• Nenhum resultado encontrado

A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA E DA COMUNIDADE NA CONCRETIZAÇÃO

A instituição escolar é uma instituição em constante movimento e estar integrado a ela significa estar sujeito a esse movimento que concebe Freire (1980) como sendo aquele que promove a ação interativa e a troca constante entre os atores que dela fazem parte.

Sobre o movimento, Pernambuco e Paiva (2013, p. 97) fazem a seguinte reflexão:

O movimento, fundamento das práticas corporais sistematizadas e não sistematizadas, é por natureza relacional. O sujeito está via movimento, em permanente contato com o outro e com o mundo. A partir do movimento aprendido espontaneamente, por meio da imagem ou ideias, ou ainda construído pela criatividade, o sujeito interpreta e “lê” o mundo.

Nessa ótica, o espaço escolar é o local onde se dão as relações entre os sujeitos num intenso movimento que provoca ações e reações. Esse sujeito, em suas práticas corporais, relaciona-se, atua sobre o outro e com o outro em um movimento que não se finda. É neste movimento que a escola se faz e se transforma.

Gadotti (apud MOSÉ, 2015, p. 157) afirma: “A escola não é um espaço físico, não é um prédio, é um conjunto de relações sociais e humanas [...], ela pode circular esse conjunto num prédio, mas ter ou não ter um prédio não é importante. É ter ou não ter um projeto, isso é que é

importante.” A afirmação do autor, relacionada ao espaço escolar investigado, evidencia, de

certa forma, o momento pelo qual estava passando o grupo de professoras: “[...] a escola encontrava-se em obras [...], seguidamente, tínhamos que ‘levantar acampamento’ e mudar para outras salas, pois os trabalhadores tinham que fazer pinturas e ou acabamentos, assim

andávamos de um lado para o outro e em meio a toda esta ‘confusão’ estudávamos diversos autores, [...] líamos muito, [...].” (Professora, Gardênia). Relembra ainda a mesma, em outro trecho de seu relato, “tudo o que foi realizado, nesta época, foi em meio a cimento, tijolos e pedreiros, pois estávamos em meio à obra do prédio, em plena construção, o que perdurou por quase meio ano.”

O fato é que a escola se encontrar em obras, em um prédio inacabado, com vários problemas na infraestrutura, não foi impeditivo para que o grupo de professoras desse início à elaboração do projeto de constituição da escola de educação integral. Apesar de o espaço físico ter causado dificuldades para o grupo, naquele momento, o importante era ter o projeto para essa nova escola.

Há de se considerar, também, a escola como um palco onde contracenam muitos atores, ora protagonistas, ora coadjuvantes, mas todos em busca do conhecimento, da aprendizagem, do saber e do saber-se indivíduo, parte integrante de todo o cenário. Entender que dessa história infinita de movimentação participam as famílias, a comunidade e a sociedade é parte disso.

Freire (apud LIMONTA, 2013, p. 248), ao abordar a aproximação entre família e escola, destaca que:

A escola não é casa, não é família, não é prolongamento nem da casa e nem da família. A escola é espaço público entre profissionais que exercitam e constroem seu modelo de autoridade com os outros modelos de autoridade, modelo de educando, modelo de grupo, modelo de faxineira, modelo de pessoal administrativo, modelo de coordenadora, modelo de diretor.

Sendo a escola um espaço de construção constante de papéis entre seus atores e funções diversas exercidas a partir das necessidades que se apresentam, pode-se entender que, embora o grupo de professoras investigado buscasse a participação de todos na construção do projeto e a corresponsabilidade pela educação integral das crianças nesse cenário, a família deveria ter seu papel bem definido. Esse papel compreende deveres e direitos a cumprir e a exercer como, por exemplo, o acompanhamento ativo do processo educacional de seus filhos, como se verifica no relato da professora Flora: “É fundamental que os pais acompanhem a aprendizagem das crianças, pois as dificuldades de aprendizagem estão intimamente relacionadas a esta experiência de educação integral.”

Gadotti (apud MOSÉ, 2015, p. 153) ressalta que: “[...] tem que participar, e não pegar o

filho, jogar na escola e dizer: ‘agora, tome que o filho é teu e faça, ensine o que você quiser.’ Não.” É dado que quando a família acompanha a educação das crianças seus resultados tendem

a ser melhores do que quando, simplesmente, deixam toda a responsabilidade para a escola.

Na visão das participantes da pesquisa, a comunidade do entorno da escola, incluindo todos que participavam direta ou indiretamente do processo educacional, deveria ter seu papel na constituição da escola de educação integral, como conta a professora Gardênia: “Fazíamos nossas reuniões na Associação de Moradores do bairro, pois não tínhamos locais adequados.” Também as professoras Açucena e Begônia comentam: “As crianças utilizavam a quadra da Associação de Moradores para fazerem as atividades de pátio, a recreação. As festas da escola eram no salão da Igreja.” Ou ainda, a professora Dália relembra que: “O Conselho Escolar participava da elaboração e discussão do projeto pedagógico [...]; as famílias reclamavam muito da situação precária da escola e seguidamente procuravam a secretaria de educação para buscar alternativas para os problemas.” A professora Flora, relata que: “Até a Câmara de vereadores foi procurada pelas famílias para denunciar a situação da escola.”

Nesse contexto, a comunidade pode ser definida como uma extensão da escola, já que nesta não havia os espaços físicos adequados para que se implementasse a educação em tempo integral. Tendo ciência das problemáticas de infraestrutura, ofertava seus espaços como quadras, praças, salões para que se desenvolvessem as atividades do turno inverso e, também, festividades e reuniões. Esse trabalho de parceria era a forma de contribuição e apoio à constituição da escola que tanto haviam solicitado.

Um outro aspecto sobre a comunidade era a participação, via representação das famílias no Conselho Escolar da escola, no processo de resolução dos problemas de infraestrutura, de espaço físico, limpeza e manutenção dos espaços físicos. Também atuavam na organização de eventos festivos para angariar verba para a escola e na elaboração do PPP, incluindo a busca de alternativas junto aos órgãos competentes do município.

Pilar (apud MOSÉ, 2015) define que a comunidade no processo escolar é aquela que exerce sua participação naquele bem público, naquele espaço público, que vai dar o sentido do comprometimento. Isto é, deve estar presente, auxiliar na resolução dos problemas da escola, dar sugestões manifestando seu entendimento sobre os aspectos funcionais e pedagógicos e cobrar, quando a organização funcional, estrutural e pedagógica não está de acordo, participando da gestão escolar.

A escola que se faz por meio das pessoas que lá estão, envolvidas e ao mesmo tempo envolvendo, construindo e ao mesmo tempo sendo construídas por um universo cultural e social não é senão a própria família, a própria comunidade, os próprios professores e alunos, que definem dia após dia as características desse espaço, como a mistura de muitos rostos, num fazer e refazer eterno de saberes e aprenderes. E é a esse movimento que me refiro nessa narrativa, um movimento que segundo Freire (1999, p. 78-79): “É sustentado pela relação dialógica, e pela problematização da realidade imediata, que promove o fazer coletivo e significativo para as pessoas envolvidas.”

Limonta et al. (2013, p. 49) explicam: “A escola de tempo integral é um projeto político que está se confundindo com o assistencialismo, em resposta às demandas sociais.”, “a escola de tempo integral não pode ter como objetivo primeiro tirar as crianças das ruas, isto é

assistencialismo [...].” Nesse sentido, a escola investigada pretendia não promover uma

educação assistencialista, o que pode ser constatatado na forma com que o grupo conduzia as ações para constituição da escola, no modo como pensavam a formação do aluno e a participação da comunidade na constituição da escola.

Quando as pessoas envolvidas no projeto de constituição da escola trazem como elementos em seus depoimentos a participação efetiva das famílias na corresponsabilidade com a educação das crianças evidenciam tal posição, como refere a professora Gardênia: “As famílias têm que participar da vida escolar de seus filhos, vir às reuniões, nos conselhos de classe, especialmente daqueles que têm dificuldades [...].A educação integral, além de facilitar o convívio fortalece os laços de confiança entre família e escola.” (Professora Dália) As professoras procuravam, por meio do compromisso com a educação das crianças e a formação integral das mesmas promover um ambiente de participação coletiva e não de assistencialismo.

Segundo Limonta et al. (2013, p. 49), o papel da educação integral “é a superação das desigualdades sociais, bem como possibilitar aos alunos acesso a um capital cultural com vistas a fazer diferença nos processos de inserção social.” Nessa ótica, as docentes estavam caminhando, conforme seus relatos, na direção de instituir uma escola diferente, e só o fato de ser de educação integral já a tornava diferente aos olhos daqueles profissionais, que nunca haviam trabalhado com esse tipo de escola. Na visão das professoras: “A escola deveria pensar em como atender esta clientela nesta nova proposta e com qualidade, já que pensávamos na educação integral das crianças.” (Professora Açucena); O mesmo pode se dizer da ideia da

participante Begônia, “[...] organizar o currículo com atividades diversificadas, nessa realidade de turno integral.”

Dessa maneira, ao ir constituindo essa escola, ao chamar a comunidade para ajudar a planejá-la conjuntamente, a escola estava fazendo o caminho inverso no que se refere ao respeito, à conquista das famílias, se abrindo às relações e às ideias daquelas pessoas que acompanhariam diariamente seus fazeres. Um trabalho transparente gera confiança e respeitabilidade.

6.3 O RECONHECIMENTO DO TRABALHO DESENVOLVIDO NA ESCOLA PELA