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Viu-se que a simples estruturação da notícia – na decisão sobre o que constará no lead – reflete uma intenção dos jornalistas em selecionar o que, no julgamento profissional, seria o mais importante a divulgar. Entretanto, como também já se afirmou, a técnica não é suficiente para garantir um recorte eficaz dos assuntos pautáveis. É preciso, além disso, avaliar a

noticiabilidade dos acontecimentos.

O conceito é utilizado, entre outros autores, por Mauro Wolf (1995), que vai defini-lo como a aptidão para uma ocorrência se transformar em notícia. Pesa sobre essa possibilidade um conjunto de requisitos, que são criados, moderados e aplicados pelos jornalistas e pelos órgãos/empresas de informação: os valores-notícia. A presença ou a ausência desses critérios – também chamados de critérios de noticiabilidade – ajudam os profissionais do jornalismo a enfrentar “a tarefa de escolher, quotidianamente, de entre um número imprevisível e indefinido de factos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias” (WOLF, 1993, p. 170).

Apesar disso, os critérios de noticiabilidade não se apresentam em estado puro, tendo em vista que um mesmo acontecimento pode apresentar inúmeros apelos. De igual forma, não são categorias estanques, imutáveis no tempo, nem igualmente importantes em diferentes situações ou, até mesmo, para distintos veículos de comunicação.

Mesmo sendo tão marcante, a consciência com relação aos valores-notícia não precisa estar expressa em nenhum manual ou ser reafirmada diariamente nas redações dos jornais. Trata-se de características cujo objetivo é facilitar, otimizar e agilizar a seleção de fatos

noticiáveis, isto é, voltam-se não para uma reflexão teórica, mas para uma aplicação prática, estando presentes mesmo antes da produção da notícia, isto é, na fase de angulação anteriormente descrita.

Para fins meramente didáticos, Mauro Wolf (1995) vai classificar os critérios de noticiabilidade em relação ao conteúdo das notícias, às suas qualidades específicas e ao público, entre outros aspectos que não interessam a esta pesquisa. Dois fatores centrais dizem respeito à importância e ao interesse humano do noticiário. Aqui se acrescenta a atualidade, uma vez que, como já discutido, o cotidiano é a matéria-prima do trabalho jornalístico.

Julga-se como importante um acontecimento que envolva indivíduos ou instituições de grande poder, que tenha impacto sobre a nação, que alcance um grande número de pessoas, ou que tenha relevância para o desenvolvimento futuro de uma determinada situação. Vê-se, assim, que, apenas a partir do critério importância, já aparecem outros, como a proximidade

(aproximação geográfica ou cultural), o impacto e a significatividade.

No tocante ao interesse humano, o autor vai se referir às notícias que despertam a curiosidade e a atenção do público. Daí surge a dualidade entre interesse público e interesse do público. A ideia de informação de interesse público é definida por autores como Kovach e Rosenstiel (2004) como aquela necessária para que os cidadãos sejam livres e se autogovernem. Pode-se dizer, a priori, que esse pensamento carrega consigo uma visão distante da realidade, entretanto se faz mais compreensível quando os pesquisadores relacionam-no à ideia de democracia, participação política e cidadania, ou seja, abordagens dedicadas, sobretudo, à vigilância dos poderes instituídos e a assuntos de utilidade pública/serviço.

Apesar disso, tanto Kovach e Rosenstiel (2004), quanto Wolf (1995) e Fontcuberta (1993) são unânimes ao ressaltar que os media não baseiam – e nem poderiam basear – seus noticiários tão somente nesses assuntos, sob o risco de se fazer um jornalismo aprofundado, mas ignorado pelas audiências. No jornal impresso, que tem um público ainda mais específico10, a necessidade de trazer enfoques que lhes chamem atenção é ainda mais evidente. Assim, a partir de uma ideia dessa audiência presumida11 (VIZEU, 2010), apresentam-se mais valores-notícia, necessários à conquista do leitor/espectador: curiosidade,

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Pode-se dizer que, em comparação com a televisão, que tem um público mais abrangente, o jornal é mais específico, porque a maioria dos leitores é de anunciantes, cujo perfil, por mais que não seja traçado por estratégias de marketing, tem-se mais ou menos visível: uma população que, apesar dos avanços tecnológicos, prefere o noticiário de papel, tem acesso à leitura e, por conseguinte, tende a possuir (embora não necessariamente) um nível cultural mais elevado.

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Audiência presumida é uma hipótese trabalhada por Vizeu (2010), consistindo na antecipação intuitiva do público-leitor/espectador por parte do jornalista.

conflito, suspense, emoção, consequências, surpresa, aberrações, feitos heroicos, entre outros. Constitui-se, assim, o que se pode chamar de interesse do público.

Uma das qualidades específicas dos acontecimentos que possuem maior noticiabilidade, porém, é a negatividade, aliada à proximidade. Quanto mais um assunto representar uma infração, um desvio ou uma ruptura do que se julga ser o estado normal das coisas em um determinado grupo, mais ele tem a probabilidade de ser tornar objeto de interesse do jornalista. Isso ocorre, ressalta Wolf (1995), não porque o profissional é macabro ou insensível, mas porque os leitores tendem a mostrar interesse por algo que os impressione, em detrimento de ocorrências de rotina.

Percebe-se, portanto, que, igualmente às rotinas produtivas, a noticiabilidade, mesmo variando no tempo e no espaço e de acordo com a empresa jornalística, é determinante no que se torna notícia nos veículos de comunicação. Destarte, uma terceira crítica fundamental, a se somar com outras duas apresentadas nos itens 1.2.1 e 1.3.4, destaca-se: a transformação midiática de um acontecimento é fruto de uma avaliação de suas características, ponderando o jornalista sobre a importância da ocorrência, sobre a quem interessa determinado assunto, aos personagens envolvidos e às possibilidades de divulgação, além dos já trabalhados julgamentos pessoais ou dos órgãos de imprensa.

De que forma, então, essas noções se relacionam com o jornalismo policial e, mais especificamente, com a cobertura de crimes violentos?