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CAPÍTULO II Organização, distribuição e institucionalização da

1. A organização institucional da Rede Brasileira de Ensino no Exterior

Exterior (RBEx)

Conforme a apresentação disponível no portal do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Departamento Cultural (DC) do Itamaraty

é importante instrumento da diplomacia brasileira e desempenha uma variedade de atribuições que contribuem para a maior aproximação do Brasil a outras nações. Basicamente, o DC tem por função auxiliar a divulgação, no exterior, da cultura brasileira, e, em particular, da língua portuguesa falada no Brasil. Além disso, ocupa-se do relacionamento do País com as instituições multilaterais de natureza cultural53.

O DC conta com seis departamentos: Divisão de Promoção da Língua

Portuguesa (DPLP), Divisão de Operações de Difusão Cultural (DODC), Divisão de Acordos e Assuntos Multilaterais (DAMC), Divisão de Temas Educacionais

(DCE), Coordenação de Divulgação (DIVULG) e Divisão de Promoção do

Audiovisual (DAV). Dados nossos interesses de pesquisa, concentramo-nos, na

presente tese de doutorado, no estudo da DPLP – denominada, até meados de 2003, Divisão de Programas de Difusão Cultural –, que visa a “orientar, coordenar e executar a política cultural externa do Brasil sob a vertente da difusão da língua

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Disponível em: <http://www.dc.mre.gov.br/outras-noticias/conheca-o-departamento-cultural>. Acesso em: 12 jul. 2009.

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portuguesa e da literatura e cultura brasileiras”54. Segundo o Balanço da política

externa - 2003-2010 (BRASIL, 2011c), a DPLP tem, especificamente, os seguintes

objetivos:

1) Promover o aprendizado da Língua Portuguesa falada no Brasil, mediante a coordenação e o acompanhamento das atividades da Rede Brasileira de Ensino no Exterior, constituída pelos Centros Culturais Brasileiros, Institutos Culturais, Leitorados Brasileiros e Núcleos de Estudos Brasileiros;

2) Difundir a cultura brasileira por meio da divulgação da História e das artes do Brasil, com base na realização de estudos, pesquisas, seminários, mostras, exposições, simpósios, festivais e similares; e

3) Acompanhar a aplicação, nas unidades da Rede Brasileira de Ensino no Exterior credenciadas pelo MEC, dos exames para a obtenção do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (CELPE-Bras).

Conforme explicado no recorte anterior, a DPLP atua por intermédio da

Rede Brasileira de Ensino no Exterior (RBEx). Como já mencionado, tal rede é

atualmente composta, essencialmente, pelos Centros Culturais Brasileiros (CCBs) – anteriormente denominados Centros de Estudos Brasileiros (CEBs) –, Institutos

Culturais Bilaterais (ICs) e leitorados brasileiros em universidades estrangeiras.

Visando à discussão de algumas características dessa organização institucional da DPLP, reunimos, no quadro a seguir, as apresentações de cada uma dessas vertentes de promoção do português, disponíveis no site do Departamento Cultural do Itamaraty55.

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Informações disponíveis em <http://www.dc.mre.gov.br/brasil/page3.asp> em julho de 2008, mas que foram retiradas do ar.

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Quadro 1 - Textos de apresentação dos CCBs, ICs e leitorados Centros Culturais Brasileiros (CCBs)

Os Centros Culturais Brasileiros são instituições diretamente subordinadas ao Chefe da Missão Diplomática ou repartição consular do Brasil em cada país, constituindo o principal instrumento de execução da nossa política cultural no exterior.

Suas atividades estão relacionadas ao ensino sistemático da Língua Portuguesa falada no Brasil; à difusão da Literatura Brasileira; à distribuição de material informativo sobre o Brasil; à organização de exposições de artes visuais e espetáculos teatrais; à co-edição e distribuição de textos de autores nacionais; à difusão de nossa música erudita e popular; à divulgação da cinematografia brasileira; além de outras formas de expressão Cultural Brasileira, como palestras, seminários e outros. [...]

Institutos Culturais Bilaterais (ICs)

Os Institutos Culturais Bilaterais são entidades sem fins lucrativos de direito privado e, embora autônomas, cumprem missão cultural em coordenação com as Missões diplomáticas e consulares da jurisdição em que estão sediadas. [...]

Leitorados

A rede de Leitorados reúne professores especialistas em língua portuguesa, literatura e cultura brasileiras, que atuam em conceituadas universidades estrangeiras, selecionados pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (CAPES/MEC). Atualmente, o Departamento Cultural do Itamaraty coordena e subsidia as atividades de 53 leitorados (eram 40 em 2006 e 45 em 2008) em 36 países (eram 30 em 2006), distribuídos em universidades de reconhecido prestígio. A expansão da rede de leitorados revela o êxito dessa modalidade de promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira, que atinge uma parcela qualitativa das populações locais, no âmbito das comunidades acadêmicas formadoras de opinião.

Adicionalmente, o Departamento Cultural colabora com diversas outras instituições acadêmicas estrangeiras que desenvolvem trabalhos voltados para o estudo de temas brasileiros. Concede, ainda, auxílio financeiro para os Núcleos de Estudos Brasileiros de Austin, Leiden e Berlim. Além de prestar apoio financeiro, o Departamento Cultural procura contribuir para as atividades desenvolvidas, facilitando intercâmbios e doações de material cultural.

[grifos nossos]

Gostaríamos, inicialmente, de destacar que, no site do Itamaraty, os CCBs e os ICs são apresentados por meio de uma estrutura típica de definição, através do uso do verbo “ser”: “X é Y”. Por outro lado, os leitorados não chegam a ser definidos, mas caracterizados através do uso do verbo “reunir”. Uma paráfrase com o uso verbo “ser” (ex: “A rede de Leitorado é uma reunião de professores...”)

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produziria efeitos de sentido bastante diferentes, na medida em que conferiria à rede um maior grau de coesão, como se todos os leitorados fossem subordinados a uma entidade superior. Tal formulação nos dá indícios de que há antes uma relação de subordinação entre cada leitorado e a universidade estrangeira em que ele está sediado do que entre todos os leitorados e o Itamaraty, em que pese o fato de que esse último coordene e subsidie as atividades em questão. Todavia, tal funcionamento institucional não é apresentado transparentemente; ao contrário, há um silenciamento56 importante, perceptível quando colocamos em relação o quadro anterior com a portaria que regulamenta o programa de leitorado desde 2006 (BRASIL, 2006). Ao contrário do que o texto de apresentação dos leitorados anteriormente apresentado pode nos levar a supor, é à universidade estrangeira que compete a decisão final quanto à escolha do leitor, ainda que a CAPES faça uma pré-seleção dos candidatos a partir de seus currículos. Além disso, conforme veremos mais adiante, é a universidade que estabelece o perfil do candidato, podendo inclusive rejeitar os pré-selecionados pela CAPES – caso em que o auxílio financeiro oferecido pelo Itamaraty é cancelado até nova seleção.

Ademais, enquanto os CCBs e os ICs são, respectivamente, definidos como “instituições” e “entidades”, os leitorados são caracterizados como uma “modalidade de promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira” [grifo nosso]. A distinção entre as designações “instituições”, “entidades” e “modalidades” parece apontar para um desnível na organização institucional da DPLP. Conforme explicitado no Quadro 1, os CCBs são considerados “o principal instrumento de execução da nossa política cultural no exterior”. Os ICs, por sua vez, desempenham, aos olhos do Itamaraty, um papel menor em termos em termos de “projeção internacional da variante brasileira do português” do que os CCBs e os leitorados, conforme o recorte abaixo, referente ao Balanço da política

externa (2003 – 2010):

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Como um princípio metodológico essencial para nosso percurso analítico, procuramos trabalhar a relação entre o dito e o não-dito, considerando que a incompletude é estruturante no funcionamento da linguagem e que o silêncio é a própria condição do significar (ORLANDI, 2002a).

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A criação da Divisão de Promoção da Língua Portuguesa decorreu da percepção de que a ativação dos instrumentos públicos de

promoção do idioma, em particular dos CCBs e dos Leitorados, teria efeitos positivos na projeção internacional da

variante brasileira do Português (BRASIL, 2011c) [grifo nosso].

Ainda que os CCBs sejam considerados “o principal instrumento público de promoção da variante brasileira da Língua Portuguesa” (ibidem), é importante atentar para o fato de que os leitorados, conforme definição apresentada no quadro 1, atingem “uma parcela qualitativa das populações locais, no âmbito das comunidades acadêmicas formadoras de opinião” [grifos nossos]. Estão, portanto, voltados, essencialmente, para o público universitário, e não para as comunidades locais de uma maneira mais geral – como é o caso dos CCBs e dos ICs. Em outras palavras, embora represente, quantitativamente, uma parcela pequena, esse público acadêmico é significado como qualitativamente importante, por, supostamente, ser “formador de opinião”. Efeito de sentido semelhante é produzido no seguinte recorte:

Por funcionarem junto a universidades e a instituições governamentais estrangeiras, os Leitores interagem com

segmentos qualificados da sociedade local, o que contribui

para uma divulgação mais eficaz dos diversos aspectos da realidade brasileira (BRASIL, 2011c) [grifos nossos].

Ainda em relação ao escopo das atividades dos CCBs, ICs e leitorados, gostaríamos de colocar em relação dois recortes abaixo: o primeiro foi delimitado em uma mensagem de 29 de março de 2005, referente a uma proposta de criação de um leitorado na Universidade de Berna (Suíça), escrita pela Embaixadora Celina Assumpção à DPLP e à Divisão da Europa I (DE I)57; o segundo, em um artigo escrito pela ex-diretora do Centro Cultural Brasil-Chile.

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Tivemos acesso a essa mensagem em nossa visita ao Centro de Documentação Diplomática do Itamaraty, especificamente, através do Intradocs, mencionado na apresentação de nosso corpus de pesquisa. A mensagem em questão é o telegrama n.º 000140.

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Muito agradeço o Desptel [Despacho Telegráfico] 37, cujo teor diz respeito à adoção de medida capaz de representar um divisor de

águas no histórico da atuação desta Embaixada no terreno

cultural: a criação de um Leitorado na Universidade de Berna. Estimo ser importante o potencial não aproveitado de procura de opções de ensino do Português e da literatura brasileira naquela Universidade, e estou certa de que o eventual estabelecimento do Leitorado terá um efeito altamente dinamizador das relações

entre a Embaixada e o meio universitário local, com

dinamização conseqüente da agenda cultural do posto [grifos nossos].

Portanto, a Embaixada, em conjunto com o CEB, constituem os principais instrumentos de promoção oficial da presença cultural

do Brasil no Chile. As prioridades temáticas mudam de acordo

com as oportunidades e circunstâncias, ainda que obedecendo aos critérios sempre presentes de representatividade, qualidade e acessibilidade.

Creio que a difusão da língua e da cultura brasileira na

América Hispânica, via CEBs, é uma tarefa importantíssima e,

portanto um grande desafio. As relações entre as nossas culturas precisam ser cada vez mais uma realidade que uma possibilidade ou um sonho apoiado pela retórica (LOPES, 2008) [grifos nossos].

Embora, no primeiro recorte, um leitorado seja caracterizado como um fator que pode contribuir muito para a atuação da Embaixada Brasileira no que tange à divulgação cultural – o leitorado cuja criação se discutia, naquele momento, é representado, inclusive, como um futuro “divisor de águas” –, considera-se que tal criação seria benéfica para as relações entre a Embaixada e

o meio universitário de Berna. Por outro lado, conforme o segundo recorte, o

campo de atuação do Centro Cultural Brasil-Chile não se limitaria a seu entorno mais imediato – a cidade em que se situa o referido centro –, mas ao próprio Chile. Mais do que isso, os CEBs poderiam atuar na “América hispânica”, espaço de enunciação definido pela unidade (imaginária) construída a partir do espanhol, bem como da diferença em relação ao português, enquanto língua nacional do Brasil. Cabe observar, ainda, que, enquanto, no primeiro recorte, o leitorado assume, em certo sentido, o papel de “prolongamento cultural” da Embaixada,

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capaz de potencializar-lhe as ações, no segundo, o papel do Centro Cultural Brasil-Chile chega, em termos de divulgação cultural, a ser equiparado ao da própria Embaixada brasileira no país (cf. “Portanto, a Embaixada, em conjunto com o CEB, constituem os principais instrumentos de promoção oficial da presença cultural do Brasil no Chile”).

Uma outra diferença entre essas vertentes da política linguística exterior brasileira é sinalizada pelas designações compostas dos CCBs (a exemplo de “Centro Cultural Brasil-Bolívia”, “Centro Cultural Brasil-Haiti” e “Centro Cultural Brasil-México”), bem como de alguns ICs (como “Instituto Cultural Brasil- Colômbia”, “Instituto Cultural Brasil-Venezuela” e “Instituto Cultural Brasil-Itália”), que dão indícios de que esses espaços dizem respeito à relação entre o Estado brasileiro e outros Estados. Por outro lado, de maneira bastante diferente do observado na definição dos CCBs e dos ICs, os leitorados são caracterizados, inicialmente, não pela sua relação com o Estado brasileiro, mas pelos indivíduos que desenvolvem suas atividades e pelo seu local de atuação: “A rede de Leitorados reúne professores especialistas em língua portuguesa, literatura e cultura brasileiras, que atuam em conceituadas universidades estrangeiras” [grifos nossos] (cf. Quadro 1). Não se trata, portanto, de uma relação entre o Estado brasileiro e outros Estados, mas entre um indivíduo – mais precisamente, um cidadão brasileiro – e uma universidade estrangeira58.

Cabe, porém, chamar a atenção para uma importante diferença no funcionamento semântico-discursivo dos nomes Centros Culturais Brasileiros e

Institutos Culturais Bilaterais. Enquanto aquele vincula o centro exclusivamente ao

Brasil, não fazendo alusão alguma a outros países, este produz um efeito de simetria, ao caracterizar os institutos como bilaterais59. Tal diferença aponta para

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Isso não significa que o leitorado não seja significado como um cargo de representação (cultural). Há, entretanto, conforme discutiremos mais adiante, uma polêmica acerca de quem / o que o leitor representa, não sendo consensual a ideia de que ele seja um representante do Estado brasileiro.

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Convém observar, a esse respeito, que, embora a maior parte dos nomes de ICs tenha um funcionamento semântico semelhante ao dos CCBs, alguns o subvertem. Este é o caso dos nomes

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os distintos estatutos jurídicos dos CCBs e dos ICs, que podemos perceber pelas próprias apresentações do quadro 1. Os CCBs são, pois, definidos em função de sua relação de subordinação ao Chefe da Missão Diplomática ou repartição consular do Brasil em cada país, enquanto os ICs são caracterizados como entidades autônomas e de direito privado. Conforme descreve Tiago de Oliveira Pinto (2008), ex-diretor do Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha (ICBRA)60, os ICs, diferentemente dos CEBs, têm seus registros efetuados nos países em que estão sediados, e vinculam-se ao MRE por meio de convênios. Dessa forma, além do vínculo com o Itamaraty, obedecem à legislação institucional do país em que se situam.

Em que pesem essas diferenças entre os CCBs e os ICs, o vínculo desses últimos com o Estado brasileiro está posto, como indica o seguinte enunciado do quadro 1: “embora autônomas, cumprem missão cultural em coordenação com as Missões diplomáticas e consulares da jurisdição em que estão sediadas”. Segundo Guimarães (1987), em um enunciado do tipo "A, embora B", o operador “embora” indica que o locutor, apesar de reconhecer a possibilidade da utilização do argumento B a favor da conclusão r, invalida-o, sinalizando ao alocutário que é o argumento A que irá prevalecer. Prevalece, assim, o argumento que caracteriza os ICs a partir da sua relação com o Estado brasileiro, ainda que se reconheça que se trata de uma relação mais fraca, por serem entidades autônomas.

Por fim, destacamos que apenas três Núcleos de Estudos Brasileiros (NEBs) – a saber, os de Austin (EUA), Leiden (Holanda) e Berlim (Alemanha) – têm recebido recursos do MRE (BRASIL, 2011c), o que sinaliza que essa

que o emprego dos adjetivos “uruguaio” e “equatoriano” em seus nomes, em conjunto com “brasileiro”, produz o efeito de que o instituto em questão não é apenas brasileiro. No caso do ICUB, esse efeito é ainda mais forte, na medida em que o adjetivo “uruguaio” precede “brasileiro”.

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Fundado em 1995, o ICBRA, localizado em Berlim, não é mais uma instituição que integra a

Rede Brasileira de Ensino no Exterior, já que o MRE não renovou o convênio de cooperação com

esse instituto, deixando de pagar as subvenções a partir do dia 1° de janeiro de 2005 (cf. ZILLY & LISBOA, 2004).

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modalidade de difusão do português não é prioritária para o MRE, como também indica uma rápida análise do site do Departamento Cultural do Itamaraty:

Figura 1 – Imagem do site do Departamento Cultural do Itamaraty61

Observamos que, embora apresentados, no Balanço da política

externa (2003-2010) (BRASIL, 2011c), como parte da RBEx, os NEBs não

contam, sequer, com um link específico na seção de “Língua e Cultura” do site do Itamaraty, ao contrário do que ocorre com os CCBs, ICs e leitorados. Trata-se de instituições absolutamente independentes do MRE e de suas Missões

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Imagem do site do Departamento Cultural do Itamaraty, especificamente, da seção “Língua e Literatura”. Disponível em: <http://www.dc.mre.gov.br/lingua-e-literatura>. Acesso em: 12 fev. 2012.

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diplomáticas e consulares, com as quais a DPLP contribui por meio de recursos financeiros, doações de materiais culturais e facilitação de intercâmbios, conforme informações do Quadro 1. Por desempenharem, portanto, um papel muito secundário na política linguística do Itamaraty, os NEBs não serão objeto de nosso estudo.

Uma vez analisados os textos de apresentação da RBEx, traçaremos, a seguir, um panorama de sua história e de sua distribuição pelo mundo.

2. Uma visão panorâmica da história e distribuição dos Centros