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A Ciência da Informação se ocupa do fenômeno informacional em suas diferentes perspectivas, contextos e possibilidades de manifestação (GÓMEZ, 1995; PINHEIRO, 2002;

LE COADIC, 2004; CAPURRO; HJORLAND, 2007; RENDÓN ROJAS, 2012; ARAÚJO, 2009, 2014).

O objeto de estudo da área, informação, é um campo vasto e complexo de pesquisas, tradicionalmente relacionado a documentos impressos e a bibliotecas, quando de fato a informação de que trata a CI, tanto pode estar num diálogo entre cientistas, em comunicação informal, numa inovação para setor produtivo, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro magnético de uma base de dados ou numa biblioteca virtual ou repositório, na internet (PINHEIRO, 2002, p. 62-63).

Na percepção de Pinheiro e Loureiro (1995, p. 42), a Ciência da Informação “é um ramo de pesquisa que toma sua substância, seus métodos e suas técnicas de diversas disciplinas para chegar à compreensão das propriedades, comportamento e circulação de informação”. Percebe-se, assim, o caráter dialógico da Ciência da Informação com as Ciências Sociais de forma geral, mas especificamente com a Biblioteconomia, a Documentação e a Arquivologia e a Comunicação conforme preconizado nos trabalhos de Ortega (2004), Saracevic (1996), Silva (2002), Araújo (2014, 2020) e Freire e Freire (2010).

Capurro (2003, p. 3), tendo como referência a clássica definição de Ciência da Informação de Griffith (1980), enfatiza que a área “tem como objeto a produção, seleção, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação”. Tal definição possui suas raízes nas formulações de Borko (1968) a respeito da CI:

A Ciência da informação é aquela disciplina que investiga as propriedades e os comportamentos da informação, as forças que governam o fluxo da informação e os meios de processar a informação para usabilidade e acessibilidade. Está interessada naquele corpo de conhecimento relativo à origem, coleção, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação. Isso inclui a investigação das representações da informação nos sistemas naturais e artificiais, o uso de códigos para a eficiente transmissão de mensagens e o estudo de dispositivos e técnicas de processamento da informação tal como computadores e seus sistemas de programação (BORKO, 1968, p. 22, tradução nossa).

Em termos históricos, desde os primórdios da Ciência da Informação em meados do século XX, o escopo epistemológico do campo tem sido influenciado pelo racionalismo crítico, pela hermenêutica, pela semiótica, pelo construtivismo e pela cibernética (CAPURRO, 2003, 2014). A tese defendida por Capurro (2003) é que a Ciência da Informação nasce

[...] com um paradigma físico, questionado por um enfoque cognitivo idealista e individualista, sendo este por sua vez substituído por um paradigma pragmático e social ou, para tomar um famoso conceito cunhado por Jesse Shera e sua colaboradora Margaret Egan em meados do século passado (Shera 1961, 1970) e analisado em profundidade por Alvin Goldman (2001), por uma “epistemologia social” (social epistemology), mas agora de corte tecnológico digital. Um número recente da revista Social Epistemology (v.16, n.1, 2002) é dedicado à relação entre epistemologia social e ciência da informação. Como se pode ver, o que aparentemente surge no final desse relativamente curto processo histórico, a saber, o paradigma social, já se encontrava no início, se bem que não como paradigma da ciência da informação, mas sim de seus predecessores, em particular a biblioteconomia e a documentação (CAPURRO, 2003, p. 3).

Para Capurro (2003, p. 5), a Ciência da Informação tem duas raízes: a primeira raiz é a Biblioteconomia clássica “ou, em termos mais gerais, o estudo dos problemas relacionados com a transmissão de mensagens”. A segunda raiz é de caráter tecnológico, isto é, a computação, “e se refere ao impacto da computação nos processos de produção, coleta, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação, e em especial da informação científica registrada em documentos impressos” (CAPURRO, 2003, p. 5). Dessa forma, para o autor, a Ciência da Informação também poderia ser chamada de ciência das mensagens, uma vez que o escopo da área está relacionado com aspectos socioculturais.

Embora o atributo tecnológico seja inerente ao campo da Ciência da Informação, é preciso compreender a área, sobretudo, enquanto uma Ciência Social, conforme destaca Gómez (2000) e Borges e Dalberio (2007). Em relação ao caráter social da Ciência da Informação, Moura (2006) destaca que a

A CI identifica-se como um campo de conhecimento que estuda a informação ancorada no tecido social. Isso significa dizer que ela envolve uma dinâmica de significação, de produção e circulação de signos e uma rede de atos de enunciação semiótica. Essa interação requer a consolidação de diálogos interdisciplinares nos quais a mediação, a formação e a interação informacional sejam evidenciadas tornando possível compreender, no âmbito da Ciência da Informação, o modo como sujeitos e informações se articulam semioticamente (MOURA, 2006, p. 5).

No Brasil, de acordo com a classificação de áreas do conhecimento estabelecida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (2019), a Ciência da Informação está inserida nas Ciências Sociais Aplicadas. A propósito, a consolidação da Ciência da Informação no Brasil enquanto campo de pesquisa foi discutida por Sá (2018) e Araújo (1995), Pinheiro (2006) e Pombo (2010) discutiram o caráter interdisciplinar da Ciência da Informação, enquanto Cardoso (1996) o seu caráter como ciência pós-moderna.

Capurro (2003) sintetizou o desenvolvimento histórico da Ciência da Informação a partir de três paradigmas epistemológicos, o físico, o cognitivo e o social:

a) paradigma físico: “postula que há algo, um objeto físico, que um emissor transmite a um receptor”, sem considerar os aspectos relacionados cognitivos e semióticos;

b) paradigma cognitivo: em essência, o foco recai no sujeito congnoscente, que é o usuário. Considera-se a informação como algo separado do usuário. Assim, a busca de informação tem sua origem no estado cognitivo anômalo de conhecimento, manifestado na necessidade de informação;

c) paradigma social: é de natureza “o trabalho de informação é um trabalho de contextualizar ou recontextualizar praticamente o conhecimento” (CAPURRO, 2003, p. 6).

Os aspectos relacionados aos paradigmas da Ciência da Informação e aos modelos e instrumentos para estudo dos fenômenos informacionais também foram abordados por Vega-Almeida, Fernández-Molina e Columbié (2009) e Hjorland (2018a, 2018b). Tal discussão é relevante por possibilitar uma compreensão sobre a identidade do campo da Ciência da Informação a partir de suas principais correntes teórico-epistemológicas (ARAÚJO, 2014).

A “informação é um fenômeno íntimo à existência humana” (ILHARCO, 2003, 7). No entanto, enquanto objeto de estudo de estudo científico da Ciência da Informação, a definição de informação é mais ampla do que a noção que se tem no âmbito do senso comum. Nos últimos 70 anos, diversos autores nacionais e internacionais realizaram importantes sistematizações sobre o conceito de informação no âmbito da Ciência da Informação. Neste cenário, vale destacar as produções de Buckland (1991), Vreeken (2002), Freire (1995) McGarry (1999), Capurro (2003), Silva (2006) Capurro e Hjorland (2007), Frohmann (2008), Araújo (2010, 2014), Pinheiro (2014) e Santos (2021).

Capurro e Hjorland (2007), no artigo intitulado O conceito de informação, recuperam a origem etimológica do verbete informação, os usos modernos e pós-modernos da informação, colocam em perspectiva a informação como conceito interdisciplinar (uma vez que diversas disciplinas utilizam o conceito de informação em relação a fenômenos específicos dentro do seu próprio contexto), analisam o conceito de informação nas ciências naturais, humanas e sociais, além da Ciência da Informação.

Silva e Ribeiro (2006) apresentam o seguinte conceito de informação:

Conjunto estruturado de representações mentais e emocionais codificadas (signos e símbolos) e modeladas com/pela interação social, passíveis de serem registradas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética, disco compacto, etc.) e, portanto, comunicadas de forma assíncrona e multi-direccionada (SILVA; RIBEIRO, 2002, p. 37).

Essa definição proposta por Silva e Ribeiro (2002) aborda os diferentes atributos e propriedades da noção de informação enquanto objeto de estudo: estruturação pela ação (humana e social), interação dinâmica, pregnância (ação fundadora e modeladora da informação), quantificação, reprodutividade e transmissibilidade (SILVA, 2006; GLEICK, 2013). Para Silva (2006),

Estes elementos caracterizadores da informação – fenômeno humano e social pelo qual se consuma a comunicação –, aliados à definição acima apresentada, constituem, pois, em síntese, as bases mínimas e fundamentais, para o discurso científico sobre aquilo que consideramos ser o objeto de estudo de uma área teórico-prática em conciliação, que determina competências profissionais em conformidade com a respectiva fundamentação teórica e com as exigências do desempenho profissional no terreno (SILVA, 2006, p. 25).

Para Réndon Rojas (2005, p. 53, tradução nossa) “a informação é um insumo do conhecimento e sempre é recebida por meio dos sentidos”. Ou seja, na percepção do autor “não pode haver conhecimento sem um conhecedor”. Assim, o “conhecimento é criar e recriar sentidos, construir e reconstruir ideias, formar e formar juízos, produzir e reproduzir teorias, fundamentar e re-fundamentar discursos, elaborar e reelaborar visões de mundo” (RÉNDON ROJAS, 2005, p. 54, tradução nossa).

Compreender essa relação informação-conhecimento no âmbito da Ciência da Informação exige uma leitura macrossocial, isto é, analisar o fenômeno informacional como parte da cultura (GÓMEZ, 1984). Para tanto, Cardoso (1994) utiliza três categorias analíticas:

historicidade, totalidade e tensionalidade:

1) a historicidade dos sujeitos cognoscentes e dos objetos cognoscíveis (lembrando que nas ciências do homem são também sujeitos, por definição) que os coloca em uma relação culturalmente determinada; [...] 2) a totalidade dos fenômenos sociais; [...] 3) a tensionalidade constante que está presente na sociedade (CARDOSO, 1994, p. 111-112).

Tais apontamentos enfatizam o caráter social do conceito de informação, que implica

“o entendimento da mesma enquanto construto social, resultado das relações estabelecidas entre os homens no contexto de uma sociedade historicamente construída, e que se apresenta de forma dinâmica e em permanente mutabilidade” (REIS, 2007, p. 23). Ou seja, “informação é

um produto social e resulta das interações entre os homens e nela se incorporam as dimensões - históricas, econômicas, políticas e culturais” (REIS, 2007, p. 23). Por essa razão,

A Ciência da Informação dialoga necessariamente com as áreas que envolvem: a efetividade da comunicação humana, o conhecimento a informação e seus registros, as necessidades e os usos da informação, seus contextos sociais, institucionais e individuais. Esse diálogo é, contudo, entrecortado pela complexidade oriunda da multiplicidade de perspectivas postas na compreensão do fenômeno informacional (MOURA, 2006, p. 4).

Em última análise,

A informação se constitui como processo de elaboração de sentidos, sobre as coisas e os sujeitos no mundo, o que a associa, de imediato, às formas de representação e de conhecimento, configurando-se como um fenômeno da esfera da cultura. Isso ocorre por intermédio das práticas sociais e das relações entre sujeitos inseridos em um determinado espaço e em um contexto social. A presença da informação perpassa, abstrativamente, os jogos de trocas materiais e simbólicas entre sujeitos ocupantes de um lugar social específico e inseridos em uma cultura corrente (MARTELETO, 2002, p. 34).

Levando em conta a dimensão social do sujeito do conhecimento, gerador/usuário de informação (GÓMEZ, 1994), é preciso compreender a informação no âmbito da Ciência da Informação enquanto “substrato da vida social, fundamental à compreensão dos fenômenos, requerendo daquele que a recebe submetê-la a um processo de análise, crítica e reflexão, para que, inserindo-o na historicidade dos processos sociais possa ser incorporada como conhecimento, norteando a ação” (REIS, 1999, p. 155).

Pinheiro (2014) chama a atenção para o fato de que

Informação é tradicionalmente relacionada a documentos impressos e a bibliotecas, quando de fato a informação de que trata a Ciência da Informação, tanto pode estar num diálogo entre cientistas, em comunicação informal, numa inovação para indústria, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro magnético de uma base de dados ou em biblioteca virtual ou repositório, na Internet (PINHEIRO, 2014, p. 1).

Embora a informação seja um elemento presente em todos os campos do conhecimento, foi a Ciência da Informação quem a tomou como objeto de estudo, conforme afirma Pinheiro (2014).

Assim, informação, por ser objeto de estudo da Ciência da Informação, permeia os conceitos e definições da área. E, embora informação não possa ser definida nem medida, o fenômeno mais amplo que este campo do conhecimento pode tratar é a geração, transferência ou comunicação e uso da informação, aspectos contidos na definição de Ciência da Informação. Por outro lado, deve ser explicitado que, embora haja relação profunda entre conhecimento e informação, os dois termos são distintos, portanto, não são sinônimos e, na literatura, esta é uma questão recorrente (PINHEIRO, 2014, p. 2).

Os conceitos de informação na Ciência da Informação são múltiplos e facetados, vão desde os estudos que a correlacionam com a teoria matemática da comunicação (SETZER, 1999; MACHADO, 2001), passando a abordagens da informação enquanto conhecimento registrado (FROHMANN, 2008; CORREIA; ZANDONADE, 2018; ZAMMATARO;

ALBUQUERQUE, 2021) até chegar na análise da informação a partir de uma perspectiva sociocultural (CARDOSO, 1994; BATES, 1999; REIS, 2007; REIS; NASSIF, 2019).

Todavia, na atual conjuntura socioeconômica a centralidade da informação deve estar

“posta como instrumento de democratização e cidadania, à medida que se considera que a disponibilidade e o acesso à mesma constituiriam elemento crucial para a transformação social”

(REIS, 1999, p. 153). No contexto da saúde, as bibliotecas universitárias desempenham um papel fundamental nesse processo (PUGA; OLIVEIRA, 2020). Em decorrência disso, para que seja possível discutir a importância de informações/evidências científicas no contexto da saúde e suas reverberações na prática bibliotecária, deve-se, primeiro, indagar e buscar compreender o que é saúde. Tal empreitada é um desafio concreto porque o conceito de doença está sempre na órbita da ideia que se tem de saúde (processo saúde-doença), e porque a saúde enquanto problema filosófico e científico, é multidimensional (ALMEIDA FILHO, 2011). A seção a seguir se concentra em tal questão.