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A ocupação do espaço público: avanços e permanências

CAPÍTULO 7 ESPAÇOS PÚBLICO, PRIVADO E O TRABALHO DO

7.2 A ocupação do espaço público: avanços e permanências

Em pesquisa realizada sobre a “mulher brasileira e gênero nos espaços público e privado”,57 74% das mulheres avaliaram que sua vida havia melhorado nos últimos anos.

Desagregando esse resultado por faixa etária, o percentual que mais acredita (80%) está entre as mulheres de 25 a 34 anos, caindo para 59% entre as mais idosas (60 anos ou mais). O resultado também variou em função da escolaridade, sendo que as mulheres que têm nível superior ou mais anos de estudo (87%) consideram que sua vida melhorou, enquanto esse percentual diminui (63%) entre aquelas que cursaram apenas o ensino fundamental.

Considerando a variável renda, há mais otimismo entre as mulheres que têm renda familiar acima de cinco salários (86%), ao passo que esse índice diminui (63%) entre aquelas que vivem em famílias com rendimentos de até um salário. O avanço da ocupação do espaço público pelas mulheres da paz através de atividades públicas foi muito valorizado e percebido como “favorecendo o aumento da autoestima”, que significa concretamente “vencer a timidez”, “sentir-se útil”, “ver as coisas de outra forma”, ter a “mente aberta”, “conseguir se comunicar” e “ganhar respeito”. (SORJ, 2016, p. 117). Além disso, elas diziam: “Agora eu sei que posso fazer coisas que eu jamais acreditava que pudesse”.

Comparativamente, em relação à mesma pesquisa realizada em 2001, quando 65% julgavam que a vida havia melhorado, observa-se que, de modo geral, a condição de vida das mulheres brasileiras realmente melhorou na última década. As modificações com relação ao aumento de escolaridade, do salário mínimo e do emprego formal foram fatores que influenciaram a percepção das mulheres, ainda que as políticas não tenham atingido as mulheres negras e brancas de maneira igualitária (DIEESE, 2009, p. 3):

Sabe-se que um grande contingente de trabalhadoras do país tem como remuneração o salário mínimo. Desse modo, a valorização do salário mínimo impacta diretamente sobre as condições de vida das mulheres, sendo uma consequência dos baixos patamares salariais nos quais elas estão inseridas e, por isso, tal situação fez com que as mulheres fossem relativamente mais beneficiadas com a política do salário-mínimo, o que, por sua vez, explica a melhor sustentação das remunerações femininas diante do ajuste de renda empreendido no âmbito do mercado de trabalho nos últimos anos. É clara a

57 Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010 com 2.365 mulheres e 1.181 homens em 25 unidades da federação, cobrindo as áreas urbana e rural de 176 municípios na amostra feminina e 104 na masculina.

importância da valorização do salário-mínimo na promoção de melhores condições de vida das brasileiras.

Na mesma pesquisa, quando questionadas sobre “como é ser mulher hoje?”, as respostas são associadas a liberdade, independência social, possibilidade de inserção no mercado de trabalho e conquista de independência econômica. Outras definições estão associadas ao espaço privado e aos papéis tradicionais de mãe e esposa, assim como aquelas relacionadas a atributos como ser guerreira, ser batalhadora e ter sabedoria. As respostas evidenciam que cada vez mais as mulheres sentem-se parte do espaço público, embora a percepção de que o ambiente privado seja um espaço feminino, de mãe e esposa, ainda permaneça bastante forte.

Esse dado torna-se mais evidente quando se questionam “quais as melhores coisas de ser mulher”. Para a maioria das entrevistadas, a maternidade (aspecto biológico) e a criação dos filhos são melhores do que o trabalho remunerado e a liberdade. Qualidades como ser sensível, carinhosa, solidária e forte são as mais apontadas como características femininas. Contudo, o espaço privado também é associado a aspectos negativos de ser mulher: violência, acúmulo de responsabilidades e falta de autonomia são os mais comumente apontados. No que se refere ao espaço público, fatores como discriminação, preconceito e machismo são indicados como os mais negativas.

Quando questionadas sobre as principais diferenças entre homens e mulheres, a maioria se refere ao mercado de trabalho. Ele tem tanta importância na vida das mulheres que mudanças nesse âmbito são essenciais para que a vida delas melhore, ou seja, as mulheres têm consciência das desigualdades e apontam com clareza aquilo que mais as incomoda. Acabar com a violência contra a mulher é outro fator apontado como essencial para a melhoria da qualidade de vida.

A Pesquisa Nacional do DataSenado de 2011 mostrou que 98% das mulheres conhecem a Lei Maria da Penha ou já ouviram falar dela, assim como 94% reconhecem a existência do machismo e 31% delas se consideram feministas (somente uma em cada cinco mulheres têm uma visão negativa do feminismo). Sobre o conhecimento das leis e de seus direitos, as mulheres da paz relataram, em mais de uma ocasião, as mudanças que o conhecimento de leis como a Maria da Penha havia trazido para suas vidas. Bila Sorj (2016, p. 115) destaca ter havido uma considerável concordância nesse sentido entre as mulheres da paz que foram entrevistadas: O curso de capacitação ajudou a abrir horizontes mais amplos de conhecimentos, considerados úteis às atividades do programa e à vida. Valorizavam sobretudo o conhecimento adquirido sobre a Lei Maria da Penha, que criminaliza a violência doméstica, e disseminavam essa informação na comunidade. Várias MP relatam terem sido vítimas de violência, experiência que puderam compartilhar nas oficinas de capacitação.

Houve casos de mulheres que optaram por se separar dos companheiros que as agrediam, enquanto outras estabeleceram novas “regras” de relacionamento dentro de suas casas. Assim, elas diziam para os que com elas habitavam: “Se vocês não passarem a fazer o que lhes cabe dentro de casa, minha malinha já está ali pronta. Eu não vou mais tolerar que eu tenha que fazer tudo dentro dessa casa”, tal como relatou uma das mulheres da paz de Santa Cruz. Quando surgia um relato como esse, seguiam falando sobre outros tantos exemplos de mulheres que determinaram novas formas de co-habitar em suas casas.

Trata-se de formas de habitar nas quais elas tinham mais tempo para si e menos obrigações para com os outros. Passaram a determinar como o tempo delas seria organizado e não deixavam mais que a organização do seu tempo fosse pautada por exigência dos outros. Historicamente, o tempo da mulher foi definido pelo patriarcado como valendo menos e sendo menos importante. E é exatamente isso que as mulheres de periferia estão mudando. Não há que esperar que o patriarcado e o neoliberalismo modifiquem suas definições a respeito do tempo feminino. As mulheres é que precisam fazer esse movimento de valorização.

No entanto, se o conhecimento da Lei Maria da Penha tem resultados significativos de mudança de comportamento entre as mulheres, não se pode falar o mesmo entre os homens, já que 85% dos entrevistados têm conhecimento sobre a lei, ainda segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo. A questão é que os casos de violência contra a mulher seguem apresentando números alarmantes –e não há como qualificar a efetividade de uma lei se não houver outras políticas que atuem em conjunto, agindo principalmente de maneira educativa para os homens.

Ainda na referida pesquisa, 80% das mulheres entrevistadas consideram a política importante e 63% acreditam que ela tem influência em suas vidas. O maior índice das que concordam está na faixa etária dos 15 aos 34 anos. Contudo, 64% das mulheres pensam que não influenciam na política, enquanto 63% acreditam que a democracia é sempre melhor do que outra forma de governo. Nesse sentido, e a partir desses resultados, compartilho dos pensamentos de Liset Coba e Gioconda Herrera (2013) e Hannah Arendt (2001) de que o poder e a política estão muito mais além do que a distinção weberiana de dominador/dominado, sendo espaços potenciais, alternativos e de recursos (o estado pode ser igualmente considerado como alternativa e recurso) para a liberação e transformação das mulheres no mundo.

Para Hannah Arendt (2001), a política acontece na pluralidade da humanidade, assim como também se refere à convivência entre os diferentes. A meu ver, as concepções de sujeito e autonomia já foram transcendidas nos últimos anos, em que os Fóruns Sociais Mundiais podem ter representado um marco de ampliação e aprofundamento do conceito de direitos

humanos das mulheres, além de uma maior participação no espaço público. Michel de Certeau (1996) lembra que o uso da astúcia e da tática por parte dos oprimidos, bem como a apropriação dos produtos culturais dominantes, revertidos em sua lógica para outra que sirva aos que deles se apropriam, resulta em outra produção visível de criação de suas vidas.

Embora ainda tenhamos muito que avançar em relação ao fazer político, é ingenuidade pensar que as periferias e as mulheres não fazem cálculos mentais a cada eleição e a todo tempo. De fato, se os periféricos e as mulheres não fizessem isso a todo o momento, negros e negras, indígenas, migrantes e pobres já teriam sido dizimados da face da Terra.