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A nova disciplina do mandado de segurança coletivo

3 PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA NOVA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA

3.2 A nova disciplina do mandado de segurança coletivo

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou a ser prevista, em seu art. 5º, LXX, a figura do mandado de segurança coletivo. Desde então, nenhuma norma infraconstitucional foi editada com o escopo de regulamentar o mandamus coletivo.

Durante tal período, entretanto, não deixou a norma constitucional de ser aplicada, posto que dotada de eficácia plena e imediata, sendo, então, integrada pelas construções

52“Os prazos apontados são administrativo-judiciários. São impróprios do ponto de vista processual, no sentido

de que não acarretam, no caso de seu descumprimento, conseqüências aos ônus processuais.” (GRECO FILHO, 2010, p. 50).

doutrinárias e jurisprudenciais.53 Neste ponto, assume especial relevância o Código de Defesa do Consumidor, especialmente os artigos que compõem o Título IV, os quais eram aplicados subsidiariamente não só ao mandado de segurança, mas a todas as espécies de processo coletivo.

Assim, após todos esses anos, buscou o legislador disciplinar o writ em sua modalidade coletiva, através dos arts. 21 e 22 da Lei nº. 12.016/2009. O art. 21 trata da legitimação ativa para a impetração coletiva e do seu objeto, ao passo que o art. 22 disciplina a coisa julgada coletiva e a concessão de medida liminar no bojo de mandado de segurança coletivo.

O que ocorre, entretanto, é que a nova lei do mandado de segurança agiu de forma muito contida e, até mesmo, restritiva. Longe de consagrar os avanços alcançados nos últimos anos, o novo diploma apresenta verdadeiro retrocesso, notadamente no que tange ao objeto do mandado de segurança coletivo e ao alcance da coisa julgada coletiva aos impetrantes individuais. Senão vejamos.

O art. 21, parágrafo único, da Lei nº. 12.016/2009, restringiu a proteção da modalidade coletiva do mandado de segurança aos direitos coletivos54 e aos individuais homogêneos.55

Restou consagrada, destarte, a jurisprudência firmada acerca da questão ora apreciada, no sentido de excluir da tutela do writ coletivo os direitos difusos,56 entendidos como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. 57

Assim é que “A vedação da utilização do mandado de segurança para a tutela de interesses difusos parte do pressuposto de que é incabível assegurar um direito subjetivo líquido e certo para um grupo indeterminado de pessoas”.58

Seguindo tal raciocínio, o Supremo Tribunal Federal cristalizou seu entendimento através da edição da Súmula 10159. Pelo enunciado do mencionado verbete, fica afastada a

53Greco Filho, 2010, p. 52.

54“assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo

ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;”(Art. 21, parágrafo único, I, da Lei nº. 12.016/2009)

55“assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica

da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.” (Art. 21, parágrafo único, II, da Lei nº. 12.016/2009)

56Em sentido contrário, entendendo pela possibilidade de o mandado de segurança coletivo em certos casos ser

instrumento apto à tutela dos direitos difusos: Bueno, 2009, p. 130-132.

57Art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor. 58Medina e Araújo, 2009, p. 208.

possibilidade de fungibilidade entre a ação popular e o mandamus coletivo. Isso, porque o que se busca tutelar com a ação popular são interesses notadamente difusos, ameaçados por práticas que atingem o patrimônio público.60

Como anteriormente mencionado, o art. 22 busca solucionar a questão da coisa julgada e da litispendência em sede de mandado de segurança coletivo. O referido dispositivo, entretanto, não se limita ao problema da coisa julgada, alcançando especial relevo na disciplina dos efeitos da sentença e suas conseqüências sobre os substituídos.

À falta de previsão normativa expressa, o Código de Defesa do Consumidor vinha sendo largamente aplicado aos processos coletivos em geral. Segundo o mencionado diploma, uma vez proposta a ação coletiva, será dada a devida publicidade, a fim de possibilitar aos interessados intervir no processo.61

Dessa forma, uma vez cientificado o impetrante individual, este poderia optar por dois caminhos distintos. Assim, lhe seria facultado seguir com o trâmite normal do seu processo individual, sendo-lhe vedado, contudo, aproveitar-se do julgamento da ação coletiva no caso de improcedência da ação individual. Poderia, ainda, nos termos do art. 104 do Código de Defesa do Consumidor,62 requerer a suspensão do processo de mandado de segurança impetrado a título individual, a fim de se beneficiar dos efeitos da sentença em sede do mandado de segurança coletivo. Na hipótese de a sentença coletiva entender pela improcedência do pedido, o impetrante individual não se prejudicaria, podendo dar normal continuidade ao writ individual, uma vez que não existe litispendência entre a ação coletiva e a individual.

Em face do Código de Defesa do Consumidor, o impetrante individual apenas se prejudicaria em duas hipóteses, a saber: a) caso não requeresse a suspensão do processo individual e ao final este fosse julgado improcedente ou; b) atuando como litisconsorte na ação coletiva, em sendo esta julgada improcedente, não poderia o impetrante dar seguimento ao processo individual.

O art. 22 da Lei nº. 12.016/2009, entretanto, introduziu regra que vai de encontro ao sistema pátrio de tutela dos interesses coletivos, ao prever, em seu §1º, que para ser

60Medina e Araújo, 2009, p. 208.

61Art. 94. “Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir

no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.”

62Art. 104. “As ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem

litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência dos autos do ajuizamento da ação coletiva.”

beneficiado pela sentença coletiva, o impetrante individual deverá desistir do seu mandado de segurança no prazo de trinta dias, contados da data em que ficou ciente do ajuizamento da ação coletiva.

Vê-se, portanto, que, sem qualquer justificativa, a Lei nº 12.016/2009 trata o autor individual com muito mais rigor do que o Código de Defesa do Consumidor e do que a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), que permitiam que o promovente apenas requeresse a suspensão de sua ação, não desistisse desta.

Pensamos que tal medida não se coaduna com a raiz constitucional do mandado de segurança, que, como sabido, goza do status de garantia constitucional, expressamente prevista pelo art. 5º, LXIX, de nossa Carta Política. Dessa forma, uma vez que não é permitido ao legislador agir no sentido de restringir direitos e garantias constitucionalmente assegurados, o norma em comento padece de inafastável vício de constitucionalidade. Acrescente-se a isto o fato que as disposições do art. 22, §1º, restringem sobremaneira o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional,63 ao obstaculizar o justo e efetivo acesso à jurisdição.

Até que os tribunais superiores sejam devidamente provocados a se manifestar acerca da constitucionalidade da regra em comento, entendemos que deve ser aplicada a norma do art. 22, §1º. A nova lei do mandado de segurança, ao contrário do que defende parcela da doutrina,64 deve prevalecer sobre os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que disciplinam o processo coletivo, em virtude do princípio da especialidade.

Em face do exposto, trazendo a discussão para o campo prático, até manifestação jurisdicional em contrário, a norma constante do art. 22, §1º, da nova lei do mandado de segurança, tem plena aplicação ao mandamus coletivo.

63“Por seu intermédio, nenhuma das espécies normativas do art. 59 da carta de 1988 pode inviabilizar a tutela

jurisdicional, preventiva ou repressiva, de direito individual, coletivo, difuso ou individual homogêneo. É que a palavra lei, constante no art. 5º, XXXV, deve ser compreendida no sentido material e formal, precisamente para englobar todas as pautas jurídicas de comportamento que, porventura, pretendem obstaculizar o acesso à Justiça, e não, apenas, aquelas produzidas pelo Poder Legislativo. Assim, emendas constitucionais, decretos legislativos, resoluções, lei complementares, ordinárias e delegadas não podem ser objeto de propostas tendentes a impedir, direta ou indiretamente, a apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito.” (BULOS, 2007, p. 481)

64Defendendo a aplicação do CDC em detrimento da Lei nº. 12.016/2009 relativamente ao mandado de

4 MEDIDA LIMINAR NA NOVA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA

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