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4.4. As instituições privadas contratadas pela Secretaria Municipal de Saúde de

4.4.3. As entidades do terceiro setor

As entidades do terceiro setor foram regulamentadas no contexto da Reforma do Aparelho do Estado261 como meio de transição para uma Administração Pública gerencial que seria mais flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão. Na década de 1990 o governo brasileiro reconhece enfrentar um problema de governança que impõe a melhora da sua capacidade de implementar as políticas públicas, obstaculizada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa.

Foram criadas a organização social (OS) pela Lei n° 9.637/1998 e a organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) pela Lei n° 9.790/1999 para dar seguimento às ideias propostas na Reforma do Aparelho do Estado. Mais recente é a Lei n° 13.019/2014, formulada para dar maior segurança e transparência às parcerias entre a Administração Pública e as entidades do terceiro setor262, que enfrentou obstáculos para entrar em vigor em virtude das polêmicas levantadas sobre as parcerias que regulamenta, tendo seu período de

vacatio estendido quatro vezes. Por fim, seu texto foi logo modificado pela Lei nº

13.204/2015.

Maria Sylvia Zanella di Pietro enxerga conteúdo imoral na Lei da organização social (Lei n° 9.637/1998) devido aos riscos para o patrimônio público e para os cidadãos decorrentes da “intenção do legislador de instituir um mecanismo de fuga ao regime jurídico de direito público”. A administrativista as considera “entidades fantasmas, porque não

261 O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado explica a finalidade pretendida: “Reformar o aparelho do

Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em „agências autônomas‟, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as „organizações sociais‟. ” (BRASIL. Presidência da República. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília: 1995. Disponível em: <http://igepp.com.br/uploads/arquivos/tc-01-pdrae-fls09- 22-fls40-48.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2018).

262 MÂNICA, Fernando Borges. As novas mudanças na Lei n. 13.019/14 (PLV 21/15) e o futuro das parcerias

com o terceiro setor. Revista Colunistas Direito do Estado, Salvador, n. 25, 2015. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/fernando-borges-manica/as-novas-mudancas-na-lei-n-1301914- plv-21-15-e-o-futuro-das-parcerias-com-o-terceiro-setor>. Acesso em: 20 abr. 2018.

possuem patrimônio próprio, sede própria, vida própria. Elas viverão exclusivamente por conta do contrato de gestão com o Poder Público”263

.

Já a OSCIP, apesar de possuir conceito semelhante, lhe parece mais bem estruturada, pois a Lei n° 9.790/1999 impõe requisitos mais rígidos para sua qualificação264. Além disso, entende legítima sua finalidade de atividade de fomento para incentivar a iniciativa privada de interesse público, sem pretender se apropriar de serviços públicos de modo sorrateiro.

Marçal Justen Filho não enxerga a organização social como uma nova espécie de sujeito de direito, mas simplesmente como uma associação civil sem fins lucrativos que se submete a requisitos legais específicos e, por isso, é denominada dessa forma265. Na medida em que a entidade privada se adequa ao regime especial, ela gozará de benefícios como o recebimento de verbas públicas, a utilização de bens públicos e a cessão de servidores públicos, por exemplo.

No mesmo sentido é o entendimento sobre a OSCIP que, do ponto de vista estrutural, não caracteriza uma nova espécie de pessoa jurídica266. Porém, o administrativista reconhece que a disciplina pela Lei n° 9.790/1999 corrigiu alguns defeitos relativos à OS e ampliou o âmbito de atuação da OSCIP.

Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza tratam das modernas parcerias do Estado com o terceiro setor e apontam as semelhanças destes vínculos com os contratos de prestação de serviços, ressaltando o caráter contratual das parcerias, independentemente da denominação utilizada pela legislação267. Com isso pretendem afastar a tendência de se negar a natureza contratual das parcerias do terceiro setor com o intuito de burlar o procedimento licitatório da Lei n° 8.666/1993 ao mesmo tempo em que reconhecem a necessidade de se formular procedimento administrativo adequado a tais contratações. Isso porque a licitação em seu formato tradicional emperraria o avanço proposto pelas modernas parcerias do Estado com o terceiro setor.

A constitucionalidade da Lei n° 9.637/1998 foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal que decidiu na ADI n° 1.923 pela parcial procedência do pedido para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/1998 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8.666/1993. Com isso, submete o procedimento de qualificação e a celebração do contrato

263

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. pp. 420-421.

264

Ibidem, p. 424.

265 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 227. 266 Ibidem, p. 230.

267

SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de. As Modernas Parcerias Públicas com o Terceiro Setor. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. Cap. 3. p. 42-78.

de gestão à forma pública, objetiva e impessoal, respeitando os princípios do caput do art. 37 da Constituição, além de afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da aplicação de verbas públicas recebidas pela entidade do terceiro setor.

Ao final, decidiu-se que a entrega das atividades relativas “ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde” às organizações sociais pela Lei n° 9.637/1998 traduz a “instituição de um sistema de fomento, de incentivo a que tais atividades fossem desempenhadas de forma eficiente por particulares, através da colaboração público-privada”268.

Portanto, o Poder Público tem autorização legal e constitucional para fomentar os serviços de saúde por meio de entidades do terceiro setor, respeitando as diretrizes contratuais da Administração Pública como faz em qualquer contratação.

A prevalência das contratações com as entidades do terceiro setor numa localidade se deve à escolha dos gestores diante da oferta e demanda do mercado em questão. No Estado do Rio Grande do Norte e, especialmente, em Natal, é tímida a participação de OS269 ou OSCIP na prestação de serviços de saúde270. Por outro lado, são comuns os vínculos contratuais com cooperativas e pessoas jurídicas constituídas por médicos.