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1.3 – A Necessidade por Flexibilidade na Indústria de Gás Natural Brasileira

CAPÍTULO III – A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL BRASILEIRA E O GNL

III. 1.3 – A Necessidade por Flexibilidade na Indústria de Gás Natural Brasileira

Apesar de incipiente, a indústria de gás natural brasileira necessita bastante de flexibilidade. Na década de 90 a realização de reformas liberalizantes mudou o contexto econômico do Brasil, fazendo com que a organização industrial e os contratos tradicionalmente utilizados na fase incipiente da indústria de gás natural não sejam os melhores instrumentos para reduzir os riscos de investimentos em relação à infra-estrutura desta indústria. Segundo Almeida (2005), o contexto atual é resultante de diversos fatores que transformaram as condições básicas da indústria de gás natural brasileira, como: a liberalização dos preços dos combustíveis concorrentes ao gás natural; o esgotamento do modelo desenvolvimentista de financiamento tradicional através do setor público e de créditos externos a estatais; a privatização parcial das empresas de energia; a formação de grandes grupos internacionais capazes de disputar mercado mundialmente, a partir do processo de privatização e da introdução de concorrência na indústria do setor elétrico e de gás natural nos países desenvolvidos; a integração energética regional, inclusive na indústria de gás natural; a evolução tecnológica e a crescente convergência tecnológica e de negócios na indústria do setor elétrico e de gás natural.

Neste atual contexto econômico os preços dos combustíveis concorrentes do gás natural são dados em ambiente de mercado liberalizado. Sendo assim, esses preços possuem uma maior volatilidade, variando de acordo com o mercado internacional, com as condições climáticas e com a demanda do setor elétrico brasileiro. Em conseqüência disso, o valor do gás natural vem sofrendo mudanças com maior freqüência, sendo necessário uma maior flexibilidade da indústria de gás natural para que o preço do gás varie, objetivando manter sua competitividade com os combustíveis concorrentes (Almeida, 2005).

Outro fator que também contribui com a precoce necessidade de flexibilidade na indústria de gás natural brasileira é o que se relaciona com o seu setor elétrico. A geração elétrica brasileira é basicamente feita através das hidrelétricas, gerando cerca de 90% da energia elétrica nacional (EPE, 2006b). As hidrelétricas e termelétricas possuem respectivamente uma capacidade instalada de geração elétrica de 76,82 GW e 11,34 GW, que correspondem a 70,89% e 10,47% de toda a oferta de capacidade interna de geração elétrica no país em março de 2007 (ANEEL, 2007).

Além da capacidade instalada, as hidrelétricas brasileiras também possuem grande capacidade de armazenamento de água em seus reservatórios, sendo uma das maiores do mundo. Esta grande capacidade de armazenamento permite estocar água, elevando a capacidade de geração das hidrelétricas e permitindo que em períodos de chuvas abundantes seja gerada energia a custos muito baixos para quase todo o seu mercado. Graças ao sistema de reservatórios, ao tamanho geográfico do país e à interligação do sistema elétrico brasileiro, mesmo que uma região do país esteja passando por uma “seca”, uma outra região, que esteja com abundância de chuvas e com reservatórios cheios, pode atender à necessidade elétrica da região com “seca”, criando, assim, um mecanismo de compensação entre as hidrelétricas no Brasil e minimizando o risco da falta de chuvas. Em conseqüência desta característica do setor elétrico brasileiro, o valor econômico do gás natural destinado a geração elétrica em períodos de abundância de chuva se reduz drasticamente, podendo até chegar a zero.

Como pode-se ver, as hidrelétricas têm um papel base na geração elétrica brasileira, restando às termelétricas um papel complementar, mas fundamental, de garantir uma maior

segurança ao sistema de geração nacional, diversificando a fonte energética. Assim, o despacho das termelétricas depende das variações erráticas das chuvas e de picos de demanda. Dessa forma, instrumentos tradicionais utilizados na indústria de gás natural, como contratos de longo prazo com cláusulas de take-or-pay, não são adequados para as termelétricas a gás natural no Brasil, que necessitam de uma maior flexibilidade.

Para visualizarmos melhor a necessidade de flexibilidade das termelétricas brasileiras fizemos uma simulação desta necessidade com dados de março de 200773. O resultado desta simulação está exposto no Gráfico 18, onde pode-se ver que a necessidade de flexibilidade das termelétricas brasileiras pode ser bem elevada. Levando em consideração que por razões técnicas uma parte das termelétricas deve ser despachada e, considerando um cenário otimista com uma ordem de despacho de 30% de sua capacidade, a necessidade de flexibilidade que as termelétricas precisaram em março de 2007 foi de 31,6 milhões de m³/dia74. Pode-se também ver neste mesmo Gráfico que, com uma ordem de despacho de 50% ou mais para as termelétricas, a demanda de gás natural seria superior que a oferta deste gás em março de 2007. Sendo assim, seria necessária uma maior importação e/ou produção de gás natural para que a oferta brasileira deste gás atendesse toda a necessidade da sua demanda neste período.

73 Para efeito de simulação foi utilizado como total da capacidade de geração elétrica das termelétricas 11,34 GW e,

um consumo médio de 4 milhões de m³/dia de gás natural para cada GW gerado pelas termelétricas. Assim, caso as termelétricas tenham um despacho de 30% da sua capacidade, elas teriam um consumo de 13,6 milhões de m³/dia de gás natural.

74 Este valor correspondente à diferença entre a demanda de gás natural com 100% de despacho das termelétricas

Gráfico 18 – Necessidade de Flexibilidade das Termelétricas em Março de 2007 (milhões m³/dia) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Demanda de gás natural Demanda de gás natural Demanda de gás natural Demanda de gás natural Oferta de

gás

natural

Importação

Produção interna líquida

Consumo das termelétricas com 30% de despacho da sua capacidade

Consumo das termelétricas com 50% de despacho da sua capacidade

Consumo das termelétricas com 70% de despacho da sua capacidade

Consumo das termelétricas com 100% de despacho da sua capacidade

Consumo total de gás natural com exceção do consumo das termelétricas

Fonte: Elaboração própria a partir de dados de ANEEL (2007), ANP (2007) e ABEGÁS (2007)

Apesar da grande necessidade por flexibilidade, a indústria de gás natural brasileira quase não a possui. Pelo lado da demanda, só a partir de 2007 a Petrobras ofereceu a possibilidade de realização de contratos interruptíveis de gás natural, porém não há um mercado secundário para este insumo. Predominantemente os contratos de fornecimento de gás utilizados são de longo prazo e possuidores de cláusulas de take-or-pay. Pelo lado da oferta, a existência de flexibilidade é muito pequena, devido às especificidades da indústria de gás natural brasileira, como: a falta de capacidade de estocagem do gás natural fora do line-pack; o fato de 75% da produção nacional deste gás ser associada, assim uma variação na produção de gás que objetive uma maior flexibilidade também afetará a produção de petróleo; o fato de que quase toda a produção de gás natural nacional é oriunda de reservatórios off-shore e, portanto, há um elevado custo de oportunidade de desenvolvimento destes campos de gás; a produção on-shore de gás natural brasileira se encontra, basicamente, no sistema isolado da Amazônia, não podendo atender às necessidades por flexibilidade nas regiões do Nordeste e do Centro-Sudeste-Sul; o fato de que o

Brasil já utiliza quase toda a capacidade total de transporte do Gasbol75, havendo pouca capacidade excedente para realizar um aumento da oferta para atender a necessidade de flexibilidade da indústria de gás natural brasileira; e por último, o fato que o uso da variação da oferta de gás natural boliviano também representa um grande custo de oportunidade, graças a sua longa distância dos centros urbanos.

III.2 – A IMPORTAÇÃO DO GNL PARA A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL BRASILEIRA E O CUSTO DE TRANSAÇÃO

Vimos nas seções anteriores as necessidades da indústria de gás natural brasileira em ampliar a sua oferta e aumentar a sua flexibilidade. Objetivando atender estas necessidades a Petrobras pretende importar GNL (Petrobras, 2007b). Assim, nesta seção apresentaremos e analisaremos, utilizando a teoria do custo de transação, a indústria de gás natural brasileira e o projeto de importação de GNL da Petrobras.