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A participação de entidades privadas na prestação do serviço

Conforme autorização constitucional, a iniciativa privada participa da assistência à saúde, integrando o Sistema Único de Saúde de forma complementar. O próprio SUS enuncia as diretrizes a serem obedecidas pelos interessados, de acordo com a legislação previamente comentada. As relações firmadas mediante contrato de direito público ou convênio darão preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas que possuam fins lucrativos. Essa restrição não é impeditiva do repasse de pagamentos às instituições devidamente contratadas pelo Poder Público, mesmo que tenham objetivo de lucro.

Embora o setor privado participe da saúde a título complementar, de acordo com as diretrizes constitucionais de 1988, é interessante anotar que historicamente ele antecede a pretensão estatal de fortalecer o serviço público de saúde. Ou seja, a estrutura da rede privada é mais desenvolvida que a rede de estabelecimentos essencialmente públicos, já que viveu expansão prévia ao estabelecimento dos ideais da Constituição de 1988 e das orientações do SUS.

Certamente a preservação desse cenário também decorre da celeridade peculiar aos investimentos privados, atentos às oportunidades do mercado, enquanto o orçamento público se submete a múltiplos condicionamentos.

Com relação ao §3º do art. 199 da Constituição, a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país era vedada até a publicação da Lei nº 13.097/2015 que autorizou a abertura ao capital estrangeiro na oferta de serviços à saúde, modificando o art. 23 da Lei nº 8.080/1990167.

167 Lei nº 8.080/1990. Art. 23. É permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou

de capital estrangeiro na assistência à saúde nos seguintes casos:

I - doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos;

As entidades privadas de saúde que mantêm contratos com o SUS têm suas ações conduzidas através de mecanismo pertinente ao financiamento das atividades com o objetivo de direcionar suas atuações no mercado. A tabela de procedimentos é o instrumento utilizado tanto para remunerar prestadores e gestores pelos serviços, variando de acordo com a especificidade local, como também para delimitar o leque de serviços disponibilizados.

Os dados fornecidos pelo IBGE168 retratam uma segmentação aparentemente desvantajosa para o SUS, pois a especialização do setor público em produtos de menor complexidade e a rede hospitalar insuficiente contribui para a maior dependência dos convênios com serviços privados, principalmente em relação aos serviços de maior custo169. O cenário poderia ser ordinário caso não estivesse contrário à opção do sistema de saúde feita pela Constituição de 1988 e sedimentada com a criação do SUS, segundo a qual a saúde deve ser prioritariamente oferecida pelo serviço público.

O setor privado segue investindo nos serviços de saúde, sempre considerando as condições mais vantajosas de retorno financeiro, com marcante especialização na maior complexidade tecnológica. O fato é que a disponibilidade de estrutura própria para oferecimento da saúde a nível estadual e municipal seria fundamental para a maior autonomia do SUS em face do mercado privado.

São formuladas críticas ao movimento de privatização do sistema de saúde brasileiro pelos que percebem um movimento do mercado privado visando à dominação sobre esse setor170. Apesar de a Constituição de 1988 supor a equidade e universalidade no direito à saúde, a relação do capital privado com o SUS pode desfavorecer tais ideais, caso o Estado não delimite sua atuação.

Considerando a posição do Estado de comprador de serviços de saúde do mercado privado, defende-se que este poderia agir para conter o poder do capital nessa área, a) hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada; e b) ações e pesquisas de planejamento familiar;

III - serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e

IV - demais casos previstos em legislação específica.

168 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estatísticas da saúde: assistência médico-

sanitária. Rio de Janeiro, 2009. 167 p. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv46754.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2018.

169 GERSCHMAN, Silvia. Políticas comparadas de saúde suplementar no contexto de sistemas públicos de

saúde: União Europeia e Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 5, p. 1441-1451, out. 2008.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-

81232008000500010&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 25 mar. 2018.

170 OCKÉ-REIS, Carlos Octávio; CARVALHO SOPHIA, Daniela. Uma crítica à privatização do sistema de

saúde brasileiro: pela constituição de um modelo de proteção social público de atenção à saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 72-79, abr. 2009. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/4063/406341772009.pdf>. Acesso em: 23 maio 2018. p. 4.

contribuindo para a obediência às diretrizes das políticas de saúde com base no interesse público. Entretanto, certamente os segmentos privados ofereceriam resistência à internalização da função social, ainda que seja exigência do texto constitucional para as atividades mercantis empreendidas no setor da saúde171.

O debate acerca da privatização do sistema de saúde brasileiro merece análise mais aprofundada que o presente trabalho não comporta, pois fugiria ao escopo pretendido. Logo, retorna-se ao tratamento dos ajustes celebrados na área da saúde, sem a pretensão de formular juízo crítico acerca da correlação de forças entre o SUS e o capital privado.

Diante do imediatismo das necessidades sociais pelos serviços de saúde, compete aos entes federativos celebrar contratos com estabelecimentos particulares para sanar suas deficiências.

Com relação às pessoas jurídicas de direito privado constituídas nos padrões autorizados pelo ordenamento jurídico brasileiro, é possível identificar os formatos mais compatíveis com as finalidades dos estabelecimentos de saúde. Sopesando a extensão do Estado brasileiro e desigualdades regionais, percebe-se que o mercado do Estado de São Paulo, por exemplo, tem funcionamento substancialmente distinto do encontrado no Rio Grande do Norte.

Por essa razão, este trabalho dá ênfase ao estudo das contratações públicas firmadas com as entidades privadas no Estado do Rio Grande do Norte e, especialmente, no Município de Natal.

171 OCKÉ-REIS, Carlos Octávio; CARVALHO SOPHIA, Daniela. Uma crítica à privatização do sistema de

saúde brasileiro: pela constituição de um modelo de proteção social público de atenção à saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 72-79, abr. 2009. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/4063/406341772009.pdf>. Acesso em: 23 maio 2018. p. 7.

4 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS NA SAÚDE PÚBLICA