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O começo dessa história se deu bem antes da escola existir fisicamente, com sua idealização na cabeça de uma ou de muitas pessoas e por meio da participação efetiva da associação de moradores, que se materializou em um abaixo-assinado encaminhado à prefeitura

municipal, solicitando uma escola no bairro. A comunidade solicitava uma escola porque não havia nenhuma instituição escolar nas proximidades.

Ao se desenhar a ideia da escola, já se delineava algo diferente das outras em sua estrutura funcional e pedagógica porque deveria atender duas modalidades de ensino, Educação infantil e Ensino fundamental, além de ser de turno integral. A justificativa era de que se fosse uma instituição que atendesse só a Educação infantil, não contemplaria a demanda do bairro, e a jornada estendida já era uma realidade para esta modalidade de ensino no município. A comunidade reivindicava, então, que a nova escola atendesse as duas modalidades e estendesse a jornada do tempo para todos os alunos. Segundo a comunidade, os pais não tinham como vir buscar um filho e deixar o outro; o bairro é distante da cidade, e a maioria das famílias trabalha em outros municípios.

Nesse contexto, como relata a professora Flora: “[...] toda a semana, a presidente da Associação de Moradores do bairro ia até à Secretaria Municipal de Educação (SMEE), com uma nova lista de abaixo-assinado, solicitando uma escola no bairro.” Percebe-se que a escola era algo importante para aquele local e que, de alguma forma, todos os moradores se envolviam na busca daquele ideal comunitário.

Como todo o começo, houve dificuldades para a criação desta escola. Durante o período de sua constituição, muitos problemas e muitas conquistas foram se manifestando. Uma trajetória que, pode-se dizer, foi percorrida em meio a erros e acertos, com muitos sonhos e muito trabalho de todas as pessoas envolvidas no processo.

Falar dessa escola é falar de uma construção coletiva, idealizada e concretizada pelo grupo de professoras naquele momento. Uma construção coletiva que pode ser entendida, na perspectiva de Nascimento (2011, p. 150), como uma situação em que “os conhecimentos sistematizados nas situações coletivas permitem aos sujeitos reelaborarem seus registros reflexivos individuais em dimensões cada vez mais apuradas.” Assim, aquele grupo, de modo coletivo, envolvia-se na produção de conhecimentos ao mesmo tempo em que refletia sobre suas ideias e posicionamentos em relação ao que estavam vivendo.

Pretende-se que, ao ir narrando essa história com essas pessoas, seja possível visualizar, em seus relatos, a caminhada de construção coletiva, do espaço estético, estrutural, pedagógico e comportamental que se observa hoje. Contar a história da escola de educação integral é,

também, dizer um pouco de cada um que compôs e compõe o contexto histórico apresentado nessa narrativa.

A história se desenrola em um bairro de periferia de um município no Rio Grande do Sul, considerado um local predominantemente residencial em que, praticamente, não existe comércio como lojas, supermercados, restaurantes, bares. Isso faz com que os moradores precisem se deslocar ao centro da cidade para terem acesso a esses serviços.

No ano 2000, os moradores iniciaram um movimento de mobilização indo à Prefeitura com a solicitação de criação de uma escola de turno integral no local. Segundo eles, as crianças necessitavam utilizar transporte para se deslocarem para outros bairros para estudar. Então, “[...] a comunidade organizava abaixo-assinados solicitando uma escola no bairro por meio da associação de moradores.” (Professora Flora).

Essa solicitação viabilizou a existência da escola a partir da doação do terreno pelo município e a consequente construção do prédio. Por ser um local distante e com pouca circulação de transportes coletivos, os moradores queriam que a escola atendesse crianças de zero a cinco anos e, também, de seis a doze anos. Isso resultou numa estrutura escolar de atendimento à educação infantil e aos anos iniciais do ensino fundamental, com turmas do primeiro ao quinto ano.

As informações sobre o bairro apareceram na pesquisa antropológica realizada pelo grupo de professoras, com o intuito de conhecer a realidade para elaborar um planejamento adequado àquela comunidade. Para tanto:

[...] pensávamos de que formas poderíamos atender e organizar a nova escola de maneira a atender esta clientela nesta nova proposta com qualidade, [...] realizamos a pesquisa antropológica para conhecer a realidade da comunidade inserida no nosso contexto escolar. (Professora Açucena).

O relato revela que havia uma preocupação do grupo de professores no sentido de conhecer aquela clientela, aquele local, e de propor algo que atendesse às suas necessidades com qualidade. Não existia uma ideia formada sobre o bairro e a comunidade, e os professores estavam empenhados em traçar um perfil daquela realidade. O fato de a escola estar situada naquele local não lhes provocava prévias impressões, pois a preocupação era com o novo formato de escola e de como esta se relacionaria com aquela comunidade.

Assim, o empenho se traduzia em ações concretas no sentido de avançar no desenvolvimento do projeto de constituição da escola visando a participação da comunidade que lutava por aquele espaço educacional há bastante tempo por meio de ações que envolviam

“[...] muito diálogo e reuniões com professores e comunidade escolar para que chegássemos

num consenso [...] de metodologia de trabalho para a escola.” (Professora Camélia). “[...] Queríamos conhecer a realidade da comunidade inserida em nosso contexto.” (Professora Açucena).

De acordo com Grossi (apud CORTEZE, 2012, p. 6), a “Pesquisa Sócio-Antropológica é um processo no qual a comunidade participa na análise de sua própria realidade, com vistas a

promover uma transformação social, em benefício dos participantes.” Portanto, é uma atividade

de pesquisa educacional orientada para a ação. É um processo no qual todos os envolvidos, ao participarem, unem-se na intenção de conhecer e transformar o conhecido, ressignificando-o, ou de conhecer o que ainda não se tem conhecimento para assim compreendê-lo no contexto.

A professora Açucena relata que “a escola tinha por objetivo promover um projeto que atendesse a comunidade e provocasse as transformações necessárias com relação à organização física, estrutural e pedagógica do quadro funcional, mas para isso precisava conhecer a realidade dos alunos.” As mudanças a que se refere devem permear o fazer diário do docente. Nesse sentido, Freire (1980a) salienta que a professora tem duas opções: ou adere à mudança de sentido verdadeira, do ser mais, ou pode ficar à revelia da permanência na situação em que está, à margem da história porque não lhe tomou as rédeas, sem manifestar-se, inerte ao que acontece.

As transformações na forma de pensar a aprendizagem e o ensino na educação e da metodologia do trabalho didático pedagógico escolar eram necessárias para que se constituísse uma escola diferente, na qual a qualidade no atendimento aos alunos fosse prioridade, e os professores repensassem suas práticas pedagógicas.