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3. As pecebistas e o PCB

3.3. Análise dos depoimentos

3.3.2. A opção pelo PCB

As entrevistadas entraram no partido buscando se opor ao regime vigente, seja a ditadura militar, como Thereza e Ligia, ou o regime de Vargas, como Felisberta. Durante o período militar, as três encontraram no partido ideais comuns de estratégia para se oporem ao regime.

As controvérsias vividas no interior do partido fazem parte das memórias das entrevistadas. Felisberta militou desde a Campanha pelo Petróleo, passando pelo período conturbado da era Goulart, e permaneceu no partido durante todo o período militar. Ela relembra que o PCdoB não concordava com a linha estratégica adotada pelo PCB, por isso se separou. Felisberta dá bastante atenção à questão do nome, em como o Partido Comunista do Brasilse transformou em Partido Comunista Brasileiro, e na luta do PCdoB para manter o nome. Essa atenção à nomenclatura não ocorre por acaso, sendo uma briga histórica entre os partidos, e para explicá-la é preciso retomar a cisão ocorrida em 1962. Os PCs de todo o mundo foram atingidos durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em 1950, pelas denúncias de Nikita Krushev sobre os crimes cometidos por Stalin na URSS. O impacto do Congresso e as mudanças no capitalismo nacional fizeram com que o PCB mudasse sua linha política estratégica. A “Declaração sobre a Política do Partido Comunista Brasileiro de março de 1958”340 revela a nova composição social no país. Na declaração, o PCB revela a possibilidade de

340 DECLARAÇÃO SOBRE A POLÍTICA DO PCB (MARÇO DE 1958). Disponível em:

<http://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=5:declaracao-sobre-a-politica- do-pcb-marco-de-1958&catid=3:temas-em-debate>. Acesso em: 28 nov. 2014.

aliança com a burguesia nacional para combater o principal inimigo, que era o imperialismo. Para tanto, era preciso perseguir a legalidade do partido, conduzindo a revolução através da etapa “democrático-burguesa”, dentro da legalidade e de forma pacífica. Dessa forma, abandona-se a tática de luta armada, adotando a estratégia de revolução através do caminho pacífico e dentro dos limites legais da Constituição brasileira.

Mesmo em condições adversas,341 a posição do partido se manteve pelos anos que se seguiram. O V Congresso de 1960 consolidou o novo posicionamento do PCB. É nesse momento que o Partido Comunista do Brasil torna-se Partido Brasileiro, no intuito de obter o registro legal e participar do jogo democrático. A nova linha estratégica de ação do PCB foi veementemente criticada pelos que, posteriormente, viriam a formar o PCdoB. Essas contradições viriam a se agravar após o golpe em 1964. A Declaração de março de 1958 e o V Congresso dão início a uma nova fase na trajetória do Partidão, reconfigurando a percepção de frente única e do papel da democracia na luta pelo socialismo.

A postura adotada pelo Partidão defendia a revolução por etapas, por vias democráticas e pacíficas, e prossegue durante o período da ditadura. Com o golpe de 64, o PCB encontra mais um obstáculo a ser superado, um obstáculo ainda mais difícil e truculento – a ditadura militar. Instaurado o regime ditatorial, os pecebistas tinham a ilusão de que os militares não se sustentariam no poder por muito tempo, conforme depoimento de Lígia:

A maior demanda era combater a ditadura. A gente tinha a ilusão de que aquilo não ia durar muito tempo. Essa era a maior demanda mesmo, era o combate à ditadura de qualquer jeito, era a grade demanda. A principal bandeira era abaixo a ditadura.342

O Comitê Central do partido opunha-se à luta armada e defendia uma política de frente única capaz de aglutinar diversas forças contrárias ao governo militar. Dessa forma, o PCB passaria a apoiar o legal MDB em oposição ao partido militar Arena. Enquanto isso, o PCdoB se lançava na luta guerrilheira motivado pelo maoísmo chinês e pela Revolução Cubana, atitude que o Partidão e seus militantes consideravam um erro de análise de conjuntura, conforme é possível verificar a partir do depoimento de Thereza:

341 Ver item 3.1.2.

O que era mais geral é que essas pessoas não tinham, vamos dizer assim, condições de fazer uma análise da realidade social brasileira naquele momento, ou seja, luta armada é preciso que existam condições muito favoráveis do ponto de vista objetivo e subjetivo. Nós não tínhamos a classe operária com a gente e isso dificultava, então isso foi visto muito como um ato de voluntarismo, de falta mesmo de conhecimento.343

A análise da realidade social e economia que aparecem nas memórias de Thereza possivelmente estão ligadas ao esforço do partido em analisar as novas conjunturas do capitalismo brasileiro e internacional na luta contra o imperialismo, expresso sobretudo na já mencionada “Declaração sobre a Política do Partido Comunista Brasileiro de março de 1958”, na qual o partido atenta para as “novas forças” que se desenvolvem na sociedade brasileira, “principalmente o proletariado e a burguesia, [que] vêm impondo um novo curso ao desenvolvimento político do país, com o declínio da tradicional influência conservadora dos latifundiários”.344 O novo rumo político e econômico do país aponta, segundo a Declaração, no sentido da “democratização, da extensão dos direitos políticos a camadas cada vez mais amplas”.345

Para Thereza, a estratégia do PCB era conciliatória, ao realizar alianças com o MDB e manter-se na luta por vias democráticas e pacíficas. Ao olhar para o passado, ela tece severas críticas às políticas de alianças adotadas pelo PCB. Quando questionada sobre as demandas do partido, Thereza é categórica:

Vou dizer a você que elas eram, para o meu gosto, bastante conciliadoras, do tipo, é melhor a gente sobreviver do que desaparecer. Então conciliação era a palavra de ordem. Sempre foi muito nesse sentido, de conciliar, pra quê? Pra poder escapar da cena política, da cena histórica. É melhor você ser administrador do cemitério do governo do MDB. Os apoios políticos que a gente fez, aquilo me dava um nó na tripa. Muitas vezes eu escapei disso, apoio de MDB, não teve aquela coisa dos partidos e tal. Foi muito assim, de apoiar figuras que realmente não deviam apoiar, eu não, o Partido apoiar Moreira Franco, que é isso? Esse troço sempre me incomodou profundamente, isso foi acumulando um negócio em mim, um ódio tão grande, que eu falei: “não vou mais participar desse partido, porque eu estou pensando em uma coisa e eles estão fazendo outra e o que eles estão fazendo para mim é absolutamente incompatível com o que eu leio, com o que estudo e com o que eu quero fazer”.

343 MENEZES, Depoimento, 2014. 344 DECLARAÇÃO, op. cit. 345 Ibid.

Aí eu falei: “bom, apoiar Moreira Franco?”346. Como é aquele outro que agora é deputado federal, Miro Teixeira. Sabe, um povo via um sinal de que alguma coisa ainda podia frutificar, mas muito longinquamente, e apoiava, né. Eu não sei se era para ficar na cena ou se era mesmo por convicção [...] Esse negócio sempre me incomodou muito, né, de ver tão longínqua, tão fluida, tão sutil, aí eu digo, como é que pode o partido apoiar um negócio desse. Não sei, para não perder o lugar, para ficar presente, ocupar algum cargo. Isso eu não curti muito não, mas a orientação era essa, de descobrir, fomentar ou trazer à tona alguma coisa que pudesse estar acontecendo, menos reacionária, botar isso em mais visibilidade. Isso nunca me agradou muito, se fiz isso foi uma ou duas vezes no máximo. Acho que fiz uma vez só com o Miro Teixeira e acho que mais em outra situação e aí saí do partido.347

Lígia tece as mesmas críticas às alianças e apoios feitos pelo PCB para se manter na cena política:

O PCB sempre acreditava, o que eu entendi era isso, em ocupar espaço. Tanto é que ele indicava os candidatos que a gente devia apoiar para eleger. O PCB sempre achou que se ocupando o espaço estava bom. Teve uma certa época que eu saí do PCB, quando o PCB apoiou o Moreira Franco, foi nessa época que eu saí do PCB. Me afastei do PCB e fui militar em outras áreas, mas eu não concordava naquela época com isso. Porque eles sempre achavam que por meio da eleição você vai conseguir, eu não sei se vai. Eu faço campanha até hoje eleitoral e tudo isso, mas a gente sabe que isso aí é uma democracia burguesa, não é o ideal.348

Lígia, apesar de fazer uma análise crítica à postura do partido, discorda quanto à acusação de omissão e abandono das perspectivas revolucionárias:

O partido não foi pra guerrilha, mas não foi omisso. Eu não acho que tenha sido omisso, a gente atuava de outra maneira, a gente via uma outra forma de atuar. Muita coisa eu acho que não estava certa, como na guerrilha também muita coisa eu acho que não estava certa. Eu não condeno quem fez guerrilha, mas acho que certas horas as coisas se complicavam. Mas o partido eu não acho que foi omisso, por não ter ido pra guerrilha. Teve muitos companheiros que continuavam no partido e foram pra clandestinidade.349

346 O PCB apoiou o Candidato Moreira Franco em 1986 para o governo do Rio de Janeiro. 347 MENEZES, Depoimento, 2014.

348 COELHO, Depoimento, 2014. 349 Ibid.

Conforme o depoimento de Lígia e já mencionado anteriormente, o PCB fazia oposição à ditadura a partir de uma tática de luta diferente da adotada pelos movimentos guerrilheiros. Mesmo que fragmentado, com parte dos membros do Comitê Central e de seus militantes presos, exilados ou assassinados pelo regime, o PCB se manteve coerente à postura que adotou na Declaração de março de 58. Reconhecia em sua política de constituição de uma ampla frente democrática uma arma para vencer o regime militar.

Entretanto, apesar das críticas e divergências, fato é que a luta frentista do PCB ao lado do MDB a partir da década de 1970 começa a se constituir como uma alternativa viável. Com o insucesso da luta armada, muitos militantes buscam no MDB uma alternativa tática para distender a ditadura por vias legais.

Contudo, o PCB pagou um preço por sua escolha, talvez maior do que esperava. O partido teve baixas de quadros importantes do seu Comitê Central, como Grabois e Amazonas. Além das perdas substanciais de militantes, sofreu danos na própria reputação, tendo continuamente perdido o status de partido de oposição e berço da luta das classes trabalhadores, além de ter seu protagonismo na luta contra a ditadura praticamente apagado, perdendo a oportunidade de se firmar como vanguarda da luta comunista no Brasil.