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O contexto de incerteza que passou a dominar o panorama mundial, principalmente a partir da década de 1970, contribuiu de forma decisiva para o surgimento de modelos flexíveis de produção, como aqueles utilizados na fábrica de automóveis Toyota, no Japão.

Ao definir a acumulação flexível, Harvey (1992, p.140) assevera que esta:

É marcada pelo confronto direto com o a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. Envolve, também, rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego do chamado "setor de serviços", bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas".

Analisando o impacto do Toyotismo no mundo do trabalho, na década de 1980, Antunes (2000) conclui que este modelo promoveu a intensificação da exploração do trabalhador, pois possibilitou que a mesma demanda fosse atendida com um número reduzido de operários, a chamada fábrica mínima, sustentada por técnicas que ajustavam o ritmo da fabricação e os tipos de produtos à demanda dos mercados consumidores (kanban)8, reduzindo os custos com estoques (just in time)9 e as falhas na produção (controle estatístico dos processos).

Em face da profunda recessão de 1973, causada pelo choque do petróleo que afetou o mundo capitalista, um método mais flexível era um requisito operacional perseguido pelas empresas, mas esbarrava nas práticas fordistas e tayloristas de gestão da produção. Mas, ainda neste ano, já se estabelecia o confronto direto do toyotismo com o fordismo.

Como resultado, observa-se que a acumulação flexível parece implicar “níveis

8 Kanban - "é um sistema de controle da produção comandado através do uso de cartões (placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque) onde quem determina a fabricação de um novo lote é o consumo das peças realizado pelo setor seguinte" (RIBEIRO, 1997).

9just in time- corresponde a um processo de produção que é capaz de responder instantaneamente à demanda, sem necessidade de estoque adicional, isto é, produz-se o necessário, nas quantidades requeridas e dentro de um tempo necessário, mantendo-se os estoques em níveis mínimos, ou seja, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção (ANTUNES, 2000).

relativamente altos de desemprego estrutural [...], rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos [...] de salários reais e o retrocesso do poder sindical” (HARVEY 1992, p.142).

Essa acumulação flexível também alterou a estrutura do mercado de trabalho:

Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados e subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis (HARVEY 1992, p.143).

Em decorrência desses fatos, formaram-se, desde então, dois grupos de trabalhadores: no centro do processo produtivo encontra-se um grupo composto por empregados cujo tempo de trabalho é integral, gozam de maior segurança no trabalho e se sentem mais inseridos na empresa. Com alguma vantagem decorrente dessa maior integração, esse segmento deve atender expectativas de adaptabilidade, flexibilidade e a possibilidade de serem movimentados geograficamente.

O outro grupo, denominado de periferia, compreende dois subgrupos distintos de trabalhadores: o primeiro composto de empregados em tempo integral de trabalho, com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho (pessoal do setor financeiro, secretárias, da área de trabalhos rotineiros ou manuais, menos especializados); o segundo o número de trabalhadores centrais e empregar cada vez mais uma mão-de-obra disponível no subgrupo, caracterizado por pessoal que oferece flexibilidade numérica ainda maior, inclui empregados em tempo parcial, casuais, por tempo determinado, temporários e subcontratados, com pouca ou nenhuma segurança de emprego.

Na visão de Harvey (1992, p. 144), a atual tendência do mercado de trabalho é a redução dos postos e que a demissão pode ocorrer sem custos: são os chamados “trabalhadores descartáveis”.

A introdução de novos métodos de organização do trabalho, baseados no princípio de flexibilização, geraram novos mercados, novos serviços e, conseqüentemente, a reformulação do padrão de processos de trabalho, de consumo e de organização dos trabalhadores. Considerando o trabalho organizado como principal alvo, e, o desemprego estrutural a principal conseqüência dessa reestruturação, percebe-se que cada vez mais, o trabalho desempenhado por indivíduos está sendo substituído pelo trabalho executado por máquinas.

Na visão de Antunes (2003, p.49), o que está ocorrendo é uma “processualidade contraditória” que reduz o operariado industrial e fabril e aumenta o subproletariado do

trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços.

No Brasil, as mudanças sobre o mercado de trabalho intensificaram-se a partir do final dos anos de 1980, e se acentuaram, de acordo com Navarro, Alessi e Lima (2001, p. 235), a partir do governo Collor, com a implantação da política econômica neoliberal, política monitorada e incentivada pelas agências internacionais de crédito e financiamento, como o Fundo Monetário Internacional -FMI - e outros que levaram o país a enfrentar uma profunda crise recessiva, com conseqüente elevação dos níveis de desemprego e o aumento da concentração da renda.

A adoção dessas políticas neoliberais e a introdução das novas tecnologias nas atividades produtivas criaram um clima de insegurança e incertezas para a classe trabalhadora. Com a emergência da acumulação flexível, o mundo da produção passou a viver um período de incertezas, em que a desregulamentação e a fragmentação passaram a apontar caminhos, pois ao invés do trabalho parcelado, entrou em cena a integração de funções, a automação da produção, a polivalência10, a multifunção e a visão de conjunto do processo produtivo.

Num contexto em que a competitividade e a produtividade se tornaram sinônimo de luta pela sobrevivência, Reis (1999) argumenta que no mundo dos negócios, a tecnologia, a qualificação dos recursos humanos e a qualidade dos conhecimentos tornaram-se fatores fundamentais. A questão da formação e da produção do conhecimento passou a ser de fundamental interesse das empresas, especialmente das transnacionais.

Nessa nova configuração dos sistemas produtivos, o trabalhador parcelar do taylorismo constitui-se em entrave, pois os processos produtivos são altamente integrados; os imprevistos, os problemas não atingem apenas um setor da produção, mas o conjunto. Nesse sentido, Cerqueira (2002) afirma que não basta ao trabalhador ser capaz de identificar e de resolver os problemas e os imprevistos, e, que a intervenção direta de um trabalhador com capacidade de análise, criatividade e de trabalho em equipe torna-se crucial para a gestão da variabilidade e dos imprevistos produtivos.

Na legislação e nos discursos oficiais, do final da década de 1990, a centralidade do conhecimento, nos processos de produção e organização da vida social, ganha importância. De acordo com as resoluções dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), documento elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura –MEC - nos anos de

10

A polivalência está relacionada a um perfil de trabalhador, caracterizado pela capacidade deste se mostrar funcionalmente flexível. (MACHADO, 2000)

1998 e 1999, contendo orientações e apontando novos rumos para a educação de nível médio, a educação deve contribuir para a formação total do indivíduo; deve prepará-lo para que tenha autonomia de modo a poder decidir como agir nas diferentes circunstâncias da vida, a adquirir qualificação profissional e, principalmente, competências que o tornem apto a enfrentar os desafios do mundo laboral e social. De acordo com a argumentação ali estabelecida:

As novas exigências rompem com o paradigma taylorista/fordista segundo o qual a educação era mero instrumento de desenvolvimento de disciplina, obediência e respeito às regras estabelecidas e passa a incorporar o desenvolvimento de competências cognitivas e culturais exigidas para o pleno desenvolvimento humano. Intensificando os discursos nacionais e internacionais sobre diplomas e perfis profissionais, face às mudanças na sociedade contemporânea e, particularmente, no mundo do trabalho (BRASIL, 1999, p.23).

A exigência desse perfil de trabalhador tem acarretado novas demandas para a escola, tema esse que será abordado, a seguir.