• Nenhum resultado encontrado

A noção de cidadania e a interpretação sistemática do direito

2.2 CRÍTICAS À COMPREENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELA

2.2.3 A noção de cidadania e a interpretação sistemática do direito

Partindo da noção de cidadania, considera-se que o objeto do contato de trabalho é atividade desenvolvida, não é a pessoa do trabalhador. Não se pode separar o trabalho da pessoa daquele que o presta. Portanto, na execução do contrato de trabalho, o empregado reúne a dupla qualidade de titular de direitos fundamentais que lhe assistem como cidadão e como titular de direitos fundamentais aplicáveis estritamente no âmbito da relação de emprego.201 Ao inserir sua atividade laborativa na organização empresarial, o trabalhador adquire direitos decorrentes dessa nova posição jurídica, sem perder, contudo, aqueles de que era titular anteriormente.202

pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.

200 Abordagem extensa e representativa da discussão brasileira em torno da dignidade humana em: SARLET, Ingo

Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

201 É comum entre os autores justrabalhistas as referências aos direitos de cidadania como um todo. “Não basta

conseguir a liberdade e a segurança em face do Estado, pois também nas relações entre os particulares podem ocorrer atentados à dignidade humana, aos seus direitos e à liberdade”. (Kahn-Freund. Trabajo y derecho. Madrid: 1987. Apud ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 238). “Uma democracia exige a irradiação dos direitos fundamentais em todo o conjunto do ordenamento jurídico e no seio da sociedade civil”. (RODRIGUEZ-PIÑERO, Miguel. Constituição, direitos fundamentais e contratos de trabalho. Revista Trabalho & Doutrina, n. 15, dez. 1997, p. 25. Apud ROMITA, Arion Sayão. Direitos

fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 243).

202 Por todos: ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr,

Em tempo e local de trabalho, embora submetido ao poder de direção do empregador em virtude do vínculo de subordinação, o empregado conserva sua qualidade de “homem livre”. A relação de emprego não o priva de seus direitos e liberdades.203

Ao considerar que os direitos fundamentais devam incidir diretamente nas relações de trabalho, alguns autores sugerem uma interpretação sistemática da qual o direito do trabalho e os direitos fundamentais, bem como todas as regulações normativas, se convergem.

Para Gebran Neto, os direitos fundamentais, parte integrante do ordenamento no qual se inserem (aplicado como um todo e não em tiras), alcançam também a ordem privada, protegendo os particulares contra atentados tanto do Estado quanto de outros indivíduos ou de entidade particulares.204

É comum entre os autores justrabalhistas citar a teoria do diálogo das fontes205 como proposta hermenêutica. De acordo com Dimoulis, os autores que sustentam a teoria afirmam que no conflito entre normas que regulamentam o mesmo tema, o aplicador não deveria optar por uma norma de acordo com os critérios clássicos para solução de antinomias, pois o certo seria realizar o “diálogo das fontes”, aplicando concomitantemente as normas ou optando pela norma ou combinação de normas que melhor atende as finalidades de proteção de determinados grupos de pessoas.206 Afirma Cláudia Lima Marques que (este método) “é valorativo e inovador: promove sempre os direitos do sujeito mais fraco e seus direitos fundamentais” e mais “trata-se de uma visão atualizada e coerente do antigamente conflito de leis no tempo, e neste sentido seve a toda a teoria geral do direito.207

203 LYON-CAEN, Antoine; VACARIE, Isabelle. Droits fondamentaux et droit du travail. Paris: Dallos, 2001, p.

449. Apud ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 243.

204 Cf. GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2002, p. 164. Apud ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 242.

205 O diálogo das fontes é o método de uma teoria do direito criado e desenvolvido pelo alemão Erik Jayme. Cláudia

Lima Marques, que foi orientada por Erik Jayme em doutoramento na Universidade de Heidelberg, é apontada como divulgadora pioneira do método entre nós. Para Renato Rua de Almeida: “É um novo método de interpretação e aplicação das leis, pelo qual, em vez da identificação do conflito entre normas jurídicas, busca-se a sua coordenação. (...) O intérprete pode dela se utilizar, não só no Direito do Consumidor, mas sempre que estiver presente um sujeito com direitos fundamentais ou em jogo valores constitucionais, pois fornece um caminho, um instrumento metodológico seguro e útil, a seguir. Da mesma forma como o diálogo das fontes é utilizado na promoção dos direitos do consumidor, ele pode e deve ser também utilizado na promoção do trabalhador – em razão da sua dignidade como pessoa humana – e de seus direitos fundamentais.” ALMEIDA, Renato Rua. Diálogo das fontes e eficácia dos direitos fundamentais: síntese para uma nova hermenêutica das relações de trabalho. In: ALMEIDA, Renato Rua de (coord.). Aplicação da teoria do diálogo das fontes no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2015 p. 160.

206 DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito .4. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 217. 207 MARQUES, Cláudia Lima. O diálogo das fontes como método da nova teoria geral do direito: um tributo

Para Dimitri Dimoulis a teoria seria em parte desnecessária e em parte equivocada. Desnecessária em razão de que a sugestão de se harmonizar e adaptar mutuamente as normas, apesar de correta, não constitui novidade, em vista da já conhecida interpretação sistemática. Equivocada pois a teoria ignora que muitas vezes não é possível harmonizar normas; havendo incompatibilidade, uma das normas deve ceder o lugar, total ou parcialmente.208

Observamos que, entre os autores que escrevem acerca desse tema, muitas vezes se ignora a proposta original e razão fundante da mesma: solucionar antinomias. Ainda, ao nosso ver erroneamente, acomodam em igual instância normativa os direitos fundamentais e a legislação infraconstitucional.