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A noção de sustentabilidade segundo Hartwick-Solow

A abordagem de Hartwick-Solow, do final dos anos de 1970, também conhecida como Abordagem Conservacionista sobre sustentabilidade, estabelece que o conflito entre consumo presente e futuro, de tempo indeterminado, é possível de ser resolvido recolhendo-se taxas, ou impostos, por um dado conjunto de dotações de recursos. O núcleo do problema da sustentabilidade é vislumbrado em termos de como o consumo de bens e serviços pode ser mantido por várias gerações, dado que alguns recursos são potencialmente consumíveis, por isto entende-se como: devastado, esgotado. O pensador neoclássico Hicks apresenta uma análise acerca da determinação do salário, e esta elucida o conceito acima.

A razão de cálculos salariais em negócios práticos é dar às pessoas uma indicação do montante que elas possam consumir sem empobrecer elas mesmas. Seguindo esta idéia, poderia parecer que nós temos a obrigação de definir um salário do homem com o máximo valor que ele pode consumir durante uma semana, e ainda esperar para que ele esteja tão bem no final da semana quanto no começo. Conseqüentemente, quando uma pessoa poupa, ela planeja estar melhor no futuro; quando ela vive além do seu salário, ela planeja estar pior. Lembrando que a razão prática do salário é servir como um guia de uma conduta prudente. Eu acho que isto está claro e que este deve ser o principal significado (HICKS, apud HUSSEN, 2000:182).

Ou seja, Hicks conclui que ao determinar a base salarial, esta deve ser sustentável. O montante deveria ser tal que ao gastá-lo, em uma base regular, este não causaria um empobrecimento em períodos futuros. Baseado nesta visão econômica, a sustentabilidade teria duas implicações: primeiro, em conseqüência da depreciação dos bens de capital (prédios, máquinas, auto-estradas etc.) e da degradação do meio ambiente, um desenvolvimento sustentável requer a reposição destes, composto por capital natural e humano. Assim, a manutenção de um “nível apropriado” do estoque de capital é um componente crucial na definição de sustentabilidade. Isto implica na retirada (ou consumo) tanto de recursos renováveis como não-renováveis da natureza.

Em segundo lugar, para se medir desenvolvimento sustentável, o método convencional da contabilidade social deveria ser modificado. De acordo com o sistema convencional de contabilidade nacional, o Produto Nacional Líquido (PNL), usado para aferir o bem-estar agregado de uma dada sociedade, é obtido pela subtração da depreciação do estoque de capital do Produto Nacional Bruto (PNB). Mas, nesta depreciação, não está contabilizado o desgaste, a depreciação dos recursos naturais

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utilizados, e o capital natural, florestas, pescarias, depósitos de minérios etc. que foram usados como matérias-primas na produção ou no consumo em atividades econômicas. Conseqüentemente, para um PNL sustentável (Hussen, 2000:192-5), o PNB deveria ser modificado para contabilizar a depreciação referente à extração e degradação do meio ambiente, capital natural, da mesma forma que a renda nacional líquida é igual à renda nacional bruta menos as estimativas de depreciação do capital humano gerado.

Aqui, assume-se que o capital natural e o capital humano são substitutos. Ou seja: a sustentabilidade não estaria sujeita à existência de um estoque mínimo dos recursos naturais. Isto porque, se capital humano e natural são substitutos, a depreciação de recursos escassos e a degradação da qualidade ambiental em larga escala não caracterizariam a preocupação principal. De acordo com esta visão, o desenvolvimento sustentável simplesmente requer a manutenção constante do estoque de capital, pois considera que a economia seja um sistema auto-regulável ou auto-organizador.

Contudo, a composição do estoque de capital não é considerada relevante. Por esta razão, o critério de Hartwick-Solow para sustentabilidade é algumas vezes referido como o critério fraco de sustentabilidade. Fraco no sentido de que não submete o capital natural de forma incondicional para um contínuo crescimento econômico. Em conseqüência, a questão relevante é: mantendo-se um nível “adequado” de investimentos “compensatórios”, sejam estes de qualquer natureza, proteger-se-á os interesses das gerações futuras? Segundo Hussen (2000:183):

This is clearly an ethical question, and it is partially addressed by an application of a simple sustainability rule developed by Hartwick (1977). This rule simply states that maintaining a constant real consumption of goods and services or real income (in the Hicksian sense) is possible even in the face of exhaustible resources provided that the rent (…) derives from ‘an intertemporally efficient use’ of these resources is reinvested into renewable capital assets.

Assim, o fato principal reside num melhor uso dos recursos escassos ou esgotáveis mais que no fato da depreciação desses recursos. Ou, em outras palavras, na eficiência do uso e alocação desses recursos em detrimento de sua conservação.

A regra de sustentabilidade de Hartwick tem como intento traçar o caminho intertemporal de sustentabilidade ótimo. E, para isso, baseia-se em algumas questões, dentre as quais, a de que as preferências dos indivíduos e os recursos privados seriam determinados exogenamente e o preço de mercado deveria refletir o valor social real dos recursos em relação ao tempo. Literalmente isso implica na existência de um mercado

perfeitamente competitivo e permanente ao longo do tempo. Ou seja, esta regra está mais para uma condição de eficiência intergeracional do que para sustentabilidade.

Neste ínterim, lidar com eficiência intergeracional levará fatalmente a fazer comparações de bem-estar entre as gerações e, neste caso, a questão da dedução não pode ser ignorada. A noção de dedução refere-se às preferências das pessoas sobre as escolhas de consumo presente e futuro, apesar de assumir-se que estas, ao longo do tempo, são positivas. Isto é, em outras palavras, ceteris paribus, as pessoas preferem consumir mais no presente que no futuro. Mas, nada impede que elas mesmas passem a preferir guardar um pouco hoje para consumir mais no futuro.

A busca por deduzir o futuro é derivada do fato que os agentes são míopes ou inseguros, ou ambos, em relação ao amanhã. Cada agente isolado é visto como egoísta e imprevisível, buscando ampliar seu bem-estar no presente ou futuro próximo, sem preocupar-se com os benefícios, ou custos, vindouros. Além do mais, a expectativa geral é que o futuro pode ser mais difícil de ser antecipado para um indivíduo do que para toda a sociedade. Isto porque os indivíduos, ou interesses privados, não vêem o porvir do mesmo jeito que a sociedade, que representa os interesses coletivos dos indivíduos. As deduções para uma sociedade são mais previsíveis e menos incertas sobre o futuro do que para um indivíduo.

Desse modo, a escolha do padrão de dedução, privado versus social, sobre o comportamento de consumo é crucial. Um padrão de dedução positiva ampliará o bem- estar das gerações presentes em detrimento das gerações futuras. Um padrão de dedução baixa favorecerá as gerações futuras incorrendo em restrições às gerações presentes. Assim, a escolha do padrão de dedução torna-se uma questão ética, a qual incidirá, em decorrência de decisões tomadas pela geração presente, sobre o bem-estar das gerações futuras. Portanto, o caminho de Hartwick-Solow de sustentabilidade não é considerado um problema sério, desde que o esforço de uma dedução positiva possa ser compensado por um padrão de crescimento com progresso tecnológico, de modo a desonerar o capital natural.

Mas, justamente nesse sistema de produção, orientado pelo mercado globalizado e calcado na coisificação da natureza, que se encontra o limite de sua continuidade na crise ambiental, fazendo emergir a necessidade de apropriar a noção de sustentabilidade ao processo de produção e consumo dos recursos naturais, e a noção de solidariedade e comunidade aos processos sociais. Nesse sentido:

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(...) a complexização da produção implica a desconstrução do logos globalizador do mercado, da compreensão mecanicista do equilíbrio macroeconômico e dos fatores produtivos, da lei do valor que desconhece a natureza e a cultura. A produtividade da complexidade ambiental emerge da articulação da natureza, da tecnologia e da cultura, da sinergia de processos de diferentes ordens (LEFF, 2003 p.44).

Assim, ainda segundo o autor, a sustentabilidade se caracteriza pela busca de equilíbrio “entre a tendência para a morte entrópica do planeta, gerada pela racionalidade do crescimento econômico, e a construção de uma produtividade neguentrópica, baseada no processo fotossintético, na organização da vida e na criatividade humana” (LEFF, 2003, p.44). Em suma, a crise ambiental demonstra o esgotamento do modelo de sociedade e de produção no qual se vive, e aponta para a necessidade de um projeto que venha a possibilitar a reconstrução social do mundo.

O esforço no sentido de construir um projeto para a reconstrução social do mundo é considerado possível por alguns pensadores, que consideram os sistemas auto- organizados, e tem correspondência na análise da teoria da regulação, a chamada Escola da Regulação Francesa5 (DRUCK, 2005), que procura construir um referencial para a abordagem da dinâmica e mudança econômica e social. Conforme essa proposição analítica, existe um conjunto de mecanismos, institucionais e funcionais, como o mercado e o Estado, que organizam a mudança e a dinâmica da economia permitindo a sua estabilidade. Mesmo no meio das crises, existiria um padrão de organização, definido pelo sistema de regulação, que administraria e regularia o processo de reestruturação e retomada da dinâmica econômica em acordo com a natureza.

Para Alain Lipietz (1984) citado por Buarque (2002), as crises seriam organizadas pelo sistema de regulação que facilitaria a reorganização do processo econômico, permitindo que o sistema econômico convivesse com as instabilidades e delas se recuperasse, em um processo de retroalimentação negativa. Funcionaria, dessa forma, como uma “crise regulada”, ou uma crise necessária e controlada.

Entretanto, a teoria da regulação considera que, em alguns momentos de maior instabilidade, pode e costuma ocorrer o que o autor chama de “crise da regulação” (LIPIETZ apud BUARQUE, 2004), quando as mudanças são tamanhas que tornam obsoletos e ineficazes os mecanismos do sistema de regulação dominante, demandando um novo padrão de organização. Nesse caso, os sistemas econômico e político internacional podem passar por alterações tão intensas e profundas do paradigma de

desenvolvimento que o sistema de regulação não conseguiria mais controlar as mudanças, fazendo-se necessário o uso de novos mecanismos e regras de organização (BUARQUE, 2004). Deste modo, o caminho de Hartwick-Solow seria incompleto porque se refere apenas ao fato da sustentabilidade econômica ou do sistema econômico, apesar de este considerar que está ligado ou influenciado pelo sistema ecológico.

A seguir, são apresentadas algumas qualificações importantes que ratificam a fraqueza do caminho de Hartwick-Solow de sustentabilidade (HUSSEN, 2000:185-86).

• Primeiramente, assume-se que capital humano e capital natural são substituíveis. Esta é uma questão de longas discussões entre neoclássicos e economistas ecológicos. Estes últimos acreditam que as trocas entre os dois tipos de capitais são de complementaridade. A implicação desta condição para a sustentabilidade é o longo alcance de um em relação ao outro.

• Segundo, a eficiência intergeracional requer que os preços de todos os bens e serviços (incluindo bens naturais) possam refletir seus valores sociais. Mas, como se sabe, as distorções de preços devido às externalidades no meio ambiente são também simplesmente ignoradas ou assume-se serem remediadas com pouca ou nenhuma dificuldade.

• Terceiro, a idéia da dedução positiva é questionada por alguns economistas e ecologistas, que a consideram errada, por mostrar pouco interesse com o bem- estar das gerações futuras e ser de ética questionável.

• Quarto, o caminho de Hartwick-Solow de sustentabilidade não considera explicitamente a escala (o tamanho da economia humana existente relativa ao ecossistema natural) como uma importante questão.

• Quinto, a economia ecológica, apresentada na próxima seção, propõe que o caminho econômico deva basear-se numa melhor e mais focada visão sobre o meio ambiente no entendimento da complexa relação com a economia.

• Sexto, critica-se ainda o tratamento inadequado dado à natureza e, da incerteza quanto ao futuro associado à avaliação e à administração dos recursos naturais no longo prazo. Ignoram-se os transtornos e as conseqüências sobre a humanidade em decorrência da degradação do meio ambiente, ainda que em conseqüência de uma reduzida escala da atividade econômica, culminando em reduções da qualidade de vida humana.

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Por tudo isso, o caminho de Hartwick-Solow é considerado de baixa sustentabilidade porque propõe a substituição do capital natural pelo capital humano representado pelo progresso tecnológico, como sendo o sistema econômico auto- regulador por meio do mecanismo de mercado e pela inovação. Essa discussão parece indicar que o caminho de Hartwick-Solow absorve a concepção de crescimento econômico como indicador do desenvolvimento, ainda que este traga a reboque a diminuição da qualidade de vida como reflexo da degradação ambiental em busca de um maior nível de produto.

Entende-se, portanto, que o crescimento econômico deve coexistir com o aumento da qualidade de vida, como postula Cavalcanti (1999), e não implicar apenas no alargamento das dimensões econômicas. A noção de desenvolvimento econômico é aquela que representa, necessariamente, além do crescimento quantitativo, uma transformação estrutural da economia, uma melhora qualitativa na vida em sociedade, por exemplo, uma maior oferta de serviços públicos como de saúde, sanitário, educacional, dentre outros.

Segundo essa alternativa para o alcance da sustentabilidade, é como se o sistema econômico não fizesse troca com o meio ambiente, como se as conseqüências das trocas entre o sistema econômico e o ecossistema não tivessem custos. De acordo com Cavalcanti:

Em outras palavras, sendo um sistema aberto, a economia é influenciada pelo ecossistema, influenciando-o em contrapartida. Há aqui um elemento fundamental a considerar, que é o feito de que a operação do processo econômico implica mudanças qualitativas permanentes e irreversíveis no meio ambiente (CAVALCANTI, 1999:68-69).

A simples substituição do capital natural por tecnologia, inovações e/ou uma gama de bens e serviços criados artificialmente, seria insustentável, dados os transtornos causados ao meio biofísico e sobre o homem. Conforme análise de Georgescu-Roegen (1971) citado por Mueller (1998), os fenômenos da dimensão biofísica obedecem às leis da termodinâmica. O processo econômico é caracterizado pela transformação de matérias-primas, terra e insumos de modo geral, além do capital físico e monetário e do trabalho (uma energia), em outros bens e serviços. Sendo assim, não se pode desprezar a

existência do fenômeno da transformação econômica que retira matéria do meio ambiente com baixa entropia e a devolve com alta entropia6.

Por isso, o caminho para a sustentabilidade deve buscar percorrer os pressupostos de um desenvolvimento auto-sustentável, onde as ações de hoje devem ser adotadas considerando seus impactos sobre as gerações futuras. Ou, resumidamente, deve-se buscar o aumento da capacidade produtiva da economia em paralelo com a melhoria da qualidade de vida estendida às demais gerações.