaram no continente a partir do século XVI (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007). As primeiras mulheres desembarcaram na Bahia. Tinham origem dos bantos e, em sua maioria, vinham dos Reinos do Congo, Dongo e Benguela. Elas eram utilizadas tanto para o trabalho em diversas tarefas da produção nas plantações, como nas senzalas. Além disso, também eram avaliadas no mercado negreiro com a possibilidade de exploração sexual (SCHUMAHER; BRAZIL, 2000).

O aprisionamento de africanas esteve de algum modo condicionado à oferta de cativos do sexo masculino [...]. Em 1732, “uma negra mina de peito em pé” foi avaliada, no Brasil, em cem mil-réis, por ser jovem e ter uma aparência saudável (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007, p. 16).

As africanas eram utilizadas sexualmente não apenas para a conveniência dos escravizados do sexo masculino, mas também pelos senhores escravistas, que exerciam o seu poder de proprietário de forma absoluta. Isso pode ser um dos fatores da tão falada miscigenação brasileira. Na opinião de Carvalho (2008),

A miscigenação se deu à natureza da colonização portuguesa: comercial e masculina. [...] Miscigenar era uma necessidade individual e política. A miscigenação se deu em parte por aceitação das mulheres indígenas, em parte pelo simples estupro. No caso das africanas, o estupro era a regra (CARVALHO, 2008, p. 21).

A Igreja Católica esteve desde o início junto com os portugueses na colonização do Brasil. Na bula Romanus Pontifex Regni Celesti Claviger, de janeiro de 1454, o papa Nicolau V dava poderes ao Rei Afonso V de Portugal para invadir, buscar, capturar e lançar sobre os pagãos a escravidão perpétua e a fé católica, entre outros. Ademais, dava direito ao reino de Portugal sobre os territórios africanos conquistados, como a Guiné africana. Esses direitos dados pela Igreja Católica se justificam pelo apoio português à luta contra os mouros e por espalhar o catolicismo em todo os territórios dominados (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007).

Roma também concedeu ao Estado português o padroado, que consistia na concessão de indicar os bispos e alguns cargos da Igreja. Em troca, a Coroa comprometia-se em viabilizar a organização dela em todas as terras descobertas (CARVALHO, 2007; FAUSTO, 2013). O padroado foi estendido ao Brasil e os padres e bispos eram pagos pelo Estado brasileiro. Então, “a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros, e de inculcar na população a obediência aos seus preceitos, assim como os preceitos do Estado” (FAUSTO, 2013, p. 56).

A Igreja, apesar de aceitar a escravidão, a partir do século XVII passou a contestar o tratamento desumano dado aos escravos. Os jesuítas, por exemplo, foram opositores da escravização dos índios. Segundo Costa (2010), o padre Antonio Vieira recriminou em seu sermão a crueldade dos proprietários de escravo. Em outra ocasião, condenou o tráfico negreiro e afirmou sobre a igualdade entre as raças brancas e negras. Entretanto, admitia “[...] a legalidade de certo tipo de escravidão” (COSTA, 2010, p. 381).

De fato, a Igreja Católica foi uma forte aliada da política escravocrata da monarquia. Ela detinha a posse de escravos e escravas em seus conventos e igrejas, sendo indiferente por longo período ao clamor do cativeiro. Nabuco, em seu livro “O abolicionista” esclarece: “Entre nós o movimento abolicionista nada deve infelizmente à igreja do Estado; pelo contrário, a posse de homens e mulheres pelos Conventos e por todo o clero secular desmoralizou o sentimento religioso de senhores de escravos” (NABUCO, 2011, p. 79). A igreja só se pronunciou de forma mais ativa no século XIX, quando o escravismo dava sinal de finalização.

Aproveitaram o jubileu de Leão XIII e concitaram os fiéis a libertar seus escravos, em homenagem ao Santo Padre. Este movimento decorreu de 1886 a 1887, manifestando-se, em pastorais, os bispos de Olinda, S. Paulo, Goiás, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Sul, Diamantina e Mariana. Não pregaram, em tese, a legitimidade da escravidão, não fulminaram, com a censura do credo religioso, os que mantinham no Cativeiro os próprios irmãos (MORAES, 1986, p. 234).

Os índios nativos do Novo Mundo, descobertos por portugueses e espanhóis, foram os primeiros a serem escravizados e submetidos ao trabalho forçado. Na opinião de Carvalho (2008, p. 20), “O efeito imediato da conquista foi a dominação e o extermínio, pela guerra, pela escravização e pela doença de milhões de indígenas”. Somente em um ano, devido aos maus tratos e às doenças contraídas dos brancos, foram dizimados cerca de 60 mil índios brasileiros no período de 1562 a 1563, situação que colocou a escravização deles em segundo plano.

Diante desse episódio, os colonizadores passaram a importar os negros africanos trazidos pelo tráfico negreiro, o que era mais lucrativo. Os negros eram considerados de maior capacidade produtiva do que os índios, pois muitos deles já detinham o conhecimento de trabalho com ferro e criação de gado em sua cultura nativa (FAUSTO, 2013).

É importante ressaltar a reflexão de Moura (2014b) sobre os engenhos e os latifúndios agrários. Com a presença do escravo negro que substituiu os primitivos núcleos colonizadores brasileiros, a sociedade passou a viver cheia de contradições. Por outro lado, Fausto (2013) observa que a escravidão acabou por se instituir nacionalmente e condicionou a sociedade brasileira ao seu modo de pensar e agir.

Diferente de outros sistemas escravagistas que existiram em outras sociedades humanas, em que os escravos eram provenientes de diferentes regiões e tinham diferentes cores de peles, no continente americano, a escravidão aconteceu também a partir da tonalidade da cor da pele (PÉTRÉ-GRENOILLEAU, 2009). Pétré-Grenoilleau (2009, p. 85) afirma com propriedade que “[...] a escravidão nas Américas tornou-se racial”, pois as pessoas viam somente escravos negros. As sociedades escravagistas organizaram as relações sociais e de trabalho em função das diferenças da cor. As pessoas mais negras eram utilizadas em operações mais simples e árduas, já as mulatas e as descendentes de colonos podiam acessar as funções administrativas das plantações (PÉTRÉ-GRENOILLEAU, 2009).

Com opinião semelhante, Fausto (2013) observa que, no Brasil, a condição de ser livre ou escravo estava ligada à etnia e à cor, logo, em primeiro lugar, os escravos eram negros, depois índios e mestiços. Para o autor, os mulatos e crioulos (negros nascidos no Brasil), em geral, eram os preferidos para os serviços domésticos, os artesanais e os de supervisão; já os negros retintos, normalmente africanos, eram utilizados para os trabalhos mais difíceis (FAUSTO, 2013).

A diferenciação do trabalho escravo estava na base da organização do escravismo. Moura (2014a) fez o mapeamento dessa divisão e demonstrou que os escravos trabalhavam nas plantações, nos engenhos, nas minas, na casa-grande e em outras diversas tarefas. Na opinião de Moura (2014b), a imensa massa de escravo impulsionou a economia de então. As bases da economia brasileira se assentaram, nesse período colonial, “[...] na grande agricultura monocultura, no trabalho escravo produzindo para os senhores de engenho, terras e engenhos, sob o monopólio político e comercial da Metrópole” (MOURA, 2014b, p. 83). A divisão do trabalho escravo atuava como força propulsora para que os produtos coloniais pudessem suprir o mercado com preços baixos (MOURA, 2014b).

De início, a Inglaterra tinha se beneficiado do mercado negreiro enormemente (FAUSTO, 2013; MOURA, 2014b). Moura (2014b) observa que a Ata de Navegações de 1651 tornava obrigatório que as mercadorias da Ásia, África e

América pudessem ser transportadas somente por navios britânicos, conferindo prejuízo à Holanda e à França, que disputavam essas rotas. O Porto de Liverpool, por exemplo, nasceu de armazéns de escravos. Com efeito, a “[...] escravidão nas colônias proporcionou o desenvolvimento do capitalismo industrial nas metrópoles” (MOURA, 2014b, p. 87).

Entretanto, com o capitalismo industrial concretizado, o número de escravos já era pequeno e o fim da escravidão não impactaria tanto na economia. Então, a escravidão passou a ser um empecilho para o desenvolvimento econômico capitalista, que precisava de ampliação do mercado consumidor. Consequentemente, a Inglaterra passou a fazer forte oposição ao tráfico negreiro e à escravidão.

Em 1826, o Brasil tinha assinado um tratado com a Inglaterra, com validade a partir de 1827, comprometendo-se em abolir o tráfico de escravos a partir de março de 1830 (FAUSTO, 2013). Em razão disso, foi instituída uma lei em 7 de setembro de 1831, a qual previa penas severas aos traficantes de escravos. Contudo, o tráfico, de fato, não foi estancado e a legislação não demonstrou eficácia para conter esse comércio (FAUSTO, 2013; SCHUMAHER: BRAZIL, 2007). Sob pressão do governo inglês, foi promulgada em 4 de setembro de 1850 a Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico de escravos internacional (FAUSTO, 2013; SCHUMAHER; BRAZIL, 2007). Tal acontecimento foi significativo para a abolição da escravatura.

Anos após o fim do tráfico negreiro, outras medidas foram implementadas, como a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, proposto pelo Imperador Dom Pedro II, que conferia liberdade aos filhos de mulher escrava, nascidos após a promulgação da referida lei. Depois, em 1885, foi instituída a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade aos escravos com mais de 60 anos. Essas medidas, para alguns autores (FAUSTO, 2013; MOURA, 2014b), não resolviam o problema da escravidão e tinham a intenção de deter o abolicionismo.

A escravidão estava em decadência e se desintegrava. Algumas províncias tinham declarado o fim da escravidão por conta própria: o Ceará; o Amazonas; o Rio Grande do Sul, em 1884 (ALONSO, 2015; COSTA, 2010; FAUSTO, 2013; MORAES, 1986; MOURA, 2014b). Depois, de janeiro a março de 1888, as capitanias do Rio Grande do Norte, do Paraná, de Goiás e de São Paulo foram declaradas livres do escravismo pelos abolicionistas (ALONSO, 2015). Em complemento, Emília Costa (2010) observa que, nos dois últimos anos antes da instituição da Lei Áurea, ocorreu

de forma massiva a alforria de escravos, em São Paulo, chegando a totalizar em 40.398 libertos, o que demonstra uma ação dirigida para lhes conferir liberdade. Pela ação do movimento abolicionista, o número de escravos caiu substancialmente, considerando o conjunto da população do país.

Os índios e negros, desde os primórdios, resistiram à escravidão. Os índios, por meio das guerras, lutaram contra os colonos e os negros no descaso pelo trabalho, nas agressões ocasionais contra senhores, na compra de alforrias, nas guerrilhas, nas fugas individuais e coletivas, nas rebeliões, entre elas a dos escravos mulçumanos Malês, em 1835, na Bahia, que envolveu centenas de africanos; a insurreição do quilombo do preto Cosme; a sublevação do mulato Manuel Balaio, em 1839, no Maranhão (FAUSTO, 2013; MOURA, 2014b).

A mulher esteve presente também nessas resistências. Luiza Mahin pertencia à nação nagô-jeje, da tribo Mahi, e dizia ter sido princesa na África; ela era ex- escrava, quitandeira e mãe do abolicionista Luís Gama (SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, 2007). A sua casa foi transformada em ponto de resistência à escravidão na Bahia. Luiza Mahin também participou como uma das lideranças da rebelião dos escravos Malês. Com a descoberta do motim, seus líderes foram reprimidos violentamente, resultando na morte de, aproximadamente, 70 membros e repressão de outros 500 participantes (FAUSTO, 2013). Luiza conseguiu fugir para o Rio de Janeiro, onde foi presa e talvez deportada para a África (SCHUMAHER; BRAZIL, 2000, 2007).

Os negros que escapavam da escravidão instalavam-se nos quilombos, forma de organização social semelhante à que existia na África, por várias regiões do Brasil. Nos quilombos desenvolviam-se a agricultura de subsistência, a fabricação de armas, a forma de governo tribal e as guerrilhas como estratégia de resistência (MOURA, 2014a). Alguns quilombos constituíram um nível de organização, no qual, segundo Del Priori e Venancio (2010), existiam reis e rainhas que os governavam. Schumaher e Brazil (2007) registraram uma rainha, de nome Teresa, líder do quilombo de Quariterê, no Mato Grosso, próximo da fronteira com a Bolívia. Além disso, para Moura (2014a), em vários quilombos ocorria, inclusive, uma economia independente. São eles:

a) A República de Palmares; b) os papa-méis de Alagoas;

c) os quilombos de Goiana e Catucá, em Pernambuco; d) os Calungas, de Goiás;

e) os quilombos da região amazonense (MOURA, 2014a, p. 60).

As mulheres, nos quilombos, ficavam com a responsabilidade de cuidar da manutenção material do grupo (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010). Elas cuidavam dos alimentos, das roças, dos animais domésticos, das confecções de roupas e dos utensílios de uso domésticos (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010; SCHUMAHER; BRAZIL, 2007). Tinham função religiosa relevante nos rituais e dominavam conhecimento das plantas medicinais, que curavam doenças e ferimentos. Elas também acompanhavam os quilombolas nas caçadas e nos enfrentamentos, com a função de conduzir pólvora e armamentos (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010). Na opinião de Schumaher e Brazil (2007, p. 82), “Há indicações de que Acotirene e Aqualtune foram mulheres que exerceram influência no célebre quilombo de Palmares, em Alagoas”.

As diversas regiões da Colônia conviveram com os quilombos. Eles estavam isolados ou nas periferias das vilas e cidades; aglutinavam pessoas de diversas etnias, cor e credo (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010). Existiam laços de amizades entre comerciantes e aquilombados, o que permitia o acesso a armas, a alimentos ou a informações que lhes possibilitassem a sobrevivência.

A mulher teve diversos protagonismos na resistência à escravidão. Schumaher e Brazil (2007) registram a negra Maria Felipa de Oliveira, talvez descendente de sudaneses, marisqueira e moradora da Ilha de Itaparica. Ela liderou cerca de 40 mulheres chamadas de “vedetas”, junto com homens e índios, na queima de embarcações de guerra portuguesas, as quais estavam na Praia do Convento prontas para atacar Salvador.

Outra forma que a mulher encontrou de resistir à escravidão foi com a compra de sua liberdade. As primeiras contas abertas de poupança na Caixa Econômica da Corte, hoje Caixa Econômica Federal, eram, por exemplo, de mulheres escravas quitandeiras e ganhadeiras do século XIX (SCHUMAHER; BRAZIL, 2007). As vendedoras ambulantes eram as que mais conseguiam comprar cartas de alforria. Entretanto, havia situações em que a escrava comprava a sua alforria, mas continuava cativa.

O escravismo no Brasil durou mais de 300 anos e só finalizou com a Abolição da Escravatura em 1888. Na opinião de Fausto (2013, p. 189), “[...] ele teve uma

longa vida também por sua abrangência, pela diferenciação entre escravos, pelas expectativas reais ou imaginárias de alcançar a liberdade”. A divisão entre escravos e aqueles que estavam em melhor ou em pior situação parece ter sido um dos entraves que dificultou uma organização maior entre eles. Entretanto, isso também não foi um impedidor da resistência ao cativeiro.

A luta contra a escravidão foi feita em etapas e de forma pausada. Segundo Costa (2010), somente a partir do século XVIII, o sistema escravista passou a ser criticado; e, no século XIX, as posições antiescravistas começaram a aparecer mais. Um exemplo disso é Nísia Floresta Brasileira Augusta, considerada uma pioneira feminista no Brasil e uma das vozes a se posicionar em favor da abolição da escravatura, em 1832 (HAHNER, 1981). Em contrapartida, Carvalho (2008) destaca que a abolição passou a ser discutida no Parlamento somente em 1884.

Nesse processo crescente de posicionamento contra a escravidão, a campanha pela Abolição atraiu vários novos adeptos e ganhou grande impulso em meados do século XIX. O associativismo em defesa dessa causa também ganhou força maior. Angela Alonso (2011) afirma que esse modo de organização esteve presente desde a década de 1840 e evidencia que, no Rio de Janeiro, em 1847, foi instituída a Sociedade Contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização e da Civilização dos Índios, com a participação de 215 membros (ALONSO, 2011). Além disso, Costa (2010) observa que o movimento abolicionista se fortaleceu e desenvolveu diversas atividades em São Paulo e no Rio de Janeiro, na mesma época.

Naquele período, haviam três correntes de pensamento que disputavam na sociedade o fim ou não do escravismo. São eles: os emancipacionistas, que defendiam o fim gradual da escravidão; os abolicionistas, que apoiavam a liberdade imediata dos escravos; e os escravistas, que defendiam a manutenção do sistema ou a indenização dos proprietários de escravos, caso ocorresse a abolição do trabalho escravo (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010).

A partir da década de 1870 e 1880, o movimento abolicionista ficou mais fortalecido com a multiplicação de associações, jornais, clubes, entre outros (COSTA, 2010; FAUSTO, 2013; MOURA, 2014a), o que Carvalho (2008) chama de movimento popular abolicionista. Nesse cenário, ele também sofreu influência dos movimentos antiescravistas internacionais. Alonso (2015) destaca três modos de lutas antiescravistas no exterior.

O repertório abolicionista internacional, que chegava por jornais, livros ou viagens, como as de Abílio Borges, continha ao menos três maneiras de lutar pela abolição. Ingleses e estadunidenses