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ESTADO DE PERNAMBUCO

2 OLINDA – EVOLUÇÃO DA EROSÃO COSTEIRA E DAS OBRAS DE CONTENÇÃO DO AVANÇO DO MAR

2.1.5 A ocupação do litoral e de setores de suas praias

Em Olinda, a busca pela ocupação dos espaços litorâneos, através da fixação de imóveis residenciais e comerciais, deu-se desde muito cedo. Esse processo de expansão urbana em direção à zona costa é evidenciado por Araújo (op. cit.), quando a autora descreve que, entre o final do século XIX e o início do século XX, “as áreas do município, próximas às praias”, desde o Istmo até o Farol, “tiveram seu processo de ocupação adensado”.

Esse interesse pelos espaços costeiros, em Olinda, quando não ocorreu de forma espontânea, foi impulsionado pela própria administração do Município que, ao perceber o crescimento da procura de suas praias para o uso de banhos e veraneio, despertou o interesse pela fixação de moradias em sua costa.

Esse fato é evidenciado por Souza (2011), quando este revela que, ainda na primeira década do século XX, via-se como necessário compatibilizar a vida urbana “com a prática do veraneio”, razão pela qual se estimulava “a expansão das edificações da cidade para mais próxima ao mar”.

Essa situação é também evidenciada por Araújo (op. cit.), quando a autora retrata o estímulo à edificação e ao “povoamento das áreas de praia, situadas entre o Farol e Rio Doce”, uma vez que o “Farol era o limite da zona habitada de Olinda”. A autora reforça essa condição, ainda, através da transcrição do Art. 1 da Lei Municipal n.º 207, de 15/10/1906, pela qual a Prefeitura concedia por cinco anos uma licença para quem edificasse “prédios em terrenos situados na zona compreendida entre o Farol da Praia de São Francisco até o Rio Doce”.

Nascimento (2008) retrata essa expansão urbana da cidade de Olinda na direção das praias quando descreve que o estreitamento das relações entre Recife e Olinda se reforçou a partir da chegada da eletricidade “que substituiu a Maxambomba, em 1914, pelo bonde elétrico”, tendo seu terminal sido “deslocado para o Farol de Olinda onde já havia algumas residências” (Figura 6).

A autora ressalta, ainda, a grande melhoria trazida para a cidade na época do veraneio, “com calçamento das ruas e desenvolvimento para a região praieira”. Essa condição de direcionamento da ocupação do litoral (Figuras 7 e 8) é reforçada quando a mesma transcreve o depoimento do arquiteto e urbanista André Renato Pina Moreira que afirma:

“...No final do século XIX, início do século XX, com a vinda do trem urbano, isto facilitou a vinda das pessoas para Olinda e ela virou uma cidade veraneio. Olinda teve um novo florescer, e em conseqüencia a cidade desceu para o litoral. Não era mais só o centro histórico. O centro histórico ficou lá, como tal”.

Figura 6 – Praia do Farol, no município de Olinda, evidenciando a presença de algumas construções no início do século XX.

Fonte: Nascimento (2008).

Figura 7 – Vista aérea da praia do Carmo, município de Olinda, revelando a grande quantidade de edificações estabelecidas no litoral, no início do século XX.

Figura 8 – Avenida Sigismundo Gonçalves (1910), centro importante do veraneio de Olinda.

Fonte: Nascimento (2008)

Com a criação de novos bairros e a construção de novas edificações, necessidades foram surgindo, tais como a implantação de vias, inevitáveis, sobretudo, pela necessidade de conexão de Olinda com esses bairros e os municípios vizinhos.

No entanto, a pressão urbana exercida pela chegada dessas construções ao litoral de Olinda viria, consecutivamente, trazer severas consequências para o município, principalmente para os próprios moradores que se estabeleceram na orla, uma vez que essas novas construções seriam as primeiras a sofrerem as consequências dessa apropriação indevida do espaço costeiro.

Notícias sobre as agressões impostas pelo mar, às construções estabelecidas nas margens do litoral de Olinda, eram veiculadas progressivamente desde o final da década de 1920 (Anexos), quando passaram a ser constantes as ocorrências de edificações na praia dos Milagres sendo totalmente destruídas pelas ressacas (Figura 9).

Porém, chega a ser paradoxal o antagonismo da relação estabelecida da sociedade com o ambiente costeiro, principalmente, quando avaliamos o resultado dessa relação permeada pelo misto de fascínio e degradação.

Figura 9 – Diário da Manhã de 29/01/1928, quando era noticiado mais um registro de danos causados pelas ressacas às construções existentes na orla da praia dos Milagres, Olinda-PE.

Fonte: CEPE (2014).

Em “As praias e os dias: história social das praias do Recife e de Olinda”, Araújo (op. cit.), ao retratar o processo de urbanização do litoral de Pernambuco, revela o quanto são ambíguos e ambivalentes “os modos pelos quais a sociedade se relaciona com um muito particular e característico espaço, histórica e juridicamente definido como um bem de domínio público da União como lugar de uso comum”.

Reforça a autora, quanto à visão contraditória entre o desvelo e o uso das praias, que ao mesmo passo “em que se “expressa o desejo de manter preservadas e acolhedoras, suscetíveis, assim, de serem associadas à visão idílica do paraíso terrestre, a deterioração de muitas delas é claramente perceptível, em função dos usos sociais equivocados e predatórios, que se foram acumulando ao longo do tempo”.

Em Olinda, essa relação não transcorreu de forma diferente. E, embora, na medida em que a urbanização avançava em direção ao mar, e este contra-atacava, provocando grandes destruições às áreas edificadas, a urbanização se expandia para outros pontos do litoral olindense. Como ocorreu, por exemplo, no início da década de 1960, com a

implantação de vias à beira mar, caso evidenciado pelo Diário de Pernambuco (DP), que noticiou, em 26/09/1961 (Anexos), a iniciativa da Delegacia do Patrimônio da União em abrir concorrência para a “execução do levantamento topográfico e planta da faixa da Avenida Beira Mar, nos municípios de Olinda, Jaboatão e Paulista”.

Medidas essas que foram tomadas, mesmo tendo sido antecedidas, durante as décadas de 1940 e 1950, pela grande quantidade de destruições provocadas pelas ressacas, bem como pela implantação de obras de defesa costeira que se fizeram necessárias para conter o avanço do mar sobre as vias e construções ali existentes. Fato esse que se constata quando, em agosto de 1958, eram noticiadas pelo DP (Anexos) as medidas tomadas pelo Departamento Nacional de Portos Rios e Canais, com o auxílio técnico do Laboratório da SOGREAH (Societé Grenobloise d’Etudes e Applications Hydrauliques), visando a defesa das praias de Olinda. Medidas essas que o DP descrevia em 28/11/1958 (Anexos) e que se iniciava em 29/11/1959, conforme veiculado, também pelo DP (Anexos).

Embora a expansão da urbanização em direção ao ambiente costeiro de Olinda tenha sido impulsionada em meados do século XX, com o surgimento de novos bairros, é na segunda metade desse mesmo século que, de fato, esse processo vem se consolidar, sobretudo a partir da década de 1970.

Isso bem se configura em duas transcrições feitas por Nascimento (op. cit.). Inicialmente, através do depoimento do jornalista José Ataíde de Melo, quando o mesmo relata que “Em 1948 Olinda ainda sofre as ressacas que destruíram ruas inteiras e intervieram nas praias e o veraneio acabou! Surge o Loteamento Bairro Novo”. E, posteriormente, quando do relato da professora Ilmar Belo dos Santos que registrou o fato de que “O comércio foi muito ampliado a partir das gestões de Germano Coelho (1976 e 1992). Ele conseguiu incrementar o comércio em Olinda, que já existia nas cidades mais próximas”. Ilmar registrou, ainda que os bairros de Bairro Novo, Jardim Atlântico e Casa Caiada “foram surgindo, porque a população ia aumentando, e iam construindo novas casas e apartamentos”.

Notícias desse período revelam com clareza o nível de ocupação pelo qual eram tomadas as praias de Olinda. Como na publicação do DP em 09/02/1971 – Anexos –, anunciando

que “Ubiratan retira bares da orla marítima para iniciar avenida”, fazendo menção ao fato de que o Prefeito de Olinda, Ubiratan de Castro, tomava providências no sentido de “recuar em direção ao mar”, os restaurantes da orla marítima de Olinda, “para construção da nova avenida Atlântica a ser construída desde o Carmo até Casa Caiada”.

Pereira (2012), ao analisar o nível de integração das cidades de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, com a capital, evidenciou que “a década de 1970 representou o marco temporal da produção da espacialidade litorânea moderna na região”.

Esse processo histórico de crescimento da cidade de Olinda, em direção ao litoral, ocupando os espaços costeiros, favoreceu, entre outros fatores, a formação de um enorme adensamento populacional, fazendo da cidade a maior densidade demográfica do litoral do estado, e uma das maiores do país. Este processo de ocupação se fez refletir diretamente no ambiente praial, promovendo, principalmente, o desequilíbrio sedimentar e, consequentemente, o desaparecimento, quase total, das praias que compreendem a costa olindense, que cederam seus espaços para abrigar uma grande variedade de obras de proteção costeira.

Muehe (2006) destaca que “À medida que aumenta a ocupação do litoral, principalmente nas proximidades das grandes cidades, aumentam também os relatos sobre erosão”. O autor esclarece, ainda, “que a urbanização em si não provoca erosão, entretanto, a construção de edificações dentro da faixa de resposta dinâmica da praia às tempestades tende à retomada pelo mar da área construída.

Condição verificada por Araújo et al. (2007) que, ao analisar a ocupação urbana das praias de Pernambuco, revelou que, entre os municípios investigados, “O município de Olinda apresentou a pior situação em termos de ocupação do ambiente praial, porque é quase totalmente ocupado por grandes obras públicas de contenção da erosão costeira”. Os autores enfatizaram, ainda, que “A construção dessas obras na pós-praia e na praia altera a dinâmica sedimentar, e compromete seriamente a estética da área, interferindo na sua beleza cênica, e portanto, no seu valor econômico e sócio-cultural”.

Ao propor a classificação para os diferentes tipos de orla, Araújo et al. (2006) dividiu o litoral olindense em quatro categorias: orla exposta não urbanizada (20%), orla exposta com urbanização consolidada (20%), orla semi-abrigada com urbanização consolidada (14%), e orla abrigada com urbanização consolidada (46%). Segundo os autores “As várias intervenções antrópicas mudaram as características da cobertura sedimentar das praias. Em quase toda a área foi constatada a presença de obras de proteção costeira, devido ao alto grau de urbanização da orla”.

A configuração morfodinâmica de uma praia está diretamente relacionada a diversos fatores, mas, sobretudo, à interferência que recebe dos processos hidrodinâmicos. Seu estado é resultado de modificações cíclicas e sazonais, que promovem a movimentação e o transporte dos sedimentos inconsolidados. Portanto, a ocupação de setores da praia impede o seu desenvolvimento natural, além de alterar o cenário natural deste ambiente. Nesse contexto, torna-se inegável a participação efetiva da ocupação dos espaços litorâneos de Olinda no desequilíbrio de um ambiente tão frágil e suscetível a alterações.