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Capítulo I Introdução

1.2 Compreendendo a família atual

1.2.1 A parentalidade na vida contemporânea

Há de se considerar que a diminuição de filhos por casal desde a década de 80 não foi só reflexo da entrada da mulher no mercado de trabalho, mas fruto de uma grave crise econômica no país, a partir da década de 80, somado à disseminação dos novos referenciais sociais e culturais que passaram a influenciar as vivências familiares e as práticas da parentalidade (Dessen, 2010). É consenso, todavia, analisar que as redefinições quanto ao papel feminino também acarretaram mudanças significativas no papel masculino, e nas funções do pai, alterando profundamente as dinâmicas familiares (Dessen, 2010).

As mães que, em suas infâncias e adolescências, na década de 50 e 60, tiveram uma educação coercitiva, dentro do modelo da família tradicional brasileira, onde o respeito era muitas vezes imposto pelo medo, passaram a questionar o excesso de rigidez, o autoritarismo e o nível de exigência das práticas parentais da geração anterior. Na tentativa de agirem diferentemente de seus pais, passaram a valorizar uma relação de maior diálogo com os filhos (Biasoli-Alves, 2000; Dessen, 2010; Simionato-Tozo & Biasoli-Alves, 1998). No Brasil, estudos desde o final da década de 80 revelavam que não havia mais um modelo de atuação parental no país que agregasse práticas uniformes e, até mesmo, coerentes dentro dos grupos familiares, observando-se muitas vezes atuações contraditórias nas práticas parentais (Caldana, 1998; Simionato-Tozo & Biasoli-Alves, 1998). Observavam-se as influências de um ideário antiautoritário, onde havia espaço para as discussões e questionamentos mas, por outro lado, também se identificavam pais e mães com receio de estabelecerem regras por se

sentirem culpados ao associarem a colocação de limites a comportamentos autoritários e agressivos. Sobre tais contradições e incoerências, Caldana (1998) sugeriu a existência de conflitos, conscientes e inconscientes, ainda não elaborados pelos pais e que os remetiam ao que Salem (1980), Nicolaci-da-Costa (1985) e Figueira (1987) apontaram anteriormente acerca das dificuldades dos pais em conciliar valores e ideais assimilados no espaço intergeracional e aqueles que foram adquiridos nos domínios públicos ao longo da juventude e vida adulta frente às transformações sociais.

Reportando-se à insegurança dos pais quanto às suas práticas em relação à parentalidade, Salles (2005) salienta que a falta de referenciais consistentes repercutiu seriamente em uma confusão de papel, gerando muita ansiedade nas relações dentro dos grupos familiares. Para a autora, só está claro aos genitores que métodos diretivos e coercitivos são duramente repreendidos por especialistas, que cada vez mais supervisionam a vida privada familiar, desautorizando-os e tornando-os hesitantes e dependentes. Esta questão remete à “terceirização das práticas da parentalidade” para especialistas - médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, professores particulares, entre outros. Diante da banalização e da disseminação indiscriminada dos discursos dos “especialistas”, autores destacam que os pais têm se deparado com angústias muitas vezes provocadas pela sensação de não estarem desempenhando “corretamente” a parentalidade (Kamers, 2006; Magalhães, 2009; Simionato- Tozo & Biasoli-Alves, 1998; Vilhena, Bittencourt, Novaes, & Zamora, 2013). Nesse contexto, o excesso de “psicologização” e de “medicalização” das diferentes fases do desenvolvimento tem contribuído para alimentar a ideia de que os filhos devem ser submetidos, desde a mais tenra infância, a inúmeras estimulações, treinamentos e prescrições, havendo, na crítica de Vilhena, Bittencourt, Novaes e Zamora (2013), uma supervalorização do “fazer” em detrimento do “ser” e do “estar junto”. Intrínsecos aos investimentos parentais dessa ordem, é comum identificar altas expectativas, em relação ao futuro dos filhos, relacionadas ao máximo rendimento e à performance ideal.

Ainda refletindo sobre a “terceirização das práticas da parentalidade” e sua repercussão sobre o desenvolvimento emocional dos filhos, Birman (2008) analisa que, com o ingresso da mulher no mercado de trabalho e o não preenchimento pelos pais da lacuna deixada nos cuidados parentais, as crianças cada vez mais precocemente são deixadas com babás ou em creches e escolas maternais, o que tem influenciado os processos de construção da subjetividade. Se por um lado pode haver um enriquecimento nos laços sociais da criança e do adolescente em virtude de seu maior contato com outros contextos, em contrapartida, o menor investimento emocional dos pais em relação às práticas da parentalidade na primeira

infância, tem contribuído para serem despertados sentimentos de insegurança nos filhos e dificuldades em relação à autoestima (Birman, 2008). O autor destaca que a família atual espera cada vez mais que o sistema escolar assuma e se responsabilize pelos processos de socialização primária e secundária de crianças e adolescentes.

Zornig (2010) propõe, então, a seguinte discussão: se na vida pós-moderna a parentalidade deixou de ser o principal objetivo da família, o que sustenta nos dias atuais o desejo de muitos homens e mulheres de serem pais? Uma resposta possível para esta questão deve considerar que, diante da derrocada de referenciais simbólicos outrora tão estáveis, tonar-se pai e tornar-se mãe, assim como marido e mulher, dependem hoje muito mais da história de vida de cada um dos envolvidos e da lógica de seus desejos do que propriamente de um modelo de família a ser seguido, afinal o que caracteriza a família pós-moderna é justamente a ausência de um modelo dominante (Zornig, 2010).

No contexto português, Nascimento (2007) analisa que o investimento na parentalidade mantém relação não só com a preservação da cultura e da ordem social familiar mas, sobretudo, com o significado que este projeto ainda mantém para a história biográfica de cada pessoa. A autora aponta que diante da extrema instabilidade do atual mundo do trabalho, é na experiência da parentalidade que o homem contemporâneo ainda parece encontrar algum conforto, segurança e mesmo sensações de controle, que tanto tem faltado em suas relações com o trabalho. Assim, embora existam cada vez mais situações que interferem na experiência da parentalidade, a autora considera que “ser pai/mãe é um projeto para toda a vida e é, para além do mais, um projeto de continuidade de si próprio” (Nascimento, 2007, p. 685).

Diante da decisão de se investir na parentalidade, embora os pais não possam mais contar com um modelo único que oriente suas práticas na promoção do desenvolvimento de seus filhos (Barreto & Aiello-Vaisberg, 2010), observa-se que muitos são os autores da atualidade que defendem a importância que o núcleo familiar mantém sobre o desenvolvimento psíquico dos indivíduos e como principal grupo de referência nos processos da transmissão geracional e da socialização (Cerveny & Berthoud, 2009; Chaves, 2006/2010; Hintz, 2007; Magalhães & Féres-Carneiro, 2004; Romanelli, 2003, 2004; Zornig, 2009, 2010). Assim, embora esteja ocorrendo uma transformação em termos de valores e condutas, Cerveny e Berthoud (2009) analisam que, de modo geral, as principais metas parentais continuam sendo as mesmas, ainda que através de diferentes meios: cuidar e educar seus filhos para que tenham uma vida profissional e familiar estáveis.

Considerando que este estudo focaliza a vivência dos pais em relação às trajetórias dos filhos após a conclusão do Ensino Médio, é conveniente aprofundar a reflexão sobre as dinâmicas atuais envolvidas na transição dos filhos para a vida adulta e como os pais têm participado das mudanças que permeiam tais processos.