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Talvez um reflexo da indefinição conceitual debatida nos últimos tópicos seja o aparecimento, apenas a partir do século XX, dos primeiros mecanismos jurídicos voltados tanto à criança e ao adolescente quanto à juventude, no Brasil.

No caso da infância e da adolescência, o primeiro deles foi o Código Mello Mattos

(em homenagem ao primeiro juiz de Menores do Brasil), de 192721, criado para atender, de forma geral, somente os indivíduos com menos de 18 anos abandonados e os chamados delinquentes, com vistas a assisti-los, reeducá-los e reinseri-los à sociedade (ROBERTI JÚNIOR, 2012). Sua vigência seguiu até 1979, através da Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código de Menores. Este alargou o raio de ação do seu antecessor, tendo por objetivo a assistência, proteção e vigilância daqueles com menos de 18 anos e que se

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Antes do Código Mello Mattos, crianças e adolescentes eram basicamente tratados, do ponto de vista jurídico, como adultos, não tendo direitos específicos. Segundo observa Maurício Maia de Azevedo (2007), por exemplo, no tempo da Família Real, a única proteção para menores de 17 anos era a impossibilidade de condenação à morte. Com o Código Penal de 1830, meninos e meninas a partir de sete anos poderiam ser presos. Com o Código Penal de 1890, pessoas entre nove e 14 anos que cometessem delitos deveriam ser levados a casas de correção, mas estas nunca saíram do papel. Só ao final do século XIX, sobretudo por influência norte-americana, surge o então chamado Direito de Menores, influenciando o Brasil a criar o seu primeiro código – o Mello Mattos.

encontrassem em situação irregular, isto é, abandonados pelos pais ou responsáveis, oriundos de famílias carentes, vítimas de crimes, em desvio de conduta ou quando autores de atos infracionais (BEZERRA, 2006).

Ainda que representasse um avanço para a época, não havia um processo legal de proteção integral, pois a intenção, quando da aplicação das medidas entendidas como cabíveis pelo juiz, era apenas a reintegração dos menores (daí a origem da expressão utilizada ainda hoje), com vistas ao controle social e à redução da criminalidade. Assim, lembra o jurista Saulo de Castro Bezerra (2006), “os menores de 18 anos ainda eram vistos, apenas e tão somente, como simples objetos de intervenção do mundo adulto, e não como sujeitos de direitos frente à família, à sociedade e ao Estado” (p. 17).

As visões acerca dos direitos da infância e adolescência só começam a ganhar forma, mais concretamente, com discussões internacionais, a exemplo da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1966, quando fica acordado que “medidas especiais de proteção e de assistência devem ser tomadas em benefício de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação alguma derivada de razões de paternidade ou outras” (ONU, 1966).

A concreta afirmação da criança e do adolescente como portadores de direitos, no Brasil, só vem mesmo com a Constituição Federal de 1988. Em seu artigo 227º, enfatiza que

é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem [o termo jovem foi incluído apenas em 2010], com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, vem como legislação específica, complementar à Constituição, ratificando todos os direitos da infância e da adolescência, bem como os mecanismos de tratamento que devem ser dispensados aos menores de 18 anos que cometerem atos infracionais, expressão equivalente ao crime, no caso dos adultos. Também está prevista, assim, a responsabilização por ações que firam as leis vigentes no país, ainda que, na prática, o Estatuto sofra com críticas de determinados segmentos sociais, que julgam que essas medidas sejam brandas.

No que toca à juventude, a legislação brasileira é ainda mais recente. Explica Novaes (2007) que as discussões acerca da inclusão econômica, societária e cultural de jovens aparecem, no mundo, nos anos 80, mas só ganham força, no Brasil, na década de 90, quando pesquisadores se debruçaram na identificação de suas vulnerabilidades, potencialidades e demandas. Nesse contexto, tiveram grande importância iniciativas da sociedade civil, de

organizações não-governamentais e da Organização das Nações Unidas (ONU). Esta última, inclusive, já havia definido, em assembleia geral, em 1985, o intervalo entre 15 e 24 anos como o recorte etário da juventude, o qual permanece seguido em muitos países.

Os marcos legais brasileiros começam a aparecer, porém, só em 2003, com a constituição de uma comissão especial de políticas públicas voltadas à juventude. Elas resultaram no desenho de uma política nacional, que começou a se concretizar com a sanção, em 2005, de uma medida provisória em benefício desse segmento social, criando uma secretaria de governo, um conselho nacional para fomentar estudos e propor diretrizes, além do Projovem – programa de inclusão educacional e profissional (NOVAES, 2007).

No entanto, a primeira garantia jurídica dos direitos dos jovens se dá com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição, em julho de 2010, que fez com que o artigo 227º da Constituição Federal, citado há pouco, acrescentasse o jovem como objeto de proteção absoluta do Estado, num texto que já contava com a criança e o adolescente. Essa conquista facilitou uma aprovação de ainda maior impacto e importância: o Estatuto da Juventude, em agosto de 2013, através da Lei 12.852.

Mecanismo semelhante ao ECA, abarca e protege as pessoas com idade entre 15 e 29 anos (ampliando em cinco anos a definição da ONU), ao dispor sobre os direitos, os princípios e diretrizes das políticas públicas em seu benefício e proteção. Já em seu artigo 2º, destaca as razões de ser que baseiam o Estatuto, sendo algumas das quais: a promoção da autonomia e emancipação dos jovens, no sentido de inclusão, liberdade e participação social; a promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do país; o reconhecimento do jovem como portador de direitos; a promoção do bem-estar, da experimentação e do seu desenvolvimento integral; o respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude; e a valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações (BRASIL, 2013).

Diante das considerações apresentadas, faz-se necessário, portanto, delimitar o que se busca neste estudo, ao se referir à juventude.