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A orientação hermenêutico-fenomenológica

ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

2.1. A orientação hermenêutico-fenomenológica

A orientação metodológica escolhida para este estudo é a hermenêutico- fenomenológica, sobretudo conforme apresentada por Ricouer (2006). A fim de posicionar o leitor sobre a orientação hermenêutico-fenomenológica, serão apresentados, inicialmente, alguns estudos referentes à origem da fenomenologia e alguns de seus principais pensadores representantes e, em seguida, a hermenêutica. A palavra fenomenologia tem origem em duas expressões gregas:

phainomenon, que significa fenômeno, “qualquer fato observável na natureza” (Houasssis, 2004: 338), e logo, significando estudo do fenômeno, conforme aponta Zilles (1994: 124).

O termo fenomenologia foi criado no século XVIII pelo filósofo e matemático alemão Johann H. Lambert (1728-1777), definindo como o estudo puramente descritivo do fenômeno da maneira pela qual este se apresenta à nossa experiência (Japiassu e Marcondes, 2006: 105). Entretanto, foi com Hegel que o termo tornou-se conhecido, na tradição filosófica, como a “ciência da experiência da consciência” (Japiassu e Marcondes, 2006: 105), ou seja, o exame do processo dialético de constituição da consciência desde seu nível mais básico, o sensível, até as formas mais elevadas de si, que levariam finalmente à apreensão do absoluto. A fenomenologia passou a ser uma corrente filosófica inaugurada por E. Husserl e desenvolvida na França e na Alemanha marcando o século XX, constitui- se em uma das principais correntes do pensamento.

Devido à reconhecida falta de clareza de definição por parte de seus fundadores e daqueles que contribuíram para seu enriquecimento, alguns filósofos passaram a adotá-la como uma moda ou um mito. Neste contexto, a descrição do termo feita por Merleau-Ponty parece preencher esse vácuo como a mais completa entre as ideias dessa corrente filosófica, para ele a fenomenologia é apontada como:

[...] o estudo das essências, é uma filosofia que recoloca as essências na existência; uma filosofia para a qual não se pode compreender o homem e o mundo senão a partir de sua facticidade; é uma filosofia transcendental que coloca entre parênteses para se compreender as afirmações da atitude natural e, além disso, a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como é, sem levar em conta a sua gênese psicológica e as explicações causais do cientista. Sendo assim, ela é um constante recomeçar, um problema, ela está sempre em estado de aspiração – desejando alcançar um determinado objetivo (Merleau-Ponty apud Martins,1984: 43).

É possível compreender que a fenomenologia se propõe a descrever a experiência do mundo a partir da visão pessoal, pois o universo da ciência é, em primeira instância, fundamentado nas experiências vivenciadas; sem a visão individual, os símbolos da ciência nada significariam. A fenomenologia não procura explicar nem mesmo analisar as experiências, apenas descrevê-las.

Com base nesse pensamento, pode-se afirmar que a ideia básica da fenomenologia é “de volta às coisas mesmas” (Marcondes, 2004: 258). Assim, busca-se a superação da oposição entre realismo e idealismo, entre sujeito e objeto, a consciência e o mundo. Com isto em mente, “toda consciência é consciência de alguma coisa e esta caracteriza-se exatamente pela intencionalidade de um sujeito que se dirige a um objeto determinado” (Marcondes, 2004: 258).

Nesta visão, a fenomenologia representa a ciência dos fundamentos e das raízes, apresentando-se como uma ciência radical, uma ciência dos fundamentos originários, pois “não é das filosofias que deve partir o impulso de investigação, mas, sim das coisas mesmas”.

Para Merleau-Ponty (apud Martins, 1984), a fenomenologia representa “o estudo das essências”. É uma tentativa de descrição direta de nossa experiência tal como ela é ou como se apresenta, sem levar em conta a sua gênese psicológica e as explicações causais do pesquisador. Assim, a fenomenologia procura descrever, e não explicar nem analisar, pois todo o conhecimento é a partir de uma experiência vivenciada dentro de uma visão particular e pessoal, a qual constitui elementos para o universo da ciência.

De acordo com van Manen (1990), a fenomenologia descreve os fenômenos a partir da experiência de quem os vivencia. A descrição procura desvendar a natureza do fenômeno, que é constituída pela consciência do observador, seja ela real, de forma mensurável, ou imaginária, de ordem subjetiva. A característica predominante da fenomenologia é a ligação com o vivido com a vida no mundo, ou seja: os seres humanos, por meio da observação e participação nos eventos, encontram subsídios para descrever os fenômenos vivenciados naquela experiência humana.

Para Clandini e Connelly (1998), o estudo da experiência humana implica quatro movimentos que seguem em dois pares de direções, tais quais: para dentro, para fora, para frente e para trás. O primeiro par direcional percebe as condições internas de sentimentos, tais como: desejos, reações, disposições, entre outras, considerando sempre as condições do meio ambiente que o circunda. O segundo par direcional considera a transitoriedade temporal dos acontecimentos,

como por exemplo: passado, presente e futuro.

Já a palavra hermenêutica, etimologicamente encontra sua origem no verbo grego “hermēneuein” e no substantivo “hermeneia” geralmente traduzidos por interpretar e interpretação. A palavra já fora encontrada em Platão e em outros filósofos antigos, tais como: Xenofonte, Plutarco e Eurípides (Palmer, 1969).

O termo hermenêutica, segundo Palmer (1969), encontra associação ainda ao nome de Hermes, não sendo possível precisar com certeza se seu nome deu origem à palavra ou vice-versa. Hermes, na mitologia grega, representava um deus, o mensageiro e arauto dos deuses, o deus dos caminhos e das ruas, do comércio, dos oradores, dos pastores e dos ladrões. Também acompanhava as almas pelo caminho para o mundo subterrâneo e guiava os homens para o sono e para o sonho. Ao que parece, o termo originalmente exprimia a compreensão e a exposição de uma comunicação dos deuses, a qual precisava de uma interpretação para ser apreendida corretamente. Ao que tudo indica, a origem da palavra hermenêutica tem como base o processo de trazer para a compreensão interpretando (Palmer, 1969).

A hermenêutica é justamente a arte da interpretação, buscando sempre uma visão de conjunto sobre aquilo que é interpretado. Ao se interpretar algo, buscamos relacionar este algo com um todo mais amplo que lhe dá significado, perspectiva, que produz o chamado círculo hermenêutico: não podemos compreender o todo de um texto ou um acontecimento, por exemplo, desvinculado de suas partes, nem mesmo podemos compreender suas partes sem relacionar ao todo.

A hermenêutica baseia-se na assunção de que a experiência vivida é essencialmente um processo interpretativo e a fenomenologia visa à descrição das experiências vivenciadas pelo ser humano.

O princípio da pesquisa fenomenológica, de acordo com van Manen (1990: 36), são as experiências vivenciadas e, se transformada em materialidade escrita, pode-se compreender a essência do fenômeno.

A união dos princípios, fenomenologia e hermenêutica, segundo o citado autor, objetiva descrever o fenômeno vivenciado pelos participantes da experiência humana e interpretá-lo, proporcionando compreensão com maior profundidade da natureza, da essência e do significado dos fenômenos humanos.

tentativa de enriquecê-la pela descoberta do seu significado, e é hermenêutica também, porque é o estudo interpretativo das expressões e objetivações da experiência vivida no esforço de encontrar o significado nelas expresso (van Manen, 1990).

Abordar algo em uma perspectiva metodológica hermenêutico- fenomenológica é se esforçar para construir uma descrição interpretativa completa dos aspectos envolvidos, estando ciente de que sua complexidade é sempre maior que qualquer significado que possa se revelar.

Creswell (1998) acrescenta ainda que o método hermenêutico- fenomenológico se constitui, basicamente, em uma abordagem descritiva, partindo da premissa de que se pode deixar o fenômeno falar por si, buscando a experiência nela mesma, tal como se mostra e é compreendida. Ou seja, a experiência vivida é o objeto e a própria origem da pesquisa hermenêutico-fenomenológica, e os textos analisados são, não verdade, as próprias experiências humanas. Desta forma, a pesquisa é construída a partir do quadro referencial dos próprios sujeitos, pois para investigar a natureza de dado fenômeno nesta abordagem, o melhor caminho é perguntar pelas experiências vividas por (e para) aqueles que integram o contexto estudado. Neste caso, o papel do pesquisador é o de decifrar o significado da ação humana e não apenas o de descrever comportamentos (van Manen, 1990). Pelos princípios que envolvem a fenomenologia e a hermenêutica, considero a orientação mais adequada para descrever e compreender a implementação do projeto de leitura na perspectiva interdisciplinar envolvendo a gestora-pesquisadora, os professores e alunos do Ensino Fundamental.

Para tanto, revelo que percorri os caminhos do filósofo francês Paul Ricoeur (2006), em sua obra Percurso do Reconhecimento. O autor revela que foi motivado a realizar sua pesquisa por verificar a existência de várias teorias do conhecimento e uma lacuna na teoria do discurso filosófico sobre o reconhecimento. Entretanto, “a palavra reconhecimento na língua francesa envolve uma multiplicidade de unidades lexicais” (Ricoeur, 2006: 9). Em vez de teoria, prefere utilizar Percurso do Reconhecimento como título de sua obra, enfatizando “a persistência da perplexidade inicial que motivou sua pesquisa e que não abole a convicção de ter construído uma polissemia regrada que está a meio caminho da homonímia e da univocidade” (Ricoeur, 2006: 9).

leituras, “ora aparecendo como um diabo inoportuno, ora sendo bem acolhida, até mesmo esperada nos lugares certos” (Ricouer, 2006: 13). Então, dedica-se a buscar significações nos dicionários e, nesse trabalho de polegar, percebe que o termo possui um feixe de 23 significações, assim, organiza a primeira obra sob este título. Dentre esse feixe de significações destaco que os textos desta pesquisa dirigiram meu olhar e me levaram a refletir sobre cinco conceitos, são eles: Reconhecimento-identificação, Reconhecimento-responsabilidade, Reconhecimento dos interesses e conceitos de leitura, Reconhecimento das práticas interdisciplinares de leitura e Reconhecimento-gratidão.

O primeiro, Reconhecimento-identificação, remete à ideia de “conhecer” acrescido do prefixo “re”, “reconhecer” (:17), colocar novamente na mente a história das pessoas e do lugar onde habitamos.

O segundo é o Reconhecimento-responsabilidade. Com base em Bernard Williams, Ricouer (2006) nos ensina que o conceito do Reconhecimento- responsabilidade, filosoficamente, é o reconhecimento do homem que age e sofre as ações, é um homem capaz de certas realizações. “[...] não se cessam de perguntar a si mesmos o que vão fazer, não cessam de chegar a conclusões antes de agir” (Williams, 1993: 34, apud Ricouer, 2006: 88).

O terceiro e o quarto textos são: o Reconhecimento dos interesses e conceitos de leitura e Reconhecimento das práticas interdisciplinares. Estas são as “representações e as práticas sociais enquanto componentes do agir em comum, a esfera das representações que os homens fazem de si mesmos e de seu lugar na sociedade” (: 148), as quais nesta pesquisa estão presentes nos interesses, conceitos e práticas de leitura na perspectiva interdisciplinar. Estas se aproximam da noção de representações coletivas e práticas sociais.

O quinto, Reconhecimento-gratidão, é “ter reconhecimento por, demonstrar reconhecimento” (: 19). Aqui há uma confissão de dívida em relação a alguém, “admissão dirigida a esse alguém, coloca no caminho da gratidão sob a condição de adição da ideia de um movimento de retorno, espontâneo, graciosos, em todos os sentidos da palavra, como se uma dívida fosse restituída” (: 19).

Não se pode negar a polissemia que a palavra oferece nem, tampouco, a amplitude de sentido no campo vasto da filosofia, das ramificações possíveis do termo Reconhecimento; destaco que os textos que emergiram neste estudo me levaram a refletir sobre cinco possibilidades do Percurso do Reconhecimento

(Ricoeur, 2006). Reconhecimento-identificação, Reconhecimento-responsabilidade, Reconhecimento dos conceitos de leitura, Reconhecimento das práticas de leitura na perspectiva interdisciplinar e Reconhecimento-gratidão. Dada uma noção geral sobre a orientação metodológica, adiante situo o campo da pesquisa.