• Nenhum resultado encontrado

A OCUPAÇÃO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS E DANOS ASSOCIADOS A INUNDAÇÕES

6 CONCLUSÕES 245 REFERÊNCIAS

3.3 A OCUPAÇÃO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS E DANOS ASSOCIADOS A INUNDAÇÕES

reincidência. Pequenas inundações ocorrem com bastante frequência, inundações maiores ocorrem com menos frequência, e as maiores inundações ocorrem com o intervalo de tempo mais longo entre si. O intervalo de tempo entre inundações de uma descarga específica é conhecido como o intervalo de recorrência, e este é comumente citado usando estatísticas para a inundação (KUSKY, 2008).

3.3 A OCUPAÇÃO DE ÁREAS SUSCETÍVEIS E DANOS ASSOCIADOS A INUNDAÇÕES

Inicialmente deve-se considerar que o fluxo normal dos rios é um benefício, proporcionando hidráulica, comodidade, etc., enquanto fluxos muito elevados podem trazer uma inundação. Muitos usos da água dependem de tecnologia no controle do rio, sob a forma de aterros, pontes e barragens. A água sob o controle humano em um reservatório é percebida como um recurso, mas se essa tecnologia falha e a barragem entra em colapso, pode resultar em uma inundação. Deste modo, é importante perceber que os perigos ambientais não provem nem de um deus vingativo nem um ambiente hostil. Pelo contrário, o ambiente é "neutro" e é o uso humano do meio ambiente, que identifica recursos e perigos através da percepção humana (SMITH e PETLEY, 2009).

As áreas ribeirinhas, que marcam ao leito maior de um rio geralmente são planas e propícias para o assentamento humano. Muitas cidades, no passado, foram assentadas próximas a rios de médio e grande porte, em função de uso para transporte fluvial e fonte de recursos. Tais características ocasionam a ocupação da

planície de inundação, principalmente quando a frequência de inundação é baixa (TUCCI, 2005). Nestas áreas, práticas de urbanização e agricultura, ou quaisquer ocupações executadas em distância do contexto da prevenção de desastres ou da compreensão da periodicidade das inundações, irão desencadear danos.

Christofoletti (1980) coloca que as várzeas, toponímia popular utilizada para referir-se às planícies de inundação, constituem a forma mais comum de sedimentação fluvial, encontrada nos rios de todas as grandezas. A planície de inundação torna-se o leito do rio nas enchentes sendo essa a área inundada.

Os rios criam suas amplas planícies planas por erosão e deposição durante as inundações e estas planícies servem para escoar o fluxo durante estes eventos. Apesar das várzeas não serem ocupadas pela água durante muitas dezenas de anos, eles são parte do sistema de fluxo, e o fluxo retornará. Construir extensivamente sobre as planícies de inundação faz com que essas comunidades venham a também a ser inundadas (KUSKY, 2008).

Sendo assim, entende-se que as áreas próximas aos rios, são predispostas à ocorrência periódica do extravasamento do canal principal, sendo portanto suscetíveis a este processo. O Ministério das Cidades (BRASIL/IPT, 2007, p. 10) coloca que a suscetibilidade “indica a potencialidade de ocorrência de processos naturais e induzidos em áreas de interesse ao uso do solo, expressando-se segundo classes de probabilidade de ocorrência”.

A probabilidade e a ocorrência de processos relacionados à dinâmica hídrica são analisadas pela combinação entre os condicionantes naturais e antrópicos e atributos físicos que uma determinada área possui e que a torna potencialmente sujeita a estes processos (TOMINAGA et al., 2009; LIMA, 2010).

Intervenções na dinâmica natural do rio, especialmente quando tratadas de forma pontual, muitas vezes visando a diminuição das frequências das inundações, que desconsideram o contexto da bacia hidrográfica podem, mitigar os processos no local de intervenção e, ao mesmo tempo, induzir a ocorrência em outras áreas ou acarretar em mudanças em um cenário de áreas inundáveis.

Inundações tornaram-se mais perigosas à medida que mais e mais pessoas passaram a ocupar as várzeas dos rios gerando modificação de córregos e de toda a planície de inundação. Muitas modificações no sistema rio - planície de inundação, foram feitas desconsiderando sua fragilidade e sem ser apreciado que a mudança de parte do sistema resultaria em mudanças para outras partes. Estas modificações

podem resultar em inundações mais frequentes e danosas, do que se o sistema de rio-planície de inundação fosse deixados em seus estados naturais, ou modificados pontualmente (KUSKY, 2008; BOTELHO, 2011).

Amaral e Gutjahr (2011) colocam que algumas interpretações equívocas a respeito das inundações fazem estas serem subestimadas, sendo desconsiderada a ameaça. Entre estas estão a percepção de que somente as casas instaladas nas margens dos cursos d’água estão sujeitas à inundação e a desconsideração da variabilidade dos tempos de retorno, sendo que em alguns locais a planície fluvial só chega a ser inundada em sua totalidade em tempos de retorno maiores.

Latrubesse (2010) aponta que os desastres hidrometeorológicos parecem estar aumentando em ocorrência e tendem a ser mais frequente do que desastres geológicos. Este considera que a ocorrência e as consequências destes desastres pode estar mudando por causa da crescente impacto humano sobre o meio ambiente, mudanças no clima e porque mais pessoas e atividades econômicas estão sendo situados em áreas perigosas. Para Veyret (2007), a maior apresentação do risco em nossas sociedades, está associada antes de tudo, à atribuição à natureza uma responsabilidade que poderia ser creditada a própria sociedade. A ação de alguns atores que envolvem desde o poder público, os agentes imobiliários, e a própria população afetada, fazem com que os desastres sejam vestidos de certo fatalismo, o que lhes atenua responsabilidades.

No entanto, se estabelece um contraponto, originado pela leitura crítica dos fenômenos naturais e sua relação com o homem que distancia explicações mais místicas e fatalistas, e a sensação de controle desta natureza, que gera uma expectativa de segurança muitas vezes superestimada. Contraditoriamente, isto aumente a exposição e número de expostos, como aponta Saraiva (2012):

Ademais, os progressos científicos na compreensão dos fenômenos naturais e da sua interação com o Homem vêm sendo significativos, afastando cada vez mais estes acontecimentos do entendimento místico dos primitivos. Não deixa de ser paradoxal que o acesso à informação e o conhecimento acrescido na sociedade atual possam igualmente conduzir a comportamentos irracionais ligados a um risco moral potenciado pelo otimismo gerado pela sensação de controle sobre o destino e as forças da natureza. Com efeito, o montante dos custos associado a eventos extremos tem vindo a agravar-se, não tanto por um aumento da sua frequência ou força destruidora mas porque o Homem tende a colocar cada vez mais bens valiosos em zonas vulneráveis, expondo-os de forma crescente (e aparentemente irracional). O conhecimento estimula a crença de que é possível prever e mitigar com maior acuidade os desastres, conferindo um

sentimento de maior segurança, invulnerabilidade e de capacidade de assumir as rédeas dos acontecimentos. (SARAIVA, 2012, p.100).

Robaina (2013) destaca que a percepção do aumento da frequência e da intensidade de desastres, percebida a partir da segunda metade do século passado, deve ser atribuída em grande parte, à ocupação extensiva do espaço geográfico sem que haja observância das dinâmicas naturais, além do aumento da magnitude e constância de eventos naturais adversos.

Conforme Sant’Anna Neto (2014) a ocupação do espaço geográfico, mediada de forma desigual, permite admitir que o risco possa também ser interpretado como uma construção social. Esta denota a confluência entre a dinâmica da natureza e as diferenciações socioespaciais.

A produção do espaço, notadamente nos países emergentes, como é o caso do Brasil, segue a lógica da reprodução capitalista, geradora de espaços segregados. Longe de se produzir uma prática que respeite e se adapte às condições ambientais, as contradições inerentes a este processo resultam em impactos aos quais determinados grupos sociais são altamente sensíveis, tornando estas desigualdades ainda mais agudas (SANT’ANNA NETO, 2014, p. 20).

No Brasil, um cenário histórico de acesso desigual à terra e a moradia em áreas urbanas, desencadeou um quadro de ocupação irregular, especialmente nos grandes centros urbanos. A população de baixa renda é mais vulnerável a desastres naturais, devido à realidade de pobreza desta, o desrespeito à legislação, muitas vezes motivado pela especulação imobiliária e o mau uso do solo, o que tem gerado um quadro de degradação responsável pela potencialização a processos de risco (MAFFRA & MAZZOLA, 2007).

Ocasionada pela falta de ordenamento, temos uma “urbanização espontânea” que avança em direção às áreas ilegais e públicas. A redução de estoques de terrenos em áreas seguras, e sua consequente valorização, provoca a ocupação pelos estratos populacionais mais vulneráveis de áreas de risco associadas a inundações e escorregamento. Quando há adensamentos populacionais destas áreas, os desastres assumem proporções significativas, causando grandes perdas econômicas e sociais (FERNANDES et al., 2001; CASTRO, 2003; TUCCI, 2005).

Listo e Carvalho (2012) reforçam que a ocupação junto a encostas íngremes e áreas sujeitas a processos de inundação, é também oriunda do quadro de exclusão social, resultando na presença de bairros pobres e numerosos, com

carências de saneamento e infraestrutura, que se expandiram rapidamente após a década de 60 no país. Neste sentido, as carências urbanas e a expressão da pobreza assumem padrão espacial, conforme descreveu Santos (1993):

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico de que é suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas também do modelo espacial (SANTOS, 1993, p. 10).

Corroboram para tal cenário, as características do planejamento urbano que se materializa no Brasil, privilegiando as classes mais altas, com maior investimento, que ocupam melhores localidades da cidade. Para a maioria das pessoas, restam as áreas menos valorizadas, as muitas áreas de risco e espaços densamente construídos (MENDONÇA, 2011).

Destaca-se ainda que o processo de ocupação das áreas suscetíveis e a compreensão de como este se deu ao longo do tempo e no espaço, é um elemento importantíssimo quanto à definição de vulnerabilidades e na figuração de um maior ou menor risco. Esta característica materializa-se na figura de diferentes capacidades de intervenção e de como são incorporadas ao espaço urbano as áreas sujeitas a inundações. De maneira geral, as áreas planejadas e ocupadas gradativamente apresentam medidas estruturais que minimizam as consequências das inundações. As áreas atreladas à expansão espontânea e realizada de forma rápida, são mais vulneráveis pela ausência destas medidas.