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A Mussuca e a professora pesquisadora de espetáculos populares

No documento Corpo negro : território, memória e cinema (páginas 102-105)

4.3 NADIR DA MUSSUCA (2015)

4.3.1 A Mussuca e a professora pesquisadora de espetáculos populares

O documentário Nadir da Mussuca é da diretora Alexandra Gouvêa Dumas.95 Alexandra diz que teve seu primeiro contato com o Samba de Pareia no ano de 2011, quando, na condição de professora da UFS – Campus de Laranjeiras, pesquisava espetáculos populares no 36º Encontro Cultural de Laranjeiras – ECL.96 A voz da mestra Nadir chamou-

95 Pós-Doutora em Cultura Lusófona/Letras pela Université Paris-Ouest – Nanterre. Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia/Université Paris-Ouest – Nanterre. Professora do Núcleo de Teatro da Universidade Federal de Sergipe. Membro do grupo de pesquisa ARDICO – UFS (Arte, Diversidade e Contemporaneidade) e associada ao CRILUS – Université Paris-Ouest (Centre de Recherche Interdisciplinaire de la Culture Lusophone).

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O Encontro Cultural de Laranjeiras – ECL acontece na cidade de Laranjeiras/SE desde o ano de 1976. Reúnem-se pesquisadores, sob a denominação de colóquio e/ou seminário temático sobre a cultura popular e as manifestações artísticas tradicionais. “Criado com o objetivo de promover o estudo, a divulgação e a valorização da cultura popular, o Encontro Cultural de Laranjeiras, ao longo de sua trajetória, promoveu multiplicidade de ações. Entre outras, podem ser citadas apresentações de grupos folclóricos, oficinas, cursos, exposições, feira de artesanato, peças de teatro e exibições musicais, enfim, uma miríade de outras atividades culturais que constam da programação oficial, a certa altura, ampliada com shows musicais de bandas e trios, incorporando elementos

lhe a atenção durante o canto do São Gonçalo e na apresentação do Samba de Pareia. Com o desejo de conhecer mais as sutilezas das apresentações que vira no Encontro, Alexandra passou a fazer um trabalho de campo sistemático, frequentando a comunidade quilombola Mussuca97 para conversar com as mulheres do Samba e os rapazes do São Gonçalo.

Por essa razão, fui para a comunidade quilombola, para a casa de Nadir, para aprender, para ver e quem sabe sambar com as mulheres aquela dança tão convidativa. De apreciadora de samba, passei a ser uma das frequentadoras da comunidade e uma das presenças constantes nos dias de “visita”, o samba para o recém-nascido. (DUMAS. 2016, p. 15)

De posse de significativo registro de fotos e vídeos relacionados às apresentações e de entrevistas/depoimentos com os brincantes, Alexandra diz que, de maneira despretensiosa, passou a compartilhar conteúdos dessa experiência nas redes sociais (internet)98. As pessoas passaram a entrar em contato com ela, perguntando, afirmando que não conheciam a comunidade Mussuca e, em paralelo, também desconheciam os grupos de tradição dessa localidade quilombola, circunscrita à cidade de Laranjeiras, que faz parte do Vale do Cotinguiba – região marcada pela produção de cana-de-açúcar e que possui considerável população de negros e grupos de tradição em atividade.

A ideia de realizar um filme surge quando Alexandra Dumas, no 39º Encontro Cultural de Laranjeiras, no ano de 2014, resolve, a partir daquele momento, juntar todo o material produzido e fazer um documentário intitulado Nadir da Mussuca:

Assim comecei a sistematizar meu acervo pessoal de imagens e pude perceber que sim, seria possível desenvolver um roteiro com o conhecimento e o material já obtidos. Essa decisão de realizar esse produto audiovisual coincidiu com outro projeto que estava sendo encaminhado, que era a elaboração da pesquisa de pós- doutorado intitulada processos de Ensino-aprendizagem em manifestações tradicionais: memória, gesto e voz. Com a aprovação desse último na Fundação CAPES/Ministério da Educação e o aceite da Université Ouest-Nanterre La Défense, resolvi desenvolver temas teóricos numa interação entre memória, oralidade, processos de transmissão de conhecimentos com a realidade da Mussuca, focada na história de vida de Dona Nadir. (DUMAS, 2016, p. 15)

Outros desdobramentos se efetivaram para a consecução do documentário, por exemplo, a aprovação do projeto no edital referente à Preservação e acesso aos bens do patrimônio afro-brasileiro, publicado pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, em

da cultura de massa.” (Beatriz Góis DANTAS, 2015, p. 12.) No ano 2011, o tema geral foi Patrimônio imaterial e a era digital – período 06 a 09 de janeiro de 2011.

97 Reconhecida, em 20/01/2006, pela Fundação Cultural Palmares, com Certidão de Registro no Caderno Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos, com o processo nº 01420.003078/2005-11. http://www.palmares.gov.br/file/2018/01/TABELA.pdf. Acesso em 02 fev. 2018.

cooperação com o Ministério da Cultura. A aprovação garantiu a contratação de uma equipe técnica para realizar as gravações (DUMAS, 2016).

Por conta de ter gravado substancial material de arquivo de pesquisa do grupo e já ter conhecido o itinerário de Dona Nadir, Alexandra Dumas conseguiu fazer as filmagens do documentário num período bastante curto – seis dias:

Então eu fui já assim: vamos filmar isso. Eu já sabia o que eu ia perguntar. Porque eu já sabia das respostas que eu queria. Então a entrevista era conduzida para isso. (...) Gravamos em seis dias com muita objetividade. Então, eu só tive os amigos naqueles dias para fazer aquilo. E, pra mim, eu não tenho a formação, de certa forma, a minha é como pesquisadora das Artes Cênicas. Eu vou muito por aí.99

Segundo o que Alexandra Dumas diz na sinopse:

Instalado no campo da memória afro-brasileira, o documentário Nadir da Mussuca tem a intenção de ser um meio de reconhecimento para os atores e atrizes sociais que dele fazem parte, mas também um meio para que a Mussuca se faça presente para novos públicos. Dessa forma, o documentário pretende ser ponte de comunicação entre locais, entre pessoas. Assim espero que aconteça! (DUMAS, 2016, p. 22)

Nessa perspectiva, procuramos analisar a representação da personagem central do documentário: Maria Nadir dos Santos, mais conhecida como Dona Nadir da Mussuca, examinando sua relação com o território mussuquense, verificando as memórias da comunidade e como são as subjetividades de Nadir – mulher-mãe-cantora-brincante no São Gonçalo e no Samba de Pareia.

Para isso, assentamos nas cenas do documentário e nos textos referenciais do encarte do DVD do documentário e do livro, que integram o projeto Corpo negro – Nadir da Mussuca, cenas e cenários de uma mulher quilombola (2016), organizado pelos pesquisadores e professores Alexandra Gouvêa Dumas e Clovis Carvalho Britto.100 O livro é prefaciado pela Antropóloga e professora emérita da Universidade Federal de Sergipe – UFS Beatriz Góis Dantas – referência no estudo da antropologia em Sergipe e no Brasil, com vários livros publicados sobre a cultura laranjeirense. Consultamos outros trabalhos de pesquisa que apresentam a comunidade quilombola Mussuca como foco, bibliografias cinematográficas e distintas referências que convergem ao tema em questão.

99 2ª Mostra de Cinema Negro de Sergipe – EGBÉ. Seminário Mulheres Negras Fazendo Cinema no Brasil, com Adélia Sampaio, Alexandra Gouvêa Dumas e Luciana Oliveira. Em 22 de abril, às 09h, no auditório do SESC Centro, Aracaju, 2016.

100 Pós-Doutor em Estudos Culturais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília – UnB. Mestre em Museologia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professor Adjunto no Mestrado de Antropologia e no Departamento de Museologia da Universidade Federal de Sergipe, Campus Laranjeiras – UFS. Líder do Grupo de Pesquisa Sócio-Antropologia dos Patrimônios, Museus, Acervos e membro dos Grupos Cultura, Memória e Desenvolvimento, Histórias Regional: Manifestações Artísticas e Patrimônios e Observatório da Museologia Baiana – UFBA.

No documento Corpo negro : território, memória e cinema (páginas 102-105)