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A Organização espacial de Selinonte

3 O D ESENVOLVIMENTO U RBANÍSTICO D E S ELINONTE : R EPERTÓRIO D OCUMENTAL E A NÁLISE D AS E STRUTURAS E E SPECIALIZAÇÃO D OS E SPAÇOS

3.2. A Organização espacial de Selinonte

3.2.1. O território

Selinonte, a cidade grega mais ocidental da Sicília, foi estabelecida na costa meridional da ilha, a partir da segunda metade do século VII a.C. em um processo de fundação tido por especialistas como tendo sido realizado em duas etapas – o que explica as duas datas diferentes apontadas por                                                                                                                

Tucídides (VI, 4, 2) e Diodoro (XIII, 59, 4). As datas são confirmadas pelos dados arqueológicos, como veremos adiante.

Fig. 2 - Fotografia aérea de Selinonte (Mertens, 2006: 84)

O assentamento foi instalado sobre um terreno colinar de tipo calcário, formado por dois setores, ocupados, a princípio, por fatores determinados pelo próprio relevo: o primeiro uma elevação perpendicular a costa, íngreme

25 metros acima do mar, o promontório da acrópole e o segundo setor, a noroeste deste, a atual colina de Manuzza, unida à acrópole por uma faixa estreita (Gabba; Vallet, 1980: 638-639; Mertens, 2005: 31; Veronese, 2006: 497-498). Dos dois lados estava cercada por vales por onde passavam, a oeste, o rio Selinus (atual Modione) e a leste o rio Cotone. Esta área se prolonga em duas colinas que se estendem imediatamente a oeste, a colina de Gaggera e a leste, a colina oriental (atual Marinella). A natureza geológica do solo atesta que o relevo sofreu profundas modificações e que o mar penetrava profundamente a costa hoje conhecida, sobretudo a oeste onde era localizado o porto principal (Gabba; Vallet, 1980: 639; Mertens 2010: 98).

Fig. 3 - Selinonte, topografia anterior ao implemento colonial. (Mertens 2003: prancha I). [adaptado]

Na direção norte do planalto de Manuzza e ao longo da faixa costeira, as colinas terminam em uma vasta planície que viria a constituir a khóra de Selinonte, esta área alcançou a extensão de 30 Km entorno do centro urbano ainda no século VII a.C. (Parise Presicce, 1984: 28; Mertens, 2005: 31; Veronese, 2006: 497-49). No entanto, a área cultivável selinontina é ainda pouco conhecida arqueologicamente (Coarelli; Torelli, 1984: 72-73; Di Vita, 1996: 281-282; Greco; Torelli, 1983: 188-189; Mertens, 2005: 31; Veronese, 2006: 500).

3.2.2. Fase I: ocupação do assentamento primitivo – período proto-colonial,

colonial inicial (c. 650 – c. 600 a. C.).

Os registros mais antigos de ocupação grega neste assentamento são de natureza doméstica e religiosa e foram encontrados no planalto de Manuzza: uma habitação datada da metade do século VII a.C. e na acrópole: quatro pequenas construções sagradas, datadas da último quartel do século VII a.C. e início do século VI a.C. (Danner, 1997: 157, De Angelis, 2003: 128, Urquhart, 2010: 218).

Também foram encontrados vestígios de ocupação indígena, anterior à chegada dos gregos. As escavações realizadas por A. Rallo em Manuzza identificaram um assentamento nativo contendo puramente material indígena datado dos séculos VIII e VII a.C., composto por remanescentes de habitações e cerâmica (Rallo, 1976-77: 722-24 apud Urquhart, 2010: 218). Uma pequena quantidade de material indígena também foi encontrada em

estratos profundos da nascente acrópole e da colina de Gaggera, o que indicaria uma vila indígena pré-existente ao assentamento grego (ver Parisi Presicce, 1984: 27).

Fig. 4 - Selinonte – Fase I - ocupação proto-colonial/colonial inicial 650 – 600 a.C.. (Mertens 2003: prancha I) [adaptado].

A estratigrafia revela ainda um período de co-habitação entre gregos e indígenas. Cerâmica grega de origem coríntia e cerâmica indígena somadas às construções domésticas com emprego de técnicas indígenas e gregas (megarenses) encontradas em Manuzza, datadas de meados do século VII a.C. são interpretadas como registros de um tipo de ocupação proto-colonial dos colonos de Mégara (Gabrici, 1927: 344; Tusa, 1982: 111-118 apud

Urquhart, 2010: 218; Parisi Presicce, 1984: 27 e notas). Segundo E. Gabba e G. Vallet, (1980) os vestígios gregos e indígenas datados de meados de 650 a.C. poderiam indicar uma instalação inicial dos gregos em acordo com as populações nativas e, mais tarde, teria sido realizada a fundação da apoikia propriamente dita. Este quadro validaria as duas datas fornecidas pela tradição textual, a de Diodoro Sículo (XVIII) e Tucídides (VI), 651/0 e 628 a.C. respectivamente; durante este intervalo teria ocorrido uma simbiose de culturas (Gabba; Vallet, 1980: 637). Na mesma linha interpretativa, Parisi Presicce (1984) descreve um quadro em que poderia ter existido um eventual assentamento progressivo durante a fase de frequentação e exploração prospectiva e aquisitiva da área que, poucos anos depois tornar-se-ia a apoikia (Parisi Presicce, 1984: 26). No entanto, autores como F. Veronese (2006) e D. Mertens (2010) advertem que este processo de contato inicial de gregos e indígenas em Selinonte ainda não é suficientemente claro (Veronese, 2006: 497-498; Mertens, 2010: 98).

Fig. 5 - Presença arqueológica do período de fundação (Mertens 2003: prancha I) [adaptado].

Organização urbanística no século VII a.C.?

As escavações realizadas em pontos distintos da colina de Manuzza e da acrópole recuperaram vestígios de estruturas domésticas que apresentam similaridades no que diz respeito à alvenaria e tamanhos de áreas construídas, o que permite lançar a hipótese de que existia algum tipo de organização sistemática já no século VII a.C. e, por extensão, divisão do espaço público para as ruas (Gabba; Vallet, 1980: 644; Danner, 1997: 152). Para De Angelis (2003: 129) e Mertens (2010: 98) contudo, ainda não é possível concluir tais inferências.

As primeiras habitações construídas foram identificadas em diferentes pontos do planalto da Manuzza e acrópole por A. Rallo em escavações realizadas na década de 1970. Foram recuperadas estruturas domésticas que apresentam similaridades entre elas no tocante à alvenaria e tamanhos de áreas construídas. Essas evidências são utilizadas para sustentar a hipótese de que já no século VII a.C. os colonos implementavam algum tipo de organização sistemática e, por extensão, divisão dos espaços para definição das ruas (Rallo, 1976-77: 723-725 apud De Angelis, 2003: 128). Os estudos também indicam que os locais das platéias 0 e 6 já eram percursos naturais e estavam em uso no último quartel do século VII a.C e nos primeiros anos do século VI a.C. (Di Vita, 1996: 282-283). Por isso, não se exclui, de todo, algum tipo de planejamento urbano no século VII a.C., desde a fundação ou pouco tempo depois (Coarelli; Torelli, 1984: 73-74).

Para Danner (1997), a orientação das construções encontradas em Manuzza e no témeno da acrópole datadas do século VII a.C. (Rallo, 1984:

82 apud Danner, 1997: 152), somadas às datações atribuídas aos eixos viários e especialização de espaços cívicos e sacros observadas na mesma época (Di Vita, 1984: 12-14) são indicativos da organização colocada em prática já nos primeiros anos de desenvolvimento do assentamento (Danner, 1997: 152).

Na parte sudeste do planalto de Manuzza localiza-se uma necrópole arcaica que esteve em uso do século VII ao V a.C. (Rallo, 1984: 91 apud De Angelis, 2003: 133). Sua localização, bem como a natureza do terreno daquela área (irregular/declive – ver mapa topográfico em anexo) pode ter exercido influência na projeção dos quarteirões residenciais do século VII a.C. a ponto de ditar uma terceira variação na malha urbana, que teria sofrido sobreposição e realinhamento em período posterior, estando, pois, não- identificável arqueologicamente (Rallo, 1984: 91 apud De Angelis, 2003: 133). A possibilidade de um terceiro alinhamento foi rejeitada por Mertens (1999: 191 n.3) quando argumentada em função da necrópole e irregularidade do terreno mas, recentemente, voltou a ser debatida pelo mesmo autor em função de outro vetor, o “porto primitivo”15 (Mertens, 2010: 99).

As recentes escavações realizadas na ágora e entorno a leste fizeram, novamente, o arqueólogo Dieter Mertens considerar a possibilidade de que a cidade tenha tido uma implementação inicial, contemporânea à fase de frequentação e reconhecimento do território, tendo como ponto de partida o uso da área na foz do rio Gorgo Cotone, onde teria sido instalado um porto primitivo e, partindo dele, algumas vias e quarteirões teriam sido projetados.                                                                                                                

15 Em trabalhos anteriores (1999; 2005) Mertens tecia algumas considerações sobre a

possibilidade de existencia de um terceiro ordenamento na malha de Selinonte ter existido ainda no século VII a.C. contudo, sempre adotou uma posição cautelosa em relação a essa hipótese, argumentando carência de elementos comprobatórios.

Estes quarteirões teriam uma ordenação divergente daquela que foi consolidada na implantação da malha urbana do século VI a.C (Mertens, 2010: 100-101). As escavações realizadas neste setor revelaram que os locais das platéias 0 e 6 eram percursos utilizados por habitantes do assentamento em período anterior à chegada do gregos, estando em uso ao longo do século VII e VI a.C. Essa orientação da malha existente no final do século VII a.C., no entanto, possivelmente está oculta no registro arqueológico em virtude das sucessivas atividades de edificações naquele setor do assentamento (Mertens, 2010: 99). O confronto desta informação com a planta obtida a partir da prospecção geofísica (ver anexo) ainda não é conclusivo, mas não pode ser, de todo, ignorado16.

Fig. 6 - Ásty de Selinonte, detalhe área do “porto primitivo” (Mertens, 2003: prancha III) [adaptado].

                                                                                                               

16 Contudo, não devemos extrapolar o valor da evidência até o momento interpretada. No

nosso entendimento, ainda que a planta inicial da cidade tenha tido ordenamento diferente daquele que vem sendo propugnado nos últimos anos, iremos nos ater aos dados já validados por um conjunto de especialistas, ou seja, a malha urbana por nós conhecida é aquela que foi implementada a partir de meados de 600 a.C.

A expansão selinontina para o interior é atestada sobre o relevo imediatamente circundante do que viria a ser a ásty anos mais tarde; as áreas especializadas para atividades religiosas foram definidas nessa etapa inicial de projeção do assentamento (século VII a.C.), como se cercando o planalto de Manuzza e a acrópole.

Vestígios de cultos em área aberta são mais precisamente observáveis em três partes separadas da colina da Gaggera (Urquhart, 2010: 219). A primeira delas está localizada abaixo das edificações do santuário de Deméter Malophoros e atesta uso intenso da área, com atividades concentradas especialmente ao redor do “altar primitivo”, posicionado sobre solo virgem com sinais intensos de queimas e material cultual associado. Dentre os vestígios encontram-se fragmentos de cerâmica de uma cratera proto-corintia (640-625 a.C.), potes - alguns intactos -, datados de 640-580 a.C., tabuletas e miniaturas votivas, figuras de animais pequenos, objetos ornamentais e fragmentos de uma oferenda (Urquhart, 2010: 220).

Nas outras duas áreas – também em lugares que mais tarde viriam a ser construídos templos, o Templo M e o Heraion – não há presença de estruturas físicas para os níveis abaixo dos santuários mas lá foram encontrados fragmentos de cerâmica. Na área do futuro Heraion, a cerâmica consiste exclusivamente em kotylai, copos de beber do final do século VII a.C. Junto com esses artefatos foram encontrados numerosos fragmentos de metais e estatuetas de terracota e ainda madeira carbonizada e ossos, o que tem sido interpretado como testemunhos de uma ocupação local caracterizada por banquetes rituais e sacrifícios em um período anterior a

construção das edificações sacras (Pompeo, 1999: 50-51 apud Urquhart, 2010: 220-221).

Edifícios sagrados na acrópole também tiveram suas construções iniciadas já no século VII a.C.. As antigas versões dos templos C e D, bem como o “Templinho com acrotério em espiral” são datados deste período (De Angelis, 2003: 129-130; Veronese, 2006: 517-520).

Também na colina oriental é observada atividade cultual precoce, seguida de edificação sacra. O predecessor do templo E, o Templo E1 é datado do final do século VII a.C. (Parisi Presicce, 1985: 80 apud De Angelis, 2003: 130; Urquhart, 2010: 224; Veronese, 2006: 508-509).

Essas atividades cultuais realizadas nas colinas da Gaggera e colina oriental possivelmente não foram as únicas, mas sim aquelas visíveis no registro arqueológico. Acreditamos que a extensa planície que viria a ser a

khóra estava sofrendo o mesmo processo de atividades cultuais que, dado o

caráter predominante de trabalhos de investigação arqueológica realizados na área mais urbanizada desta pólis, tenha contribuído para uma deficiência de informações sobre essas muito prováveis atividades.

Neste sentido, F. Veronese (2006) contribuiu de maneira original17 para a investigação das práticas sociais no território ao elencar em seu levantamento de dados alguns elementos que, embora escassos, permite lançar conjecturas sobre os possíveis mecanismos em operação em áreas

                                                                                                               

17 O trabalho de Veronese tem como objetivo identificar práticas cultuais que denotariam

mecanismo de projeção de paisagem de poder e reivindicação de soberania sobre territórios, para tanto ela realiza um levantamento documental caracterizado pela extensão geográfica ímpar se comparado com os estudos tradicionais centrados nas áreas de adensamento “urbano” e, portanto, melhor documentadas; ver: Veronese, 2006: passim.

distantes da ásty que estavam sendo postos em marcha visando a obtenção de territórios.

Em um ponto distante da acrópole, a zona de Campobello de Mazzara foi encontrada uma epígrafe funerária datada do último quarto do século VII a.C., interpretada como evidência de presença de um selinontino da primeira geração de colonos em um ponto bastante avançado do território (Nenci,1995

apud Veronese, 2006: 502).

No sítio indígena de Caltabelotta, a leste de Selinonte, os primeiros traços de freqüentação grega são datáveis da segunda metade do século VII a.C. e o controle do sítio por parte dos colonos gregos ocorreu no segundo quartel do século VI a.C. (Veronese, 2006: 523).

Veronese (2006) menciona também a descoberta de uma inscrição encontrada em um témeno situado em Mandra di Mezzo, cerca de 30 Km distante da costa. Esta inscrição tem sido utilizada para sustentar inferências a respeito da profundidade da penetração dos colonos selinontinos no interior do território já no início do século VI a.C. em posição que chegava a incomodar diretamente Segesta (Veronese, 2006: 500 e n. 14). Para Veronese (2006) estes dados permitem entrever um lúcido processo expansionista empreendido pelos selinontinos, que teria como marco de sua finalização – poderíamos dizer concretização – com a fundação de Heracléia Minoa na metade do século VI a.C. (Veronese, 2006: 502).

Contudo essa linearidade observada no raciocínio de F. Veronese (2006) parece-nos estreitamente arraigada em uma concepção de

helenização das populações indígenas – conceito este que a autora não

observar estes mesmos vestígios elencados por Veronese como evidências de uma ação que poderia visar o usufruto destas terras em pontos avançados do território sem necessariamente excluir a possibilidade de estes contatos terem sido caracterizados por negociações entre indígenas e gregos e estabelecimento de acordos que, porventura, foram igualmente benéficos para as partes envolvidas. Entretanto, tal como a leitura de Veronese, isso é apenas uma hipótese. No entanto, insistimos em negar a perspectiva de

helenização e aculturação que tão fortemente caracteriza o trabalho desta

autora.

3.2.3. Fase II – Implementação da malha urbana, início da monumentalização

(600 – 580 a.C.).

Aparentemente, obtida a estabilidade após alguns anos de estruturação da comunidade, o início do século VI a.C. apresentava condições favoráveis para que os colonos tenham dado início a subdivisão dos espaços da colina urbana.

É consensual entre a maioria dos estudiosos que a sistematização da malha urbana implementada na cidade foi realizada no primeiro quarto do século VI a.C. (Gabba; Vallet, 1980: 644; De Angelis, 2003: 132; Fisher- Hansen, Nilsen; Ampolo, 2005: 223; Mertens, 2010: 99). Sobre a acrópole a articulação do eixo norte-sul corresponde a espinha dorsal da colina e a transversal, leste-oeste, foi determinada por uma estrada fixa que tangenciava o norte do témeno da acrópole, era mais larga do que as outras vias e correspondia ao traçado da fase anterior (proto-colonial), igualmente

adaptada a topografia do terreno (Gabba; Vallet, 1980: 644).

Fig. 7 - Fase II: Implemento da malha urbana, início da monumentalização - 600 – 580 a.C.. (Mertens, 2003: prancha I) [adaptado]

F. Coarelli e M. Torelli (1984) chamam a atenção para a estreita relação existente entre a estrutura regular implementada no início do sexto século a.C. com o tipo de implantação urbanística realizado no último quartel do século VII a.C. (Coarelli; Torelli, 1984: 73-74) Os edifícios acomodados em Manuzza e na acrópole no século VII a.C. parecem ter sido intercalados com largos espaços vazios, embora orientados no alinhamento natural da topografia e das linhas gerais que a malha assumiria em fase posterior, conservando as vias de acesso que integravam os dois portos e as áreas de ocupação extraurbana nas colinas Oriental e da Gaggera (Di Vita, 1996:

passim; Mertens, 2010: 99-100).  

A malha urbana arcaica está dividida em dois sistemas direcionais rigidamente ortogonais. Observa-se que a disposição da mesma permite otimização do espaço no interior da ásty. Apesar de os manuais insistirem em uma descrição genérica do território de Selinonte que o caracteriza como sendo regular, o exame mais acurado da topografia mostra que a área que abarcava as atividades – ditas – urbanas (acrópole e Manuzza) era sobremaneira irregular, como podemos observar na imagem abaixo.

Diante de uma topografia acidentada, é interessante notar que parte dos princípios norteadores da especialização dos espaços levava em consideração, muito provavelmente, o melhor aproveitamento do terreno. Consideremos, por exemplo, as duas extremidades, leste e oeste no norte de Manuzza, as ruas em eixo norte-sul com desvio de 22o. graus para oeste em relação à malha da acrópole (Mertens, 2010: 100).

O entroncamento dos dois sistemas viários, ou seja, a interconexão entre a acrópole e o planalto de Manuzza é constituído por uma área quase plana, demarcada em formato trapeizodal que, mais tarde, veio a abrigar a ágora (Mertens, 2005: 31). Este posicionamento e formato “peculiar” tem conexão com a disposição dos espaços especializados da cidade-mãe, Mégara Hibléia, cf. será analisado posteriormente18.

Nos dois sistemas viários (acrópole e Manuzza) a distância dos estenopos que definiam os quarteirões medem em média 32,80m = 100 pés. Este dado, segundo Mertens (2010) é indicativo de um mecanismo que visava uma primeira repartição da área urbana, o objetivo poderia não ser, prioritariamente, a articulação das vias mas, sobretudo, um arranjo de distribuição aparentemente similar àquele implantado na subdivisão19 do interior agrícola (Mertens, 2010: 100).

                                                                                                               

18 Esta questão é abordada no capítulo 4 desta dissertação.

19 Para uma problematização mais abrangente sobre a divisão do território agrícola em pólis

coloniais: Lepore, E. (1973), Belvedere, O. (2005), Adamesteanu, D. (1973), Greco, L. (1999), Vide referências bibliográficas no final do texto.

Fig – 9 – Padrão dos quarteirões em distintos setores da ásty (Bollati,1999: 21) [adaptado]

As datações absolutas obtidas em pontos distintos e equidistantes na área urbana mostram que, paralelamente a implantação da malha urbana eram erigidos os muros do vale do rio Cotone e é provável que o inteiro traçado da ásty já estivesse integrado à especialização observada no santuário urbano e ágora (Danner, 1997: 154; Mertens, 2010: 100).

O Instituto arqueológico germânico tem atuado nas últimas décadas em um amplo programa de estudo da topografia de Selinonte. A evidência dos muros do período arcaico que margeavam o Vale do rio Cotone só foi recuperada graças às prospecções geofísicas realizadas no sítio. Trata-se de um sistema defensivo que atualmente é interpretado como regular e integrado à malha urbana implantada no primeiro quartel do século VI a.C. A

estrutura interna do aparato murário apresenta o mesmo calcário usado na construção de diversas fundações de habitações arcaicas. Uma grande porta leste foi posicionada para proteger a grande artéria que coligava a área urbana com o santuário da colina oriental. A porta era protegida por um bastão semi-circular (Mertens, 2005: 31).

Fig. 10 - monumentalização inicial acrópole (Carrateli, 1996: 286) [adaptado]

A construção da cinta murária também é contemporânea à construção dos primeiros edifícios públicos monumentais: os templos perípteros na acrópole: o Mégaron – c. 580/570 a.C., um edifício de planta estreita e alongada (5,31 x 17,83) e, na colina oriental, o Templo E 2 c.600 a.C - sucessor do Templo E1, do século VII - (De Angelis, 2003: 135; Mertens, 2005: 31 Veronese, 2006: 518-519).

Além da supracitada monumentalização da acrópole e colina oriental, também nesta fase foram iniciadas as construções monumentais na

Gaggera. As áreas que sofreram ocupação e atividades de cultos a céu aberto ou edificações de altares em fase anterior passam a ser transformadas através de construções de edifícios, arquitetura especializada e elementos decorativos (Urquhart, 2010: 222). Na transição do VII para o VI século a.C. temos a construção do Heraion na colina da Gaggera. Do primeiro quartel do século VI a.C. data o Mégaron do santuário de Deméter Malophoros e o edifício sagrado do santuário de Zeus Meilichios, ambos situados na colina de Gaggera.

3.2.4. Fase III – Infra-estruturação do território - (580 – 500 a.C.)

Entre os anos de 580/570 a.C. foram construídos dois terraços ligados talvez por caminhos em degraus que ampliavam a área sagrada para leste, na acrópole. Este desenvolvimento significa parte de um programa bem planejado com considerável atenção aos contornos da terra e às necessidades de uma população em crescimento rápido. Aos poucos, vai se materializando no espaço o planejamento de uma cidade perfeitamente articulada e de tamanho extraordinário, constituindo um padrão urbano que parece ter sido desenhado ao redor de retângulo básico de 32.5 m (100 pés de 0.325m) de extensão compreendendo uma insula de 90 m somada aos inter-eixos de 10 pés. Das escavações das áreas norte e central da Manuzza podemos inferir o tamanho dos blocos de ruas planejados a aplicados pelos geômetras na cidade de Selinonte: a insula básica teria uma razão de 1:6 entre comprimento e largura (29.25 por 175.5 m) dentro de um módulo de 600 pés (195 m ) incluindo 6 insulae e as ruas que as dividem (Di Vita, 1996).

Entre os anos 570-560 a.C. os eixos norte-sul e parte da rua F foram alargados em 70cm provavelmente em virtude de um reordenamento viário e, também, para suportar o transporte de pedras de Cusa até a acrópole (Danner, 1997: 154). Neste período a re-sistematização urbana da cidade,

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