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2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

2.4 A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA GESTÃO PÚBLICA

O processo de participação da sociedade civil brasileira junto ao poder público se vincula a variados fatores, entre eles o Estado, representado por sua estrutura organizacional, e os partidos políticos, como interlocutores tradicionais entre a sociedade civil e o Estado. Nestes dois casos, o distanciamento entre estes

atores na arena política e a insatisfação dos cidadãos com a política partidária indicam que a função mediadora dos partidos tem apresentado falhas (DAGNINO, 2002).

De acordo com Oliveira, Catapan e Vicentin (2015), a primeira forma de acesso e participação dos cidadãos brasileiros na gestão da res-pública é o voto, seguido pelo controle social. Porém os autores concluíram que a participação dos cidadãos ainda não acontece de maneira efetiva, o que foi corroborado por meio de estudo que verificou elevados índices de votos brancos e nulos, além de abstenções nas eleições de 2008, 2010, 2012 e 2014. Este cenário pode ser um dos indicativos da crise da democracia representativa, pois os interesses dos eleitores não estariam sendo considerados e não estariam conectados com os interesses dos representantes eleitos (KIERECZ, 2016). Desta forma, "[...] o sistema eleitoral da

democracia representativa, por si só, não é capaz de garantir o interesse do povo, o interesse geral." (KIERECZ, 2016, p.368).

Por outro lado, este contexto pode ser um dos responsáveis pelo despertar do interesse, por parte da sociedade civil, pela participação cada vez maior em defesa de suas demandas e interesses. Esta participação está sustentada na ampliação do conceito de cidadania, na universalização dos direitos e num novo entendimento sobre o caráter do Estado, o qual deve considerar o debate público para a definição das políticas públicas (GOHN, 2004). Assim, a democracia participativa, além de necessária e legítima nos espaços públicos de deliberação, se fortalece por envolver a representação de causas e ideias, contribuindo para o estreitamento da relação entre sociedade civil e poder público (BUVINICH, 2014).

A atual gestão pública brasileira é reflexo das transformações, lutas e conquistas suscitadas pela redemocratização e amparadas pela CF/1988. Uma das inovações incorporadas pela Constituição Cidadã, como também é conhecida a CF/1988, foi a participação direta dos cidadãos no exercício do poder, consolidando um quadro múltiplo de instituições de democracia participativa, objetivando a inserção da sociedade civil na deliberação das políticas públicas (DIEGUES, 2013; AVRITZER; RAMOS, 2016; PEREIRA et al., 2016). Nos artigos 29, 194, 198, 204, 206 e 227 da CF/1988 aparecem as previsões envolvendo a democracia participativa fundamentada na relação entre os direitos sociais e a participação do cidadão (VILELA, 2005), cujas temáticas envolvidas são explicitadas no Quadro 4:

Quadro 4 - Artigos da CF/1988 com previsões participacionistas

Artigo 29 Previsão de cooperação das associações representativas no planejamento local ou municipal

Artigo 194 Relacionado à seguridade social, estabelece o caráter democrático da administração

com gestão quadripartite

Artigo 198 A previsão volta-se para ações e serviços públicos de saúde, definidos por meio da

participação da comunidade

Artigo 204 As ações governamentais na área de assistência social serão pautadas e organizadas

nas definições (formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis) obtidas pela participação popular

Artigo 206 Estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, tendo

como um de seus princípios a gestão democrática do ensino público, na forma da lei

Artigo 227 Versando sobre o dever da família, da sociedade e do Estado na garantia dos direitos

das crianças e dos adolescentes, o artigo admite a participação de entidades não governamentais por meio de políticas específicas e com preceitos pré-estabelecidos na CF/1988 nos programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem

Fonte: elaboração própria com base em BRASIL (1988) e VILELA (2005).

As propostas da democracia participativa objetivam a distribuição dos recursos cujas prioridades estão relacionadas às necessidades sociais e não apenas aos cálculos econômicos originários da necessidade de lucro do mercado. Não se trata apenas de ocupar espaços físicos, mas de mudar os valores e os referenciais que norteiam o planejamento e o exercício das práticas democráticas, promovendo a inclusão social inclusive de grupos até então marginalizados dos processos de tomada de decisão (GOHN, 2004). Desta forma, a democracia participativa está vinculada à cidadania ativa, à participação da sociedade civil no interior do Estado, o que foi possibilitado pela ampliação do número de espaços, com diferentes formatos, para a participação cidadã (GOHN, 2016).

De acordo com Kissler e Heidemann (2006), institucionalmente, existem diferentes pontos de partida para uma reestruturação das relações do Estado com os atores da sociedade civil (individuais ou coletivos), além de organizações privadas com ou sem fins lucrativos. Entre estes espaços estão: conselhos e comissões de políticas públicas, fóruns interconselhos, ouvidorias, conferências, audiências públicas, consultas públicas, mesas de diálogos, mesa de monitoramento das demandas e, ambiente virtual de participação social (KISSLER; HEIDEMANN, 2006; COZZOLINO; IRVING, 2015; GOHN, 2016). Portanto, as instituições participativas são compreendidas como "formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas" (AVRITZER, 2008, p.45).

As Constituições Estaduais e as Leis Municipais Orgânicas também tratam a participação da sociedade civil nas variadas áreas de políticas sociais. Mais especificamente na gestão municipal, existe a previsão da participação direta do cidadão, ou usuário dos serviços públicos, no planejamento, recebendo destaque as audiências públicas, os conselhos gestores de políticas e o orçamento participativo. Trata-se da participação de grupos sociais ou do cidadão comum em termos qualitativos e não apenas quantitativos. Por isso, a necessidade de estar ao alcance de segmentos diferenciados, representativos das demandas sociais e das carências socioeconômicas (GOHN, 2004).

Cozzolino e Irving (2015) alertam que a efetividade dos processos de participação social depende, entre variados aspectos, da capacitação e formação política dos atores envolvidos, procurando evitar que o processo deliberativo nas instituições de democracia participativa não se caracterize por apenas referendar decisões já tomadas em outras esferas.

Na direção das considerações expostas até o momento, apresenta-se uma nova abordagem para a gestão pública buscando superar, ou ao menos minimizar, as limitações apresentadas pelo Estado no que se refere à dimensão sociopolítica de governo. O próximo capítulo traz informações e características sobre a perspectiva da Governança Societal, uma possibilidade de gestão baseada na interlocução entre Estado, sociedade civil e mercado, com foco no avanço da democracia e do desenvolvimento social.