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2 O S MOVIMENTOS M IGRATÓRIOS DA P ENÍNSULA B ALCÂNICA PARA O M EDITERRÂNEO O CIDENTAL : M ÉGARA H IBLÉIA E S ELINONTE

A Colonização Grega do Período Arcaico

A sociedade grega é notadamente caracterizada pela mobilidade de sua população praticamente ao longo de toda a sua história. É possível observar em diversos destes movimentos alguns aspectos muito mais característicos da migração do que, propriamente, da colonização. Os gregos estabeleceram-se em terras que se estendiam da Ásia Menor até a Península Ibérica, incluindo as costas do Mar Negro, o Norte da África, o sul da Itália e a Sicília. O contato entre gregos e as culturas locais propiciou tanto a troca de informações, como o enriquecimento cultural de todas as partes. O Mediterrâneo e seus arredores foram o palco de intensas interações culturais e materiais na Antiguidade.

Entretanto, no início do século VIII a.C, os gregos passaram a fundar assentamentos permanentes e independentes que reproduziam estruturas de suas comunidades de origem. Este processo de estabelecimento de novos assentamentos, denominados apoikiai pelos próprios gregos, foi denominado pela historiografia como “A Colonização Grega”.

 

Ainda que a discussão que tematiza a “colonização grega” seja profícua, visto que o tópico vem sendo amplamente debatido nos últimos anos, consideramos importante retomar rapidamente alguns pontos básicos sobre o tema a fim de, num primeiro momento, nos posicionarmos a respeito e para, posteriormente, apresentarmos alguns novos argumentos que vêm sendo acrescentados à discussão, como, por exemplo, o uso do conceito de mediterranização proposto por Ian Morris (2003).

Em artigo publicado em 2003, Morris critica a abordagem do Mediterrâneo antigo que denomina Mediterranismo, presente, por exemplo, na obra Corrupting Sea (2000), de Horden e Pourcell e insere no debate o conceito de Mediterranização, entendido como um instrumento analítico mais apto a tratar o dinamismo que caracterizou as interações sistemáticas entre as sociedades mediterrânicas em todas as épocas. Partindo dos pressupostos de Morris, colocamos uma questão: a expansão das populações helenas dos Bálcãs para o Mediterrâneo Ocidental partir do século VIII a.C. poderia ser analisada como uma fase de intensificação da

Mediterranização da área, após a curta retração que se seguiu à

desintegração do sistema palacial micênico?4 Nesta mesma linha de análise, o uso de Mediterrâneo como um conceito heurístico trouxe, em seu bojo, tanto a crítica do uso de categorias de análise como centro e periferia como o estímulo a abordagens que destacam a conectividade, a interação e a troca em vez da hierarquização nas relações entre as sociedades mediterrânicas. O conceito de redes começa, então, a ser experimentado, constituindo-se em                                                                                                                

4 Elaine Hirata, “Território e identidade em sítios de ocupação grega na Sicília: desenhando

uma perspectiva que acentua o dinamismo característico das relações entre as sociedades do Mediterrâneo antigo (Malkin, 2005).

Sincronicamente, enquanto a Grécia balcânica passava por um processo de emergência de uma forma original de organização – a pólis – alguns grupos se destacavam (ou eram destacados) destas para fundar assentamentos em território distante, levando consigo referências que seriam fundamentais no decorrer de sua constituição e desenvolvimento, como a religião, as formas de associação política e suas instituições e, por extensão, uma forma especifica de se apropriar do espaço de forma especializada5. Dito de outra forma, ainda que as pólis estivessem em desenvolvimento nas comunidades de origem, elas constituíam a principal referência para estas novas comunidades, sendo copiadas naquilo que possível e pautando relações que não eram caracterizadas por domínio ou dependência, mas por um tipo muito especifico de complementaridade (Lepore, 1973; Malkin, 2001, 2002).

No entanto, é preciso relembrar e frisar que os gregos não estavam se dirigindo ao desconhecido nem a uma terra desocupada. Aquilo que os próprios gregos vieram a denominar como Magna Grécia, ou seja, os territórios habitados por gregos no Sul da Itália e a Sicília não eram uma novidade para os viajantes do século oitavo a.C. As apoikias – literalmente, a “casa longe de casa” – não resultavam de incursões pioneiras se considerarmos não só os contatos dos micênicos com o sul da Itália e Sicília - arqueologicamente comprováveis e que, muito embora rarefeitos após o                                                                                                                

5 É arqueologicamente verificável que desde os primórdios das fundações percebe-se com

suficiente clareza que havia um padrão de assentamento comum, que consistia na divisão do terreno em três esferas: dos vivos, dos mortos, dos deuses, o que foi incorporado ao desenvolvimento urbanístico das pólis gregas.

desaparecimento do sistema palacial, nunca foram interrompidos por completo6 (Etienne, 2000; Malkin, 1998) -, como o que as escavações arqueológicas recentes no Ocidente Grego revelam: situações de coabitação entre gregos balcânicos e populações não gregas em épocas que precedem as fundações “oficiais”, que é o caso de Metaponto e Gela dentre outros (Carter, 2006, Procelli, 2003). O mito da terra vazia acomoda, no imaginário grego, a posse de uma terra já ocupada e aparece nas narrativas coloniais que eram contadas e recontadas muito tempo depois de as fundações terem ocorrido, estabelecendo uma memória destes eventos que é um produto cultural, uma construção social. (Dougherty,1993).

Uma questão ainda hoje muito debatida pelos especialistas diz respeito às motivações para estes empreendimentos, dentre os quais são destacadas a procura por bens desejáveis como o metal, o comércio realizado com as outras sociedades que também habitavam as terras mediterrânicas, ou ainda a busca de uma expansão territorial ocupando espaços que originalmente eram habitados por populações não-gregas. Em alguns casos é possível afirmar que estes fatores poderiam, inclusive, estar interligados. As “narrativas coloniais”, em geral, apontam para situações de crise cívica, obrigando o abandono das áreas de origem por parte da população (Dougherty, 1993: 8-9).

Desde que os helenistas se puseram a refletir sobre a colonização grega, muitas têm sido as teorias que procuram tecer um quadro explicativo                                                                                                                

6 No final do século XI e no século X, grupos saídos da Grécia balcânica migraram para se

fixar nas ilhas do Mar Egeu e na costa oeste da Ásia Menor, onde estabeleceram doze cidades. Precocemente os micênicos estabeleceram assentamentos ao redor do Mediterrâneo (Morel, 1984 Apud Tsetskhladze, 2006; Tsetskhladze, 2006 pp. xxii).

que possa explicar a complexidade deste fenômeno. Este assunto tem sido alvo de inúmeros debates nas últimas décadas, e sua reescrita está sendo operada. Se por um lado as pesquisas arqueológicas revelaram uma quantidade significativa de novos dados relativos aos períodos mais recuados da sociedade pré-grega e grega nas ultimas décadas, por outro temos um consistente questionamento dos conceitos equivocadamente empregados nos estudos sobre o tema, dado que as informações que obtivemos não permitem compreender nenhum tipo de ação imperialista empreendida por pólis gregas antes do quinto século a.C., o que é sugerido ao empregarmos as palavras colônia/colonização ao nos referirmos a este fenômeno histórico (De Angelis, 2003; Tsetskhladze, 2006: xvi-xvii; e ss.; Whitley, Apud Tsetskhladze, 2001: 125).

Assim, ao longo das próximas páginas, buscaremos apontar as especificidades daquilo que têm sido denominado como Colonização Grega e como os autores tem debatido alguns paradigmas deste fenômeno. Nosso intuito principal é o de estabelecer um quadro geral que nos permita, nas etapas posteriores da pesquisa, compreender a natureza dos assentamentos gregos fundados na Magna Grécia e na Sicília ao longo do período Arcaico, em especial, Selinonte, nosso caso de estudo.

O conceito

O termo colônia, usado para denominar os assentamentos fundados por gregos no período Arcaico, assim como o termo colonização, empregado

para qualificar o processo de estabelecimento de assentamentos em território estrangeiro, tem sido objeto de numerosos debates entre os mais variados estudiosos. A terminologia não pode ser negligenciada quando acarreta em uma série de distorções na interpretação de uma sociedade. Especialistas têm alertado para a necessidade de se respeitar a acepção singular da palavra no que diz respeito aos estudos sobre a antiguidade greco-romana; contexto em que colonial designa nada mais do que grupos de pessoas vivendo longe de suas comunidades de origem, estabelecendo-se em territórios estrangeiros (Tsetskhladze, 2006).

A colonização grega está intimamente implicada na fenomenologia do colonialismo europeu moderno (Dietler, 1995: 91 Apud Owen, 2005: 12). Os estudos mais antigos foram influenciados pela experiência colonialista da Europa Moderna, ocorrida entre os séculos XVI e XIX. Especialmente o sentido anglófono da palavra colonial, oriundo desta mesma experiência, tem sido questionado nos estudos sobre a antiguidade. O termo colonial, nesta acepção, carrega uma forte noção de imperialismo, o que não existiu na sociedade grega antes do século V a.C. De acordo com Purcell colonização é uma categoria em crise no estudo do Mediterrâneo Antigo, entretanto Tsetskhladze sugere que o termo está em crise em si. Apesar das críticas, o termo continua sendo empregado em estudos sobre a antiguidade. Este autor argumenta ainda que negar colonização nos estudos não é um caminho, mas que parece razoável dar continuidade ao uso do termo com a devida explicitação que se quer extrair da palavra (Tsetskhladze, 2006: 28). Owen também adverte que o problema não está no emprego da analogia como

procedimento, mas sim na imposição de modelos históricos específicos (Owen 2005: 18).

Dentre tantos estudos e autores que questionam o uso do termo colonização (De Angelis, 1998, 2003; Tsetskhladze, 2006: 28 e ss.; Whitley,

apud Tsetskhladze, 2001: 125 Owen, 2005; Osborne, 1998; Shepperd, 1993,

1995) Irad Malkin, em especial, não apenas chama a atenção para a impropriedade do uso do termo visto que este remete ao contexto imperialista do século XIX, mas também observa o fato de muitos historiadores e arqueólogos rejeitarem a noção de fundação do empreendimento colonizador dos gregos antigos, o que elimina a relevância da cidade-mãe neste contexto.

Todos os estudiosos trabalham com conceitos, ideias. Isso vale especialmente para as ciências sociais e, em particular, para as disciplinas que tentam explicar e compreender o passado através da aplicação de paradigmas e terminologias derivadas do presente. Pensemos, por exemplo, nos “tipos ideais” de Max Weber Conceitos são ferramentas, não o propósito do conhecimento. Por meio da abstração e generalização o estudioso cria instrumentos para a sua investigação. Deve estar ciente, no entanto, de que suas conclusões baseadas em conceitos são subjetivas e dependem de uma série de pressupostos, devidademente explicitados. Se os conceitos são carregados de pressupostos normativos, a precisão terminológica é a condição prévia para qualquer debate acadêmico consistente.

Como vimos, colonização e colônia são termos carregados de experiências históricas e de ideologias, isto fomentou discussões em torno destes termos, bem como a aplicabilidade, fosse irrefletida ou feita com propriedade, nos estudos dos processos de expansão e conquista do

Mediterrâneo antigo. Basicamente o debate divide aqueles que defendem o total abandono destes termos, outros adotam a terminologia por razões analíticas, municiados de cautelas.

É este o caminho que iremos adotar neste trabalho. De nossa parte, acreditamos ser válido refinar a terminologia provendo ferramentas analíticas válidas para interpretar os processos de expansão e conquistas territoriais na antiguidade mediterrânica. Tal como propõe Malkin, a colonização entendida como um processo, não um evento e entendida em termos de

estabelecimento de um assentamento coloca o necessário acento na noção

de fundação destes assentamentos e o papel das cidades-mãe nestes processos.

Estamos adotando colônia e colonização como entidades em uma perspectiva ética7 para as nossas abordagens analíticas, considerando essa terminologia como “muletas de cognição” (Stockhammer, 2012) e não como estruturas estáticas historicamente existentes.

A colônia, nesta perspectiva ética, constitui um espaço liminar, região fronteiriça construída por meio das dinâmicas sociais, dotadas inerentemente

                                                                                                               

7 A oposição ético x êmico tem origem na proposta de Kenneth Pike que em sua obra

“Language in relation to a unified theory of the structure of human behaviour” (1954) estabelece uma analogia das categorias linguísticas fonético/fonêmico recuperando principalmente as duas possibilidades de consideração de um fato: a do observador externo, não-participante, que está fora da situação e com ela não se identifica – caso da perspectiva “ética”; e a do observador interno, participante, que se identifica com o sistema e dele extrai sua significação – perspectiva “êmica”. A visão ética seria intercultural, na medida em que suas unidades seriam pré-estabelecidas e derivariam da comparação de muitos sistemas; a visão êmica seria monocultural, e suas unidades seriam derivadas das relações funcionais internas que se estabeleceriam dentro do único sistema considerado. A visão ética seria classificatória e tipológica; a visão êmica seria estrutural. Os critérios éticos seriam absolutos e positivos; os critérios êmicos seriam relativos ao lugar que as unidades ocupam nos sistemas particulares e seriam, portanto, contrastivos, observáveis apenas por referência às relações que estabelecem com as outras unidades do sistema (Ver: Pike, 1954).

de potencial criativo, cuja complexidade histórica pode ser apreendida por meio do escopo analítico que ora evocamos.

Essa nos parece a forma mais apropriada de compreender a natureza destes assentamentos e daqui por diante, faremos uso desta terminologia e é com essa acepção que iremos trabalhar quando nos referirmos as pólis coloniais, ainda que usemos os termos colônia, cidade ou pólis (Malkin, 2002: 196).

Como veremos nos capítulos seguintes, as cidades fundadas no contexto da emergência de complexas realidades políticas entre os séculos VIII ao VI a.C. tiveram demandas próprias que incidiram decisivamente nos processos de aquisição de territórios, multiplicação de comunidades políticas e desenvolvimento das respectivas comunidades. Observando estes processos fazendo uso analítico das categorias colônia e colonização alcançaremos uma interpretação original no tocante ao vínculo entre a apoikia e cidade-mãe.

A fundação de uma Apoikia.

O primeiro ato de qualquer fundação constitui um ato religioso. E a relação entre a colônia e a cidade-mãe está constantemente perceptível na atribuição de uma tradição religiosa e de um culto central. Antes de qualquer incursão rumo ao longe, o ato se dá na própria localidade de origem do futuro

novo assentamento: a escolha de um oikista8 - seguida da consulta ao

oráculo do Santuário de Apolo em Delfos. Em seguida, ocorre a associação entre os indivíduos que participarão do empreendimento, e essa associação também é religiosa. Não podemos nos esquecer de reiterar nossa localização cronológica: estamos no início do século oitavo a.C., período em que a pólis enquanto conjunto de instituições e associação comunitária cidadã ainda está em embrionário desenvolvimento; o que significa que o papel da religião, mediadora da participação/exclusão nos cultos e ritos é fundamental para imbuir um conjunto de pessoas da noção de pertencimento ou não a um grupo, ou a um tipo de empreendimento. O Estado, as instituições políades mais políticas em sua essência, foram criações posteriores à associação religiosa na organização da sociedade grega, sendo derivada desta, e nunca em toda a sua existência foi possível dissociar uma da outra. É um axioma para qualquer helenista o fato de a religião e a política estarem profundamente imbricadas na organização políade.

Depois da escolha do oikista e das pessoas que participariam da expedição, tomavam-se as providências mais prementes: obtenção dos meios de navegação, suprimentos... (Monedero, 1993: 103). O local para onde o oikista conduzirá o grupo havia sido apontado pelo oráculo délfico, cabendo a ele, com a sanção do deus, cumprir o seu papel de líder da expedição garantir o sucesso da fundação, o que significava, entrementes,

                                                                                                               

8 Geralmente o oikista era escolhido pela comunidade de origem, não raro destacado de

grupos aristocráticos e diretamente ligado aos grupos dirigentes da sociedade. No caso das pólis secundárias, como veremos adiante, havia a possibilidade de o oikista ser escolhido dentre os membros da comunidade de origem da pólis que destacará um grupo para colonizar, como ocorrido na fundação de Selinonte, cujo oikista Pammilos não foi escolhido dentre os cidadãos de Mégara Hibléia, sua metrópole, mas sim de Mégara Nisáia, comunidade que fundou Mégara Hibléia.

reproduzir a comunidade de origem para onde estavam rumando, tornando possível sua fixação em território estrangeiro e a prosperidade do mesmo.

Uma vez estabelecidos, estavam totalmente desligados de qualquer vínculo político com a sua cidade-mãe. É essencial distinguir este tipo de pólis, a apoikia, de qualquer outro tipo de fundação em território estrangeiro. A apoikia, como dito anteriormente, é uma “casa longe de casa”, não há nenhuma intenção por parte da cidade-mãe de exercer qualquer tipo de ação que possa ferir a autonomia da nova fundação, que uma vez existindo, terá de empenhar-se para garantir sua manutenção e desenvolvimento. Para além do vínculo religioso que é permanente, as colônias não eram tuteladas por sua cidade de origem (Woodhead, 1972: 17).

Quando da chegada dos colonos no território escolhido, ocorre geralmente um culto com sacrifício, o primeiro “ato oficial”, o marco da fundação, realizado pelo oikista. Posteriormente ele tinha que delimitar o território, atribuindo às partes do terreno funções especializadas: uma parte era a sagrada, o témeno, onde futuramente seria erigido o santuário da entidade patrona da cidade; também uma parte do terreno para as construções públicas; e por último, mas não menos importante, cabia a ele realizar a divisão das terras entre os colonos partícipes da expedição – geralmente buscava-se certa equidade, embora as escavações arqueológicas admitam a possibilidade de uma divisão desigual de lotes, que favorecesse os membros mais renomados daquele grupo social – a aristocracia. O oikista também era o responsável por legislar a comunidade, fosse apropriando-se de uma legislação pré-existente da comunidade de origem, ou ainda criando inovações, perante uma realidade que demandava

certa originalidade face um contexto mais inóspito do que aquele de continuidade e mudanças graduais que caracterizava a Grécia metropolitana.

Conforme pudemos perceber, a figura do oikista é vital para o empreendimento colonial. Não por acaso, mesmo diante de uma carência significativa de fontes textuais do período arcaico contemporâneas às fundações, seus nomes e suas biografias foram relativamente bem preservados. Em parte isso ocorreu por causa de uma especificidade das pólis coloniais: o culto ao herói. Em certo sentido, a morte do oikista simbolizava um fecho do ato de fundação. Ele recebia a honraria de ser sepultado no centro da cidade – o que não era permitido aos demais, cujos enterramentos se davam nas necrópoles, fora dos muros da área mais urbana do assentamento – e a partir de então ele era o próprio herói daquela cidade. Sua tumba recebia cultos e assim ele tinha sua memória preservada ao longo das gerações e, em última instância, atuava de forma atemporal como legitimador da fundação.

No entanto, a existência real da figura dos oikistas também tem sido alvo de debates e revisão crítica nas últimas décadas. Alguns especialistas apontam que na valorização histórica da colonização que privilegia as evidências literárias, a documentação arqueológica foi utilizada como fonte de informações comprobatórias de questões levantadas a partir das leituras dos textos antigos.

O expediente de se deixar orientar pelos textos trouxe muitos problemas para a investigação arqueológica sobre a colonização grega. Osborne (1998) chama a atenção para o fato de que as informações que dispomos sobre o período arcaico foram quase que totalmente transmitidas

via tradição até o registro escrito de Heródoto; e o que ele e outros escrevem é tributário de uma tradição, e toda tradição é seletiva. Ainda mais complexo, segundo o autor é “... articular aquilo que obtemos de informação do que foi produzido por uma sociedade – literatura, vestígios – e a tradição que esta selecionou é perigoso, mas necessário” (Osborne, 1998: 10). Desta forma o autor argumenta que os gregos inventaram um passado para referendar sua ancestralidade, pertencimento a grupos aristocráticos, posse de territórios... (Idem, 1998: 37). Assim, a criação de uma tradição de oikistas cronologicamente distante dos acontecimentos tinha objetivos de legitimação, portanto, não devem ser lidas como ‘verdades históricas’.

Owen acrescenta que a História e a Arqueologia fornecem quadros diferentes e não complementares para o mesmo fenômeno, a colonização, porque suas escalas de tempo são totalmente diferentes. Diferentemente dos historiadores, a pesquisa dos arqueólogos tem focado os períodos mais recuados dos assentamentos – tais como os períodos proto-colonial e de fundação – e os padrões de assentamento, estudando as evidências dos primeiros contatos e interações entre gregos e população local (Owen, 2005: 7).

Assim, estamos diante de um contexto evidenciado pela pesquisa

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