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1.2 O CAMPO DA SAÚDE E A DIMENSÃO ALTERNATIVA

1.2.1 A Noção de Campo

De modo a ilustrar a distribuição dos grupos e sujeitos, na perspectiva da sociologia disposicional de Bourdieu (2013), tomamos o retrato apresentado por Loyola (1984) e conjunto de especialistas de cura, em uma região fluminense. Verificou-se que quanto mais

próximo o especialista de cura estivesse da prática médica oficial, maior era a diferenciação em termos da validade do seu conhecimento A mesma diferenciação feita em relação às práticas de cura se apresentou e refletiu a hierarquia social e os padrões estabelecidos no contexto estudado, o grau de instrução do praticante e a aceitação de sua prática pelo Estado. Em síntese, os que atuavam na lógica instrumental da ciência, a partir da prática especializada e afastada de crenças e mecanismos simbólicos, mantinha maior influência sobre o campo. Por meio desse exemplo, nota-se o enfraquecimento ou exclusão de práticas do campo da saúde, a partir de critérios de validação estabelecidos no saber hegemônico. As práticas organizadas em bases diferentes do modelo científico ocupava uma posição marginal no campo da saúde e tal posição refletia no condição social do praticante e também do usuário.

A noção de campo foi elaborada por Bourdieu (1966) como uma ferramenta teórica e analítica da realidade social para superar a “[...] perpetuação da ciência como uma espécie de partenogênese, a ciência engendrando-se a si própria, fora de qualquer intervenção do mundo social” (BOURDIEU, 2004, p.17); e para superar as concepções subjetivista da realidade, construída de forma alheia à estrutura social, e a estruturalista clássica, a qual desconsidera a história dos sujeitos. Segundo relata, posicionou-se a meio passo de cada uma dessas visões e olhou o dinamismo da realidade. Afirmou então, que entre o objeto a ser analisado, em si mesmo, e o contexto social no qual ele está inserido, existe um universo intermediário: o campo – no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem e difundem uma determinada construção humana, como a arte, a educação, a ciência, e também, as práticas de saúde. Considerou que seja qual for o campo, ele sempre será objeto de disputa.

A abordagem deste autor aceita a existência de estruturas, independentes da vontade e da consciência dos agentes, no entanto, defende que essas estruturas são produto de uma gênese social, formada a partir de esquemas de percepção, pensamento e ação. Para Bourdieu, “[...] as estruturas, as representações e as práticas constituem e são constituídas continuamente” (THIERY-CHUERQUES, 2006, p.28). Isto significa dizer que as disposições e condições no campo estão em constante redefinição, a partir da relação concreta estabelecida entre os diferentes agentes dispostos no espaço, por meio de princípios de ação.

A noção de campo na obra de Bourdieu se apresenta entrelaçada ao conceito de habitus, de modo que uma noção é consequência direta da outra. Dessa forma, a disposição dos sujeitos no campo deve ser pensada a partir do habitus: “[...] princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida envolvendo um conjunto de escolhas de pessoas, de bens, de práticas” (BOURDIEU, 2013, p.22). Por meio do habitus, os indivíduos e grupos tem uma “marca”, um

signo distintivo dentro de um espaço social, e por meio dela as diferenças são reconhecidas. Como um universo dinâmico e interativo, os diferentes agentes dispostos no campo podem apresentar elementos comuns e distintos em dado momento, e em outro momento, podem apresentar outras configurações; a variação se dá conforme o valor dos diferentes tipos de capital dispostos no espaço social. A dinâmica do campo se dá por meio de relações de forças, nas quais os agentes (indivíduos e grupos) se inserem e buscam manter ou alterar posições. No campo, “É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e não podem fazer” (IBIDEN, p.23).

Para Bourdieu (2004), as estruturas do campo operam por uma lógica própria e constituem um mundo social relativamente autônomo, organizado de acordo com o capital disponível e distribuído entre os agentes ali dispostos e interligados por relações objetivas em dado momento. Assim, a compreensão da dinâmica no campo se dá pelo reconhecimento da diferenciação de agentes (habitus), da distribuição dos tipos de capital formados nesse campo e da constante tentativa de modificação de suas estruturas em razão das disposições presentes: de resistir, ou de opor-se a forças do campo. Segundo Bourdieu (2013), pode-se reconhecer os seguintes tipos de capital: econômico, cultural, social e simbólico. O capital simbólico é uma síntese dos demais tipos de capital. E dele também desenvolve o capital científico: “[...] espécie particular de capital simbólico, e que consiste no reconhecimento atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior do campo científico” (BOURDIEU, 2004, p.26).

O campo da saúde, assumido também como processo histórico, é dinâmico e envolve relações entre sujeitos e instituições: agentes detentores de diferentes tipos de capital que se interligam numa dada sociedade e num dado tempo para auferir sentidos e significados frente à realidade social e a diversidades de práticas que se apresentam.

Ao retornar para o exemplo que ilustrou a discussão sobre a noção de “campo”, pode- se reconhecer a conclusão de Loyola (1984), que o nível de diferenciação entre os agentes na região fluminense, a partir de representações sobre adoecimento do corpo e do espírito, ligava-se ao volume de capital acumulado distribuído entre os diferentes agentes dispostos no espaço social naquele contexto. Diferentes tipos de capital estavam envolvidos, entre eles, o capital científico, o capital político, simbólico, econômico, os quais estavam presentes de forma diferenciada entre os praticantes de cura.

A partir desses elementos e noções da sociologia disposicional, obteve-se maiores condições de análise sobre o fenômeno da inserção das MAC/MT no campo da saúde.

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