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3.2 O aumento de complexidade e a redundância do sistema

3.3.1 A noção de adaptação

A noção clássica de adaptação é proveniente das ciências biológicas e remete à qualidade que um organismo tem de ser apto para sobreviver e garantir seu legado genético para futuras gerações. De acordo com MANOEL (2005) adaptação significa que há propriedades no organismo que o levam a agir de forma eficaz no ambiente, possibilitando uma aptidão ótima.

Segundo SACHS e MEDITZ (1979) os autores que compartilham uma visão organísmica definem adaptação em termos de sobrevivência: um sistema adaptativo é aquele que mantém suas variáveis essenciais dentro daqueles limites necessários para sobreviver no ambiente, de modo que tal sistema pode ser chamado de conservativo, pois ele tende a manter seu estado. Segundo a acepção biológica, a adaptação é um processo através do qual o organismo se ajusta ao seu ambiente (HOLLAND, 1995).

No entanto, a adaptação também pode ser entendida como um comportamento de autocontrole do sistema, definido em termos de sua função, ou seja, pela propriedade de produzir um resultado específico. Um sistema é adaptativo quando modifica a si mesmo ou ao seu ambiente perante alguma desvantagem imposta a ele, de modo a impedir sua perda de eficiência ao desempenhar uma função. Em outras palavras, um comportamento adaptativo é aquele disparado pela diminuição da sua eficiência, mais do que pela ameaça à sobrevivência do sistema (SACHS & MEDITZ, 1979).

VALSINER (1997), inspirado nas proposições evolucionárias do filósofo Henry Bergson do começo do século XX (RUSSEL, 2002), corrobora essa noção afirmando que novas formas organizacionais que emergem na adaptação vão além de um ajuste às demandas presentes que permita a sobrevivência do organismo, uma vez que essas formas estabelecem bases para os desafios contidos em demandas futuras. Para VALSINER (1997) as adaptações são:

“... oriented toward a set of future possibilities, which, because they do not exist in the present, cannot be precisely defined. Nevertheless, these

new forms canalize the further encounters of the organism and the environment… (p. 12)6

Revendo, agora, o ponto de vista organísmico, para definir adaptação, se pode perceber que ele é restritivo, pois se a sobrevivência fosse a única meta do sistema, a definição funcional e a organísmica seriam, no mínimo, equivalentes.

Nessa perspectiva, parece vantajoso generalizar a noção de adaptação e defini-la como uma resposta ou reação funcional que ocorre se, ao ter seu desempenho reduzido, o sistema consegue reter – ao menos parcialmente – o que foi perdido (SACHS & MEDITZ, 1979).

Para diferenciar reação e resposta, é importante considerar outra extensão do conceito tradicional de adaptação: em termos mecanicistas, um comportamento adaptativo é concebido como uma reação a uma perturbação, isto é, como sendo causado pela perturbação. Porém, muitas vezes, a perturbação é um elemento necessário, mas não suficiente para causar o comportamento adaptativo. Assim, o sistema, diante de uma perturbação pode escolher uma resposta, e em casos limites pode até não se adaptar. A perturbação pode ser o estímulo para o sistema produzir uma resposta adaptativa, mas esta depende do estado do sistema.

De acordo com TANI (1995, 2005), dentro da visão dos sistemas abertos e complexos, na investigação do processo contínuo de aquisição de habilidades motoras, é fundamental descobrir os mecanismos mediante os quais o sistema se adapta à perturbação, e isso parece depender de duas condições básicas: quanta perturbação é introduzida e quando. Nas palavras do autor, “... a questão é: qual competência se exige do sistema para que a perturbação possa constituir-se um agente detonador do processo de mudança em direção a um estado superior de complexidade?” (TANI, 2005, p. 65). Nesse sentido, a adaptação – ou resposta à perturbação – pode ser definido como uma fase de um processo hierárquico de organização de estruturas para ação, onde o sistema passa por ciclos alternados de

6“...orientadas a um conjunto de futuras possibilidades, as quais, porque não existem no presente, não

podem ser precisamente definidas. Entretanto, essas novas formas canalizam os encontros futuros do organismo e seu ambiente...”

instabilidade e estabilidade, sempre com vistas a manter ou ampliar sua eficiência para alcançar as metas de desempenho e aumentar sua complexidade.

Até agora a mudança na estrutura pode ser entendida como sendo disparada por um estímulo externo ao sistema – perturbação – mas mudanças em sistemas complexos também podem ser devidas a processos auto-organizacionais. Auto-organização é mais uma das características dos sistemas complexos que buscam combater a entropia pelo aumento de ordem. No entendimento dessa noção é importante lembrar que estrutura diz respeito ao mecanismo interno desenvolvido pelo sistema para receber, codificar, transformar e estocar informação por um lado e por outro, para responder a tal informação produzindo um resultado. De acordo com CILLIERS (2000) auto-organização é um processo tal que a estrutura nem é o reflexo passivo do ambiente, nem um resultado de fatores ativos pré-programados, mas o resultado de uma complexa interação entre o ambiente, o estado presente do sistema e sua história. Esse autor propõe a seguinte definição operacional:

“The capacity for auto-organization is a property of complex systems which enables them to develop or change internal structure spontaneously and adaptatively in order to cope with, or manipulate, their environment”.

(p. 90)7

As características básicas e princípios de um sistema auto-organizável se sobrepõem às dos sistemas complexos, de modo que a dinâmica da auto- organização pode se entendida como uma propriedade geral dos sistemas complexos.

Em resumo, as características de estrutura hierárquica de mudanças inerentes aos sistemas complexos e abertos, como é o caso do comportamento humano, o levariam a ser adaptativo, um processo que leva o sistema que estava estabilizado para um outro estado estacionário, num nível superior de complexidade respondendo efetivamente à demanda ambiental presente ou futura.

Nas palavras de TANI, CORRÊA, BENDA e MANOEL (2005),

“Pode-se, então, realizar uma síntese dessa fundamentação teórica, já que o termo sistemas adaptativos complexos reúne conceitos de várias teorias, podendo ser definido como sistemas abertos, não lineares, compostos por vários elementos em interação, numa relação hierárquica de subsistemas que, quando no limite crítico, auto-organizam-se e adaptam-se a perturbações apropriadas em níveis superiores de complexidade. Dentre os vários sistemas adaptativos complexos existentes, destacam-se, para fim desse estudo, os processos cognitivos no ser humano, tais como pensamento, linguagem, memória e aprendizagem, incluindo também a consciência, não se esquecendo que o próprio ser humano é um sistema adaptativo complexo.” (p. 56)

3.4 Os modelos sistêmicos de equilíbrio e não-equilíbrio em

aprendizagem motora.

Pesquisadores da Teoria do Processamento de Informação (TPI) e da Teoria dos Sistemas Dinâmicos (TSD) utilizam o conceito de sistema para explicar o comportamento humano habilidoso, entendendo-o como uma reunião de componentes: a) sensoriais, cognitivos e motores no caso da TPI, ou b) da tarefa, organismo e ambiente, no caso da TSD, que interagem de tal modo que levam o sujeito a exprimir um comportamento único e coerente em direção à meta. O desempenho habilidoso requer a organização de padrões de movimentos altamente refinados em relação a uma meta específica (SUMMERS, 1989).

De acordo com DROWATZKY (1981), a aprendizagem é o construto que liga a prática ao desempenho. Na TPI esse construto se refere à representação mental de forma que a aprendizagem motora implica um conjunto de modificações de estruturas centrais mediante a prática e feedback, que se refletem numa alteração do

7 “A capacidade para auto-organização é uma propriedade dos sistemas complexos que os habilitam a

comportamento. As alterações ocorrem em diferentes níveis (por exemplo, sistema nervoso, aparelho muscular), e a aprendizagem pode ser considerada como uma forma particular de mudança duradoura e irreversível do comportamento motor, pelo aumento de informações na memória (SAGE, 1971; SCHMIDT & WRISBERG, 2001). Mas tais estruturas cognitivas não são diretamente observáveis: a memória ou sua evolução não estão diretamente acessíveis a nossos sentidos, nem podem ser diretamente medidas e, assim, dependem da avaliação do desempenho, a qual aparece nos principais modelos teóricos propostos na área de aprendizagem motora. As mudanças do comportamento motor em direção a um padrão refinado e preciso são descritas como uma sucessão de características que compõe as fases de aprendizagem. ADAMS (1971) e GENTILE (1972) propuseram duas fases de aprendizagem, enquanto FITTS e POSNER (1967) propuseram três. Todos eles concordam que a aprendizagem acontece em estágios identificados nas mudanças observáveis no desempenho do indivíduo que os caracterizam como iniciantes, intermediários e avançados, sendo este último estado alcançado após muita prática e sendo também aquele no qual a automatização do movimento ocorre.

Essas características podem ser assim resumidas (MAGILL, 2000): o iniciante busca descobrir as regularidades que podem existir na tarefa; usa movimentos desnecessários e sem fluência, apresentando grande variabilidade de respostas; verbaliza a seqüência de movimentos; não se detém a detalhes da tarefa; tem dificuldade em identificar quais estímulos são os relevantes para a ação; é muito dependente da informação visual; apresenta muitos erros e tem muita incerteza sobre seu comportamento. Com a prática, essas características iniciais mudam: movimentos desnecessários são eliminados com economia de energia e a seqüência de movimentos torna-se fluente; a atenção se dirige aos estímulos relevantes e o controle visual da ação é substituído pelo cinestésico; a verbalização sobre sua ação diminui; comete menos erros e passa a ter mais certeza de seu comportamento. Esse pode ser considerado um estágio intermediário de aprendizagem.

Com mais prática, o executante começa a demonstrar características de habilidoso ou expert: agora ele tem certeza de como alcançar a meta, e o faz com manipular seu ambiente.”

mínimo gasto de energia e/ou tempo; mostra eficácia, beleza e fluência em seus movimentos e precisa dirigir pouca atenção para realizar a tarefa. Ele chegou à estabilização do comportamento, ou seja, seu movimento foi automatizado, de onde se infere que uma estrutura está formada; na visão dos teóricos da TPI uma representação interna foi formada (ADAMS, 1971; KEELE, COHEN & IVRY, 1990; SCHMIDT, 1975; SUMMERS, 1989).

Dentro da TPI, a Teoria de Esquema, provavelmente, pode ter sido aquela que mais repercussão trouxe à área de comportamento motor (SHEA & WULF, 2005). O esquema é uma regra desenvolvida pela prática e experiência ao longo da vida, que descreve o relacionamento entre os resultados alcançados em tentativas passadas prescritos em um programa e os parâmetros escolhidos para o atual programa. O esquema de lembrança é o relacionamento entre os parâmetros de cada tentativa e o resultado ambiental alcançado; o esquema de reconhecimento é o relacionamento entre as conseqüências sensoriais do passado geradas ao correr do programa e os resultados do programa.

A Teoria do Esquema foi capaz de propor um modelo que possibilitou compreender como as informações e a prática do passado podem levar um sistema a obter sucesso em situações presentes mediante a formação de um conjunto de regras abstratas que podem ser generalizadas para outras situações similares: “… a

given memorial structure or program could be executed in countless ways to allow for the fantastic number of variations we can do for the ‘same’ action”8(SCHMIDT, 2003,

p. 367). Aprendizagem motora, nessa perspectiva, é o desenvolvimento desses esquemas com a prática e experiência que se assenta sobre a capacidade de aumentar o estoque de informações na memória de longa duração, em particular, programas motores (McMORRIS, 2004). O desempenho automático em uma dada habilidade motora é a confirmação de que um programa motor foi formado.

De acordo com TANI (2005) usualmente o nível de habilidade é inferido do desempenho medido na ausência de perturbação, mas a capacidade de adaptar-

8 “... uma certa estrutura de memória ou programa poderia ser executado de incontáveis maneiras de

se às perturbações constitui-se um elemento característico de sistemas abertos e complexos. Para esse autor,

“... o grande desafio é explicar o processo de aprendizagem motora que

possibilita ao indivíduo adquirir essa capacidade [adaptar-se à

perturbação], pois, claramente, as teorias correntes são incapazes de

fazê-lo por estarem preocupadas apenas com o processo de estabilização.” (p. 64)

Assim, entendendo a aquisição de habilidades motoras como um processo dinâmico e complexo parece paradoxal, ou no mínimo incompleto, explicar a aprendizagem somente até a estabilização do desempenho, que é um processo de equilíbrio, no sentido de manter um estado alcançado via feedback negativo. Para TANI (2005) as teorias correntes projetam uma visão estática do processo de aprendizagem.

Também criticando a falta de ênfase dada às características adaptativas do ser humano nas teorias tradicionais em aprendizagem motora, RABBITT (1989) afirma que o comportamento ativo de um aprendiz durante o processo de aquisição de uma habilidade motora parece ter sido pouco ressaltado. Os modelos de processamento central da informação partem da suposição de que estágios de processamento sucessivos e lineares permitem ao sistema receber e interpretar a informação sensorial e decidir a resposta de movimento. A medida do tempo de reação (TR) e do tempo de movimento (TM) referendou a existência desses estágios de processamento. Esses modelos tratam o TR como uma soma de latências independentes para processos sucessivos.

Tarefas seqüenciais tais como tarefas em teclados, apresentam tanto demandas de organização temporal quanto de precisão, nas quais a interação da demanda de precisão com a velocidade tem sido negligenciada; para RABBITT (1989), os modelos para descrição desse desempenho humano são de um sistema em steady state hipotético: nenhum descreve sistemas que estão sujeitos a mudanças, sejam elas originadas da prática, da maturação, do processo de envelhecimento, por dano cerebral, por doenças tal como esquizofrenia, por estresse

ou por ingestão de drogas. Os modelos são essencialmente estáticos (RABBITT, 1989).

3.4.1 O modelo de não-equilíbrio na aprendizagem motora: o Processo

Adaptativo

Inicialmente formulado por CHOSHI (1978,9 1981,10 198211), CHOSHI e

TANI (198312 apud TANI, 1995), TANI (1982,13 1989a, 2005) e TANI, BASTOS, CASTRO, JESUS, SACAY e PASSOS (1992), o modelo de não-equilíbrio de aprendizagem motora do Processo Adaptativo é assim denominado porque prevê que na aquisição de habilidades motoras é importante tanto a estabilização funcional, como a capacidade de aplicação do que foi adquirido a novas situações, a adaptação, que ocorre em resposta às sucessivas perturbações que afastam o sistema do estado de equilíbrio.

Assim, esse modelo é fundamentalmente constituído pelas fases de estabilização e de adaptação (FIGURA 3). A estabilização, ou controle ótimo, é um processo de adaptação funcional que leva à formação de uma estrutura, o que se reflete na padronização espaço-temporal dos movimentos. Os comportamentos iniciais inconsistentes, mediante a prática, são substituídos por outros, mais precisos e padronizados. O aumento da consistência do comportamento é conseqüência da eliminação do erro mediante um mecanismo de neutralização do desvio – o feedback negativo.

9 CHOSHI, K. A organização do comportamento perceptual-motor. In: HAGIWARA H; CHOSHI K.

(Eds.) A organização do comportamento perceptual-motor. Tokyo: Fumaido, 1978 (em japonês).

10_________. A significância da resposta de erro nos sistemas adaptativos. Pesquisa em Psicologia Esportiva, v.7, p.60-64, 1981 (em japonês).

11

_________. Um estudo analítico do processo adaptativo em aprendizagem motora. Hiroshima: Universidade de Hiroshima, 1982. (Memórias da Faculdade de Artes e Ciências Integradas III, v. 6, p.75-82). (em japonês).

12 CHOSHI, K.; TANI, G. Sistema estável e sistema adaptativo em aprendizagem motora. In: A ciência do movimento. Associação Japonesa de Biomecânica. Tokyo: Kyorin., 1983. (em japonês).

13 TANI, G. Processo adaptativo na aprendizagem de uma habilidade motora. 1982. Tese

FIGURA 3 – As fases fundamentais do Processo Adaptativo

Uma vez estabilizado o sistema está apto para responder aos novos desafios – as perturbações – que dão oportunidade de mudança ao sistema, observada na passagem para uma outra fase, denominada adaptação (FIGURA 3). De um modo geral se pode pensar a fase de adaptação como a resposta do sistema à perturbação mediante modificações em seus parâmetros, ou em sua estrutura ou ainda pela emergência de uma nova ordem entre os elementos.

Mais detalhadamente, no modelo do Processo Adaptativo em aprendizagem motora a adaptação pode ocorrer em três níveis: 1) adaptação paramétrica, 2) adaptação estrutural e 3) auto-organização (CHOSHI,198614 citado em TANI, 1995) (FIGURA 4). Assim, após a estabilização, perturbações de pequeno porte podem ser suportadas pela estrutura, pois ela tem características flexíveis que lhe conferem adaptabilidade a tais solicitações ambientais mediante ajustes paramétricos. Essa é denominada adaptação pela modificação de parâmetros.

O segundo nível de adaptação é o da própria estrutura, que acontece quando existem demandas ambientais que o sistema não consegue abarcar, pois vão além da sua previsibilidade e, nessas circunstâncias, modificações da estrutura prévia são necessárias para que a meta ambiental possa ser cumprida. Esse tipo de adaptação é denominado de adaptação pela reorganização da estrutura.

Um terceiro nível do modelo hierárquico de aprendizagem motora ocorreria quando o sistema apresentasse uma estrutura completamente nova, instigada pelas perturbações, mas sem uma prescrição externa. Tal adaptação é denominada de adaptação pela auto-organização da estrutura, na qual fatores tais

prática Fase de

ADAPTAÇÃO

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