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3 GOVERNANÇA SOCIETAL: UMA NOVA ABORDAGEM DE GESTÃO

3.2 OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA

No Brasil, os conselhos gestores de políticas públicas apresentam-se como experiências com forte potencial democrático. Acontecem em arenas de discussão onde é possível exercer o controle social sobre o Estado, participar das decisões políticas e conformação da agenda decisória abordando problemas e demandando novos direitos por parte do cidadão e de grupos sociais, possibilitando concretizar inserções na agenda política do Estado (MARTINS et al., 2008; KLEBA; ZAMPIROM; COMERLATTO, 2015; GOHN, 2016).

Os conselhos gestores são instituições de controle não correcionais, ou seja, não possuem recursos coercitivos respaldados legalmente para aplicar sanções, isto é, não lhes é permitido sancionar, com rigor, os agentes do governo ou os próprios conselheiros, uma vez que estes são corresponsáveis por desvios que por ventura aconteçam. No entanto, podem agir corretivamente a partir de resultados e sobre as políticas (GOMES, 2015).

Essas características dos conselhos gestores podem ser garantidas por meio da definição das funções/competências/atribuições, neste estudo assumidas como palavras sinônimas, estabelecidas em legislações de criação e regimentos internos, na forma de composição da estrutura organizacional, bem como nas condutas de cada conselho. Assim, estudar a institucionalização, a representação, as competências e o resultado da fusão destas características é fundamental para analisar como tem sido concretizado o funcionamento dos conselhos gestores, o que já está ocorrendo a contento e o que ainda necessita de atenção para que estas instituições cumpram seu papel, conforme proposto pela legislação e almejado pela sociedade.

Serão adotados os seguintes entendimentos para esta pesquisa:

 Institucionalização – formalização das regras de funcionamento dos conselhos;

 Representação – forma de composição ou definição de conselheiros; proporção entre a representação governamental e não governamental;

 Competências - capacidades ou funções conselheiristas; se referem às funções instituídas dos conselhos: consultiva, deliberativa, fiscalizadora, controladora, normatizadora.

Na arquitetura da participação brasileira os conselhos gestores de políticas públicas podem ser constituídos pelo cidadão comum, pela sociedade organizada, e pelo poder público, sendo vinculados a diversas áreas públicas e temáticas transversais. A rápida regulamentação pela legislação auxiliou o aumento significativo do número de conselhos gestores nos municípios do país, estando alguns conselhos presentes em quase todos os municípios brasileiros (BUVINICH, 2014; DAGNINO; TEIXEIRA, 2014; GOMES, 2015; KLEBA; COMERLATTO; FROZZA, 2015; GOHN, 2016; PEREIRA et al., 2016). Os conselhos gestores de políticas públicas são definidos aqui como:

[...] espaços públicos vinculados a órgãos do Poder Executivo, tendo por finalidade permitir a participação da sociedade na definição de prioridades para a agenda política, bem como na formulação, no acompanhamento e no controle das políticas públicas. (IPEA, 2013, p.9).

Localmente, Curitiba adota, no Artigo 4º, Inciso III, da sua Lei Orgânica Municipal, como objetivos fundamentais e diretrizes do município, a garantia da participação popular nas decisões governamentais. Ainda prevê no Artigo 79, "caput" e parágrafo único, que a criação de conselhos municipais nas diversas áreas atenderá os princípios da democracia participativa, e contará com representantes populares dos usuários dos serviços públicos (CMC, 2011, p.37).

A participação da sociedade civil precisa ter caráter deliberativo nos conselhos gestores. Desta forma, a participação deliberativa permitirá que estas instituições possam ter a prerrogativa de intervir em assuntos de interesses coletivos nas suas áreas de atuação, inclusive com a possibilidade de articulação com outros conselhos no caso de políticas intersetoriais. A vantagem desta articulação entre as políticas é a possibilidade do enfrentamento de problemas complexos de uma maneira integrada na Administração Pública (MARTINS et al., 2008).

Os conselhos gestores de políticas públicas têm sido considerados um dos principais canais de participação popular. Embora possam ser encontrados nas três

esferas de governo e integrem-se a órgãos públicos vinculados ao poder executivo, não apresentam um padrão de funcionamento. Em algumas temáticas ou setores são obrigatórios para o repasse de recursos federais e estaduais, possuindo funções diversificadas para as políticas públicas. As variações entre os conselhos podem ocorrer, também, decorrentes do perfil das organizações da sociedade civil atuantes nestes canais, e de como está previsto o equilíbrio entre as representações governamentais e não governamentais (paritário, bipartite, tripartite, etc.). São justamente as distinções entre eles que favorecem a análise dos indicadores de participação e mobilização da sociedade civil (SANTOS JR.; RIBEIRO; AZEVEDO, 2004; AVRITZER, 2008; DIEGUES, 2013; BUVINICH, 2014; DAGNINO; TEIXEIRA, 2014; ALMEIDA; CAYRES; TATAGIBA, 2015; GOMES, 2015; LÜCHMANN; ALMEIDA; GIMENES, 2016; GOHN, 2016; SABIONI et al., 2016).

A composição dos conselhos, enquanto órgãos colegiados institucionalizados, tem recebido destaque, pois é uma valiosa oportunidade de inclusão política, de discussão e definição de políticas públicas. Embora possibilitem a participação de diversos atores, os conselhos gestores incorporam, oficialmente, um número reduzido de representantes. Além disso, os conselheiros geralmente são designados democraticamente, sendo que, para cada conselheiro representante do Estado, preconiza-se um representante da sociedade civil, no mínimo (AVRITZER, 2008; DAGNINO; TEIXEIRA, 2014; ALMEIDA; CAYRES; TATAGIBA, 2015; GOMES, 2015). Contudo, há exceções à regra da paridade, como por exemplo, no caso dos conselhos de saúde que são compostos considerando a paridade de 50% de entidades de usuários, 25% de entidades de trabalhadores, 12,5% de gestores e 12,5% de prestadores de serviços na área da saúde (CURITIBA, 2018).

Avritzer (2008) destaca que, para evitar que o conselho gestor torne-se ineficaz, é necessário superar a hostilidade do sistema político e a fraqueza da sociedade. Isto dependerá de uma forte organização da sociedade civil e da vontade política dos governantes em apoiar os processos participativos.

A efetiva participação nos conselhos favorece o estabelecimento de uma sociedade na qual a prática da cidadania além de um direito, pode tornar-se realidade. Na Governança Societal, a oportunização de espaços de manifestação constante da sociedade civil propende que o Estado receba aporte de conhecimentos para a identificação das necessidades prioritárias em determinado segmento social. Além de que a prática do controle social sobre o Estado irá incluir a

responsividade (relação entre as decisões dos gestores e as preferências da comunidade) e a responsabilização dos governantes (DIEGUES, 2013; ALMEIDA; CAYRES; TATAGIBA, 2015; GOMES, 2015; GOHN, 2016).

Neste tocante, as competências/funções/atribuições dos conselhos devem estar bem estabelecidas. Poucos são os pesquisadores que aprofundam o debate referente aos elementos classificatórios destas competências (BUVINICH, 2014; GOHN, 2016). Baseada em abordagens teóricas sobre participação social, democracia deliberativa e análise legislativa, Buvinich (2014) desenvolveu um modelo classificatório que, juntamente com as definições disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em estudo sobre o perfil dos municípios brasileiros, realizado em 2013, foram adotados para esta pesquisa. Assim, a classificação e as definições sobre as competências/funções/atribuições nesta pesquisa são:

 Consultivo – conselho que tem o papel de estudar e indicar políticas ou ações (IBGE, 2014; PEREIRA et al., 2016);

 Deliberativo – tem o papel de decidir sobre a administração de recursos e a implementação de políticas setoriais (IBGE, 2014; PEREIRA et al., 2016);

 Fiscalizador – aquele que fiscaliza a implementação e o funcionamento das políticas, e a administração dos recursos da sua área de atuação (IBGE, 2014; PEREIRA et al., 2016). Fiscalizar envolve execução orçamentária (KLEBA et al., 2010).

 Normativo – responsável pelo estabelecimento de normas e diretrizes para as políticas, bem como para a administração de recursos setoriais (IBGE, 2014; PEREIRA et al., 2016).

Além dessas funções, o conselho também pode ser controlador, embora esta classificação não apareça nos estudos do IBGE (2014) e Pereira et al. (2016) (2014):

 Controlador - controle direto da sociedade sobre as ações do governo; a sociedade civil participa fiscalizando e controlando as atividades do Estado com a adoção de práticas que viabilizam mais transparência de informações, além da participação da sociedade civil na tomada de decisão (DIEGUES, 2013). Controlar envolve execução política (KLEBA et al., 2010).

Essas competências podem aparecer nos conselhos gestores em combinações heterogêneas (Buvinich, 2014), o que deriva em capacidades variadas de obtenção de impactos reais nas decisões políticas. No entanto, como características comuns estão “a exposição e o debate público de diferentes reivindicações e a expectativa de serem levados em consideração nas decisões políticas e na formulação de políticas públicas.” (DAGNINO; TEIXEIRA, 2014, p.42). Os debates originados nestes canais de participação não estão livres de apresentar conflitos. Pelo contrário, o debate é percebido como uma dimensão construtiva destas instituições (DAGNINO; TEIXEIRA, 2014) e quando a deliberação ganha relevância, uma vez que seria:

[...] o resultado concreto da multiplicidade de interesses sociais confluindo com um propósito específico. Para chegar então ao resultado, a participação, a argumentação pública, o respeito à multiplicidade ideológica e a racionalidade pública seriam elementos condicionantes e necessários a um processo deliberativo capaz de ser legítimo. (BUVINICH, 2014, p.61).

O contexto deliberativo refere-se ao cenário no qual os atores procuram chegar a um consenso, intermediados pela troca de razões e argumentos, e buscando uma tomada de decisão coletiva. Isto requer maior envolvimento, capacidade de análise, proposição e controle social dos conselheiros. A deliberação busca equilibrar a defesa de interesses com a aprovação de caráter coletivo dos direitos implicados, ampliando tanto o conhecimento sobre os processos que envolvem a gestão pública, como a corresponsabilidade entre Estado e sociedade civil (KLEBA; COMERLATTO; FROZZA, 2015; SECCHI; FEIJÓ; ITO, 2015). Estas características refletem formas de expressão da adoção da Governança Societal pelo poder público, mostrando-se promissora e, ao mesmo tempo, repleta de obstáculos.

O estudo envolvendo a composição colegiada dos conselhos gestores e suas funções, bem como a análise de atas de reuniões dos conselhos, sugere se o processo de tomada de decisão tem a possibilidade de ser precedido pela discussão. Se sugere o debate de ideias entre indivíduos com o mesmo grau de autoridade, prevalecendo o melhor argumento, gerando decisões mais democráticas e eficientes se comparadas às decisões oriundas de um processo de agregação de simples preferências como uma votação (GOMES, 2015).

De acordo com Kleba, Comerlatto e Frozza (2015), os conselhos estão instituídos, em sua maioria, com caráter deliberativo e fiscalizador, configurando-se como importante espaço de publicização das políticas. Esta publicização permite aos cidadãos acompanhar as discussões e decisões, participando diretamente das primeiras e reivindicando sobre suas demandas e necessidades junto aos representantes da sociedade civil.

Além disso, como instâncias participativas e decisórias, os conselhos contribuem com a politização do cidadão, devido ao seu caráter pedagógico de promover o aprendizado da convivência democrática. Têm potencial para induzir uma transformação dos princípios dos cidadãos em relação ao seu papel político, construindo a partir disto uma cultura política democrática fortalecida por meio de espaços de liberdade e igualdade (MARTINS et al., 2008; KLEBA; COMERLATTO; FROZZA, 2015; GOHN, 2016).

O desenvolvimento de práticas sociais, possibilitadas pelos conselhos, tende a construir saberes e valores cidadãos envolvendo a participação de pessoas que, mesmo sendo diferentes, lutam pelas mesmas metas, visando o bem coletivo (GOHN, 2016). Para Santos Jr., Ribeiro e Azevedo (2004, p.21), os conselhos "são a maior expressão da instituição, pelo menos no plano legal, do modelo de governança democrática no âmbito local."

No entanto, é necessário o reconhecimento de que os conselhos podem atuar como canais que fomentam a interlocução entre Estado e sociedade civil, ou, por outro lado, podem atuar como canais que existem apenas para referendar as decisões centralizadoras do Estado. Por isso, também, o interesse no desenvolvimento desta pesquisa.